27.05.11 - Mundo
Os ‘perigos’ da política e do bem comum
Jung Mo Sung
Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo
Fonte Adital.
Recentemente, um famoso teólogo da libertação, que já foi criticado por usar marxismo na sua reflexão, postou em uma rede social: "Não confiemos muito nos partidos. Eles são sempre parte e nós queremos o todo. Política não é busca comum do bem comum, mas busca de interesses”. Penso que ele estava se referindo ou reagindo ao que passou na Câmara dos Deputados na votação do código florestal.
Estou comentando essa "mensagem” porque fiquei incomodado. Textos em redes sociais são escritos sem muita reflexão ou revisão, pois são de produção e consumo rápido. Mas, por isso mesmo podem ser expressões do que realmente pensamos. Mesmo que este texto não expresse corretamente o pensamento do autor, ele chega a milhares de pessoas e são replicados para tantos outros. Assim, acaba sendo parte da cultura política das pessoas e grupos que estão descontentes com a situação atual. Por tudo isso, penso que vale a pena fazer algumas reflexões.
A primeira frase é bastante genérica, pode ser interpretada de vários modos e não causa maiores problemas. Pois, não confiar muito nos partidos políticos é sempre uma boa postura. Mas, o restante da mensagem revela o seu sentido específico. Ao afirmar que os partidos são sempre "parte” e que "nós”, isto é, ele e os que seguem a mesma linha querem o "todo”, o autor mostra que a sua primeira afirmação é uma crítica aos partidos. Mais do que isso. Ele não critica somente o modo como os partidos atuais funcionam, mas critica a própria política enquanto instrumento de organização do Estado e de luta. Ao afirmar que "política não é busca do bem comum, mas busca de interesses”, ele, em nome do bem comum, deslegitima a política e a luta dos partidos por determinados interesses.
Em nome de uma visão holística, que pensa a partir do todo, e de um bem comum acima dos interesses de grupos ou de partes, ele propõe a defesa do meio ambiente e de um futuro de harmonia para humanidade. É uma proposta de visão da realidade e de luta que superaria a razão moderna e a própria prática política moderna. Não mais partes, mas sim o todo; não mais pensar e lutar a partir dos interesses, sejam dos trabalhadores ou dos capitalistas, mas em nome do bem comum.
O que me incomoda, e que me faz escrever este texto sem nenhuma intenção de criticar o autor, é que, se desqualificamos as lutas políticas feitas em nome de interesses, estamos afirmando que não há diferenças importantes ou conflito entre os interesses dos trabalhadores e dos capitalistas. Em outras palavras, a luta pela defesa do meio ambiente, que é um bem comum à toda humanidade, não pode nos levar a esquecer que existe de fato conflito de interesses entre trabalhadores e capitalistas (incluindo neste grupo a elite da burocracia privada que administra o capitalismo global). Este conflito não nasce por falta de consciência do bem comum ou da carência de consciência ecológica, mas do lugar que ocupa no processo de produção econômica em escala mundial.
Se desqualificarmos a política como espaço de luta em torno do Estado, feita através dos partidos políticos, abandonamos uma instância fundamental de onde podemos tentar controlar o sistema de mercado capitalista global. Sem este controle, em nível nacional e mundial, teremos o sonho dos neoliberais: mercado livre para continuar explorando sem restrição os trabalhadores e o meio ambiente. Devemos lutar pelo bem comum, mas isto não pode nos levar a uma postura abstrata que não reconhece a objetividade da existência de conflito de interesses, de lugares distintos na divisão social do trabalho e no sistema econômico global. Lutar pelo bem comum passa pela defesa dos interesses de uma parte, a dos mais vulneráveis, fracos e pobres.
É claro que devemos melhorar o sistema de partidos, a política e o Estado como funcionam hoje. Mas, a luta por bem comum e o meio ambiente não podem nos levar a perder uma das grandes "conquistas” da TL: a opção pelos pobres e vítimas (opção por uma parte) que se concretiza também através da inserção na luta política.
[Autor de "Sujeito e sociedades complexas”, Vozes. Twitter: @jungmosung]
Os ‘perigos’ da política e do bem comum
Jung Mo Sung
Coord. Pós-Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo
Fonte Adital.
Recentemente, um famoso teólogo da libertação, que já foi criticado por usar marxismo na sua reflexão, postou em uma rede social: "Não confiemos muito nos partidos. Eles são sempre parte e nós queremos o todo. Política não é busca comum do bem comum, mas busca de interesses”. Penso que ele estava se referindo ou reagindo ao que passou na Câmara dos Deputados na votação do código florestal.
Estou comentando essa "mensagem” porque fiquei incomodado. Textos em redes sociais são escritos sem muita reflexão ou revisão, pois são de produção e consumo rápido. Mas, por isso mesmo podem ser expressões do que realmente pensamos. Mesmo que este texto não expresse corretamente o pensamento do autor, ele chega a milhares de pessoas e são replicados para tantos outros. Assim, acaba sendo parte da cultura política das pessoas e grupos que estão descontentes com a situação atual. Por tudo isso, penso que vale a pena fazer algumas reflexões.
A primeira frase é bastante genérica, pode ser interpretada de vários modos e não causa maiores problemas. Pois, não confiar muito nos partidos políticos é sempre uma boa postura. Mas, o restante da mensagem revela o seu sentido específico. Ao afirmar que os partidos são sempre "parte” e que "nós”, isto é, ele e os que seguem a mesma linha querem o "todo”, o autor mostra que a sua primeira afirmação é uma crítica aos partidos. Mais do que isso. Ele não critica somente o modo como os partidos atuais funcionam, mas critica a própria política enquanto instrumento de organização do Estado e de luta. Ao afirmar que "política não é busca do bem comum, mas busca de interesses”, ele, em nome do bem comum, deslegitima a política e a luta dos partidos por determinados interesses.
Em nome de uma visão holística, que pensa a partir do todo, e de um bem comum acima dos interesses de grupos ou de partes, ele propõe a defesa do meio ambiente e de um futuro de harmonia para humanidade. É uma proposta de visão da realidade e de luta que superaria a razão moderna e a própria prática política moderna. Não mais partes, mas sim o todo; não mais pensar e lutar a partir dos interesses, sejam dos trabalhadores ou dos capitalistas, mas em nome do bem comum.
O que me incomoda, e que me faz escrever este texto sem nenhuma intenção de criticar o autor, é que, se desqualificamos as lutas políticas feitas em nome de interesses, estamos afirmando que não há diferenças importantes ou conflito entre os interesses dos trabalhadores e dos capitalistas. Em outras palavras, a luta pela defesa do meio ambiente, que é um bem comum à toda humanidade, não pode nos levar a esquecer que existe de fato conflito de interesses entre trabalhadores e capitalistas (incluindo neste grupo a elite da burocracia privada que administra o capitalismo global). Este conflito não nasce por falta de consciência do bem comum ou da carência de consciência ecológica, mas do lugar que ocupa no processo de produção econômica em escala mundial.
Se desqualificarmos a política como espaço de luta em torno do Estado, feita através dos partidos políticos, abandonamos uma instância fundamental de onde podemos tentar controlar o sistema de mercado capitalista global. Sem este controle, em nível nacional e mundial, teremos o sonho dos neoliberais: mercado livre para continuar explorando sem restrição os trabalhadores e o meio ambiente. Devemos lutar pelo bem comum, mas isto não pode nos levar a uma postura abstrata que não reconhece a objetividade da existência de conflito de interesses, de lugares distintos na divisão social do trabalho e no sistema econômico global. Lutar pelo bem comum passa pela defesa dos interesses de uma parte, a dos mais vulneráveis, fracos e pobres.
É claro que devemos melhorar o sistema de partidos, a política e o Estado como funcionam hoje. Mas, a luta por bem comum e o meio ambiente não podem nos levar a perder uma das grandes "conquistas” da TL: a opção pelos pobres e vítimas (opção por uma parte) que se concretiza também através da inserção na luta política.
[Autor de "Sujeito e sociedades complexas”, Vozes. Twitter: @jungmosung]
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