26 de out. de 2015

Vender? Nunca!

Publicado por Frei João Carlos Romanini | 13/07/2015 - 11:49 
 
A domesticação de animais iniciou-se há milhares de anos, uma prática pré-histórica. Consiste em adaptar por seleção os animais preferidos, tidos como adequados e proficientes para perfazer as necessidades humanas. Por essas e por outras razões a domesticação é benéfica à civilização. Ao mesmo tempo em que animais, aves e seres são tidos como criaturas dóceis e úteis à convivência humana, é necessário sublinhar seu uso responsável.
Permanecem como elementos de preocupação que a domesticação não deixa de ser prejudicial à natureza, à ecologia, à seleção natural, à evolução biológica, etc. São percebíveis sintomas como a redução da biodiversidade, extermínio de espécies, desequilíbrios ecológicos, mudanças climáticas, abandono do habitat natural, entre outros. Por outro lado, a domesticação propõe elementos de melhor qualidade de vida humana e relações ecológicas e sociais. Influencia opções que se aproximam do espírito de preservação da natureza e do ambiente.
O relacionamento do ser humano com seus animais domesticados é fonte de alegria e autenticidade. Provoca sentimentos que incentivam comportamentos de encanto por todas as criaturas e renunciam ao ato de explorar e de destruir a natureza. Então, a domesticação tem sua face benéfica ao mundo e ao ser humano, mas maléfica ao provocar impactos no equilíbrio da natureza quando feita em grande escala.
Isto tudo é evidente, mas um testemunho pode transcender ao fato da domesticação e revelar um pouco da essência do ser humano. Num telejornal de domingo à noite um repórter foi às ruas e propôs a mendigos, sem-teto e moradores instalados debaixo de pontes e de galpões de resíduos recicláveis a compra de seus cachorros.
Tal como entrevistava uns e outros, logo entravam em cena sob a mesma pergunta: você venderia seu cachorro? Em meio ao cenário de abandono e de miséria as respostas põem em contato com a essência do ser humano: “vender nunca, por preço nenhum. É a minha alegria. É meu companheiro. Não tem dinheiro que pague”. Respostas que ultrapassavam de longe a uma mera avaliação intelectual ou um cálculo econômico pelos bichos.
O filósofo alemão Immanuel Kant (1724 – 1804) diz que “podemos julgar o coração de um homem pela forma como ele trata os animais”. Em meio a tantos ataques à natureza, as respostas dos mendigos e do filósofo não podem ser desvalorizadas para a tomada de consciência e de atitudes. Antes, importa pensar e espelhar-se na postura de São Francisco de Assis, que cantava louvores a Deus por todas as criaturas, até mesmo pelos mais minúsculos dos animais.
Miguel Debiasi
Sobre o autor

Miguel Debiasi

Miguel Debiasi, é membro da Província dos Freis Capuchinhos do Rio Grande do Sul,  Mestre em Filosofia e Teologia  Autor  de textos, artigos e crônicas. publicou o livro Teologia da Tolerância – um novo modus vivendi cristã, publicado em 2015 pela ESTEF, Escola de Espiritualidade e Teologia Franciscana. Atualmente é pároco da Paroquia Cristo Rei de Marau e Conselheiro do Governo Provincial, eleito no dia 04 de setembro de 2014.

2 de set. de 2015

Jesus, a luz do mundo

 Ir. Afonso Murad
A imagem da “luz” ajuda a compreender vários aspectos da nossa vida. Quando um bebê vem ao mundo, diz-se que sua mãe “deu à luz”. A morte, ao contrário, é representada como “não ver mais a luz”. Se durante a vida uma pessoa se destaca com sucesso no estudo ou na profissão, comenta-se que ela “brilhou”. Quando alguém mostra inteligência e conhecimento amplo ao enfrentar enormes desafios, falamos que ela é “brilhante”. Quando você precisa tomar uma decisão e está confuso(a), busca alguém que lhe “dê uma luz”. O caminho espiritual, em diversas religiões, é traduzido como a peregrinação em direção à Luz, processo de iluminação.
O nosso dia a dia também é marcado literalmente pela luz, nas suas mais distintas formas. Acendem-se as lâmpadas da casa para ver melhor as coisas e as pessoas. Projeta-se a luz próxima ao espelho para alguém se arrumar, observar os detalhes do seu corpo e se embelezar. A tela do computado e da TV lançam-nos múltiplas imagens em movimento, com luz. No ambiente de trabalho precisamos de luz nas salas, no escritório, no banheiro, no corredor, onde estivermos. Ao caminhar à noite, nas praças e parques, necessitamos de boa iluminação pública, o que nos dá sensação de segurança.
Nas culturas pré-modernas, a luz estava associada ao calor. Luz do sol, que iluminava e aquecia. Luz do fogo, que espantava o medo da noite, esquentava nas noites frias e fascinava pela sua beleza. Hoje sabemos que a energia do sol, com luz e calor, é fundamental para garantir a continuidade dos ciclos básicos da vida no nosso planeta.
A luz deve ser utilizada de forma equilibrada. Estar submetido(a) a intensos raios de luz, por tempo prolongado, causa estresse e cansaço. Estirar o corpo diante de raios solares no pico do dia traz efeitos danosos para a pele. Dirigir um facho de luz diretamente para os olhos nos atordoa. A luz é boa, na medida certa.
A luz  evoca beleza, prazer e poesia. Como é bonito estar em meio à natureza e acompanhar delicadamente os tons de cores que vem ao entardecer, com o por do sol. Vislumbrante é o nascer da lua, com sua luz amarelada e prateada. Suave e delicada é a luz indireta no quarto, que nos prepara para uma noite tranquila. Maravilhosa é a luz que torna mais intensas as cores das paisagens!
O evangelista São João utiliza da imagem da luz, para dizer quem é Jesus e mostrar os efeitos de sua mensagem em nós. No prólogo, o evangelista proclama: “Na Palavra, que estava desde o princípio junto de Deus, havia a Vida. E a vida era a luz dos homens (e das mulheres). A luz brilha nas trevas, mas as trevas não conseguiram dominá-la (Jo 1,14-15)”. O Filho de Deus, que veio morar entre nós, fazendo-se carne de nossa carne, história na nossa história, é luz que traz vida. Não somente a vida biológica, mas sobretudo aquela que significa agir conforme o bem, combater o fechamento sobre si mesmo e seus desejos egoístas, que chamamos de “pecado”.
O ser humano anseia compreender o que acontece consigo e com os outros, esforça-se para comunicar conceitos, emoções e descobertas.  Escuta, interpreta, cria pontes de comunicação e diálogo. Neste sentido, o filho de Deus encarnado, Jesus Cristo, é Palavra de luz. Ele ilumina a mente, a inteligência e os sentimentos das pessoas. Faz com que as nossas buscas não se percam no vazio solitário, mas se transformem em encontros.
Jesus diz : “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não caminha nas trevas, mas tem a luz da vida (Jo 8,12)”. A presença de Jesus, ao mesmo tempo, toca o coração de cada um e se expande para a sociedade humana, de forma a iluminar, aquecer e transformar as atitudes, os hábitos, os comportamentos, as ideologias, a política, a economia, as estruturas sociais. Nesta linha, compreende-se a importância do tema “Igreja e sociedade”, da Campanha da Fraternidade deste ano. A pessoa e a mensagem de Jesus não são uma lanterna de bolso para tentar suprir carências individuais na escuridão das crises. Antes, o evangelho se mostra como uma grande luz, que apela para mudanças, impulsiona o ser humano para ser mais, aquece as relações, dá sentido, confere cor e sabor à existência pessoal e coletiva. Aí está a missão da Igreja, comunidade de cristãos e cristãs: que a luz de Jesus crie comunidades vivas, se espalhe como sol do meio-dia, penetre profundamente no tecido social, estimule os seres humanos a desenvolver o seu lado luminoso.
A luz de Jesus é espiritual, pois toca as dimensões mais profundas do humano, onde Deus se manifesta e fala ao coração e à mente da gente. Por vezes, é como a luz suave do quarto de dormir, que apazigua e nos prepara para o sono. Outras vezes, assemelha-se à luz da cozinha ou da sala, necessárias para se ver com clareza as pessoas e as coisas. Sempre é como a luz e o calor revigorantes do sol. E esta luz espiritual tem uma dimensão ética inegável.
“A luz veio ao mundo, mas as pessoas preferiram as trevas à luz, pois suas obras eram más. Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima dela, para que as suas ações não sejam denunciadas. Mas quem age conforme a verdade aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus” (Jo 3, 19-21). A luz de Jesus revela quem somos. Desmascara as falsas verdades, os esquemas enganosos. Por isso, quem age de forma sombria, com segundas intenções, tem medo da luz de Jesus. E quem pratica o bem, sendo religioso ou não, se sente atraído por sua presença luminosa.
O evangelho nos faz um convite: caminhemos na luz com o Cristo. No espírito da quaresma, tomemos consciência que podemos ser melhores do que somos hoje. Há dimensões da vida que ainda estão na penumbra, escondidas, resistentes à luz. Não tenhamos medo de reconhecer nossas sombras, quando nos aproximamos de sua luz. Diante de Jesus podemos mostrar nossas ambiguidades, fraquezas, limitações, incoerências. Ele nos acolhe assim, nos toma pela mão e nos conduz para a Luz Maior. Com Jesus e sua comunidade, de santos e pecadores, peregrinos de caminhos e tortuosos e belos, nos tornamos “filhos e filhas de luz” (Ef 5,9-11). E assim cultivamos a bondade, a sinceridade e a justiça, discernindo o que agrada a Deus e nos faz mais humanos.
(Publicado no boletim da Paróquia N.S.Rainha, de Belo Horizonte)

6 de ago. de 2015

Irmã Teresa, a freira mais radical do mundo, sacode a Espanha

Irmã Teresa Forcades
Irmã Teresa Forcades
O mosteiro de St. Benet está entre os mais belos e tranquilos lugares. Para chegar lá, você precisa rumar pelas paisagens lindas da montanha sagrada de Montserrat.
A irmã Teresa Forcades, estrela improvável de programas de entrevistas, do Twitter e do Facebook, tem tido dificuldade em parar de pregar. Tão grande é a demanda por seu tempo e sua bênção que o email de seu secretário aqui no mosteiro sempre retorna uma resposta automática de que a caixa de entrada está cheia.
Irmã Teresa parece sempre estar em pelo menos dois lugares ao mesmo tempo. Ela tem os olhos brilhantes, é confiante, quase alegre. Sua inglês perfeito – aprimorado nos anos que estudou na Universidade de Harvard – parece de alguma forma fora de lugar nos claustros humildes deste local sereno.
Não há nenhum político parecido com ela. Ela nunca está sem o hábito de freira e diz que tudo que faz vem de uma profunda fé cristã e devoção. No entanto, tem sido crítica da Igreja e dos homens que a dirigem.
Os seguidores de seu movimento, Proces Constituint, com aproximadamente 50 mil catalães, são principalmente esquerdistas não-crentes. Ela não quer um cargo e diz que não vai criar um partido político, mas é inegavelmente uma figura política em uma missão – derrubar o capitalismo internacional e alterar o mapa de Espanha.
Seu programa de 10 pontos, elaborado com o economista Arcadi Oliveres, pede:
• A estatização de todos os bancos e medidas para coibir a especulação financeira
• O fim de cortes de empregos, salários mais justos e pensões, menos horas de trabalho e pagamentos para os pais que ficam em casa
• Uma “democracia participativa” genuína e medidas para coibir a corrupção política
• Habitação decente para todos e um fim a todas as execuções de hipotecas
• A reversão de cortes de gastos públicos e renacionalização de todos os serviços públicos
• Direito de um indivíduo ser dono de seu próprio corpo, incluindo o direito da mulher de decidir sobre o aborto
• Políticas econômicas “verdes” e a nacionalização das empresas de energia
• O fim da xenofobia e a revogação das leis de imigração
• Meios de comunicação públicos sob controle democrático, incluindo a internet
• “Solidariedade” internacional, sair da Otan e a abolição das forças armadas em uma futura Catalunha livre
Com um talento natural para falar em público, e mente afiada de uma militante, ela não teria superado a vida monástica? Suas irmãs não estariam cansadas das visitas constantes, eu me pergunto?
Ela interrompe a nossa primeira entrevista para cumprimentar uma delegação de ativistas pela independência da Catalunha, que vieram prestar homenagem ao mosteiro. Enquanto espero, as irmãs que param para conversar não têm dúvida de que o seu talento e sua fama são “dons de Deus” e que ela está abrindo caminho para um futuro mais jovem e mais feminista para a Igreja Católica.
Elas são apenas três dezenas de mulheres que vivem uma vida tranqüila de oração, mas esta é a base do poder político da Irmã Teresa. Ela é a embaixatriz delas para o mundo secular, e muitas vezes turbulento, para além da montanha. Diferentemente da maioria dos partidos políticos, movidos pela rivalidade, o círculo íntimo de Irmã Teresa a ama incondicionalmente.
Quando eu viajo para vê-la buscando apoio para o novo movimento em uma praça da cidade, o lugar está lotado. Ela agarra a multidão com idéias radicais que assustam muitos políticos tradicionais na Espanha. Ela admira Gandhi e algumas das políticas do falecido Hugo Chávez, na Venezuela, e de Evo Morales, da Bolívia.
Mas é o modelo econômico secular das monjas beneditinas, criando bens úteis para vender, que ela cita mais apaixonadamente.
Depois de um intervalo de duas semanas, eu subo a estrada sinuosa para o mosteiro para uma última visita. Irmã Teresa foi a uma conferência religiosa no Peru, onde é inverno, e voltou para casa com um resfriado. Bispos fiéis ao Vaticano têm criticado suas posições radicais sobre tudo, do aborto aos bancos.
Tornou-se uma batalha por onde passa. Pelo menos por enquanto, seu bispo em casa não a proibiu de continuar.
Na capela, ela cumprimenta minha esposa e os dois filhos pequenos calorosamente. Ela me disse que, quando era adolescente, abraçou o celibato.
É outra contradição que percebo: ela está perdendo uma vida em que pode amar livremente e tudo o mais que isso implica?
Ela me diz que se apaixonou três vezes desde que se tornou freira, mas sua devoção a Deus e ao mosteiro continua forte como sempre.
“Enquanto a minha vida religiosa for cheia de amor, eu vou estar aqui”, ela diz. “Mas no momento em que esta vida se transformar num sacrifícios… Então é será meu dever abandoná-la.”
Por ora, ao que parece, o caso de amor da Catalunha com talvez a figura política mais improvável do mundo vai muito bem.
Publicado originalmente na BBC.
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10 de jul. de 2015

Se você não desistir o sucesso virá

             Kelio Vilarindo Pereira, natural de Porto Nacional - Tocantins - poderia entrar no Livro dos Recordes: repetiu  sete vezes a 1ª séria  do ensino fundamental. Ele não conseguia entender o conteúdo das aulas. Teve de enfrentar as críticas dos familiares e  as brincadeiras de mau gosto dos colegas. Mas ele não desistiu. Agora, aos 32 anos,  acaba de receber o diploma no curso de Serviço Social na Universidade do Norte do Paraná e se prepara para enfrentar uma  pós-graduação.
            Todos temos sonhos, mas nem sempre estamos dispostos a pagar o preço exigido. É perigoso acolher alternativas mais baratas.. Os que optaram por  este caminho afundaram no mar do anonimato. Seus  nomes foram esquecidos, enquanto a História guardou os nomes dos  que superaram as dificuldades..
            Demóstenes,  o maior orador  da antiguidade grega, era gago. Venceu a dificuldade, colocando seixos na boca enquanto discursava diante das ondas do mar. Giuseppe Verdi, só depois de dois insucessos, foi admitido no Conservatório de Milão. O grande estadista, Winston Churchill, com bom humor, lembrava que ninguém sabia tanto do segundo ano primário, curso que ele repetiu três vezes. William Kennedy passou por 17 editoras até ver publicado seu  romance  Vernônia.
            Henri Ford  dizia aos seus empregados: se você acha que pode, ou se você acha que não pode, sempre terá razão. E Jean Cocteau, da Academia Francesa, comentou  a vida de um vitorioso: ele não sabia que era impossível, foi lá e o fez.
            Kelio V. Pereira, ao comentar seu sucesso, aponta duas causas: a família e pessoas que o ajudaram a  abrir  novos caminhos. Mesmo assim ele insiste: a pessoa tem  de querer vencer suas própria dificuldades, senão ele nunca sairá do lugar.
            Para inventar a lâmpada elétrica, Tomás Edison fez duas mil tentativas. Um repórter quis saber: o senhor nunca sentiu a vontade de desistir com tantos fracassos? A resposta; eu nunca fracassei; cada tentativa errada, eu dizia :aí está um jeito que não dá certo. Quando um erro nos ensina alguma coisa, ele valeu a pena.  Bem aproveitado, o erro é um excelente mestre.
            Quando nosso projeto é grande, não podemos ter muita pressa. Um cedro demora 80 anos para chegar  à maturidade, mas a aboboreira precisa apenas  de dois meses. Nunca podemos dizer: mais tarde, agora é cedo demais. Também é uma desculpa admitir: agora é tarde demais.  Se o  sonho é importante,  comece hoje.

Frei Aldo ColomboSobre o autor

Frei Aldo Colombo

Aldo Colombo é Frei Capuchinho,  nasceu em  Rolante, RS. Atualmente  reside Garibaldi, como vigário paroquial e superior da fraternidade e articulista do Jornal Correio Riograndense, e com varias publicações. Escreve textos para as emissoras da  Redesul de Rádio.

9 de jul. de 2015

Ser uma pessoa religiosa ou de fé: distinções

Fonte: domtotal.com
Se faltar discernimento, prevalecerá a disputa entre religião e fé e não o encontro entre ambas.
É muito comum confundir experiência religiosa com experiência de fé.
 
Por Dom José Antônio Peruzzo*
Impressiona o elevado grau de religiosidade disseminada por toda a parte. Desde os tempos do iluminismo se anunciava o fim da religião. Contudo, por mais que a genialidade humana seja pródiga em sua força inventiva, quando tudo estaria a sugerir que a família humana seria mais feliz e justa, ainda assim enumeram-se as contradições da história. Homens e mulheres, carentes e abastados, parecem sempre mais inquietos. Uns pela falta, outros pelo excesso. E Deus é sempre lembrado. Em muitos casos, infelizmente, até para legitimar a violência.
É muito comum confundir experiência religiosa com experiência de fé. Também se fazem verdadeiros hibridismos entre religião e espiritualidade. Embora sejam questões conexas, se faltar discernimento, prevalecerá muito mais a disputa entre religião e fé do que o encontro entre estas duas dimensões. A religião refere-se ao sagrado, ao inacessível, dotado de onipotência. A pessoa religiosa se expressa com ritos e cultos. Faz suas ofertas e apresenta seus pedidos. Em muitas situações envolve um grande fascínio. Tem forte componente emotivo. Também faz parte da experiência religiosa a adesão a um corpo doutrinal. Mas ainda não chega a ser uma vivência de encontro com um Deus amoroso. Neste sentido, até as nossas novenas, vez por outra, podem carecer de maiores discernimentos. Elas correm o risco de serem apenas exercícios de religiosidade, o que é ambíguo.
A experiência de fé tem fundas raízes na religião. Mas traz consigo alguns elementos diferenciadores. A fé pede atitudes de relação, de confiança, de obediência. Não se trata de relação submissa, nem confiança cega. Tampouco se pensa em obediência fanatizada. Na experiência de fé conta muito, decisivamente, a liberdade pessoal. Compreendamos o sentido de “obediência”. Vem do latim ob-audire. A primeira parte (ob) é prefixo que indica “diante de”, “por causa de”. Audire quer dizer ouvir. Daí o termo obediência.
Agora voltemos à fé. Homem ou mulher de fé não é aquele(a) que tem certezas intelectuais. Tampouco é fé aquela atitude psicológica parecida com pensamento positivo. Estas são virtudes humanas, mas que ainda não integram ou constroem relações de confiança. Tem fé quem se dispõe aderir e vincular sua liberdade em favor de alguém que confere sentido à vida presente e futura. Porque adere também ouve, também ora, também obedece (ob-audire). Claro, a fé tem uma dimensão religiosa porque comporta abrir-se à eternidade, ao infinito, ao onipotente. Mas mais do que aspectos de ritos, valem os vínculos de relação.
Agora podemos retomar a frase do evangelho. O mais sério problema dos discípulos não era o vento tempestuoso. Não era a ameaça das ondas. Era a sua pouca confiança. O mar agitado era poderoso. O vento forte era ameaçador. Aos discípulos parecia mais lógica a certeza vinda de um milagre expectado do que a confiança na força, na autoridade e na palavra que de Jesus tinham ouvido. Eles eram homens religiosos. Mas ainda não tinham fé. O vento e o mar se curvaram ante a voz de Jesus. Os discípulos, porém, se apavoraram.
Segue que para chegar a ser uma pessoa de fé o caminho a percorrer não é o das elaborações filosóficas. Não são os raciocínios complicados que me levam à obediência a Deus. Se se trata de relação e de confiança, então a disposição à oração é o passo primeiro. É por isso que encontramos no mesmo evangelho de Marcos uma sublime oração de súplica: “Senhor, vem em socorro à minha fé” (Mc 9,24).
CNBB 08-07-2015
*Dom José Antônio Peruzzo é arcebispo de Curitiba (PR

19 de jun. de 2015

CNBB se opõe à redução da maioridade penal

Fonte: domtotal.com
Entidade revela o temor de que algumas violações aos direitos da criança deixem de ser crime.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) divulgou, nesta quinta-feira (18), nota em que afirma que a redução da maioridade penal representará uma ameaça a direitos hoje previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
No documento, a entidade revela o temor de que, se aprovada pelo Congresso Nacional, a medida acarrete um “efeito dominó”, fazendo com que algumas violações aos direitos da criança e do adolescente, como a venda de bebidas alcoólicas, abusos sexuais, entre outras, deixem de ser crime.
“Seria uma consequência natural, já que reduzir a idade de responsabilização penal para 16 anos terá implicações enormes sobre a vida social. Poderá valer para a compra de bebidas alcoólicas, direção de carros, trabalho. Abrimos um leque enorme”, disse o secretário-geral da entidade, Dom Leonardo Steiner, sustentando que, em outros países, a medida não surtiu os efeitos esperados. “Não podemos cair na tentação de nos desvencilharmos de nossos problemas sociais e de nossos jovens”.
Para a CNBB, é um equívoco afirmar que o estatuto não estabelece punições aos adolescentes que cometem atos infracionais. No documento, a entidade lembra que, no Brasil, os jovens podem ser responsabilizados penalmente já a partir dos 12 anos - idade abaixo da estipulada pela maioria dos países industrializados. Na avaliação da CNBB, reduzir a maioridade penal dos atuais 18 anos para 16 anos não resolverá a violência.
Segundo o presidente da CNBB, Dom Sergio da Rocha, embora ao ser sancionado, há 25 anos, o ECA tenha sido saudado como uma das melhores leis do mundo em relação à criança e ao adolescente, as medidas socioeducativas nele previstas não foram devidamente aplicadas ao longo dos anos, não sendo possível afirmar que a lei contribui para a impunidade.
“Embora tenha sido tão bem acolhido, o ECA não foi levado a sério como deveria. Hoje, teríamos de revalorizar e verificar a responsabilidade do Poder Público”. Na nota, a CNBB ainda sustenta que "as medidas socioeducativas previstas no estatuto foram adotadas a partir do princípio de que todo adolescente infrator é recuperável, por mais grave que seja o delito que ele tenha cometido. Esse princípio está de pleno acordo com a fé cristã”, menciona a nota.
Vice-presidente da CNBB, Dom Murilo Krieger destacou que, em momentos de comoção, quando é grande a cobrança por respostas rápidas para problemas como a criminalidade. “Nesses momentos, diante de alguns fatos tristes envolvendo adolescentes, nascem mitos e equívocos, como a ideia de que a redução solucionará o problema da falta de segurança. Com isso nos desobrigamos de buscar soluções educativas. O que queremos é criar uma consciência e demonstrar que o problema é bem mais amplo, que os jovens têm direito a uma nova oportunidade”.
Agência Brasil

18 de jun. de 2015

Reordenando os Sentimentos

 Fonte: http://capuchinhos.org.br/caprs/artigos/detalhes/reflexoes/reordenando-os-sentimentos
Publicado por Frei Jaime João Bettega
Reordenando os sentimentos, incrementando tudo com uma boa dose de esperança. Vai dar certo! “As coisas que temos nos ajudam a viver. O que damos aos outros pode mudar nossa vida.” Ao longo dos dias, as necessidades vão surgindo. O que é básico sempre se dá um jeito. A sensibilidade permite uma atenção para com os outros. Impossível viver bem sabendo que o semelhante não tem o necessário. Estender a mão para dar e para receber é um movimento inspirador.
A profundidade da vida vai acontecendo entre trocas e laços que culminam em abraços! Ter algumas coisas é questão de dignidade. Todos deveriam ter o necessário. Enquanto esse sonho não se realiza, a solidariedade vai adequando ações e promoções. Ainda bem que muitas pessoas já fizeram a experiência de dar ou doar-se. As mudanças da vida acontecem pela caridade.
O excesso de apego nunca resultará em satisfação. O egoísmo carrega consigo a infelicidade. Em alguns momentos, talvez, não se tenha nada para dar. Mesmo assim, pode-se fazer muito: acolher, escutar, silenciar, ficar por perto, surpreender. Sair de si e ir ao encontro é um exercício básico, questão até de sobrevivência. A leveza dos dias está alicerçada na bondade. Pessoas do bem se encontram, exalam o odor da alegria e da realização. Impossível querer ser feliz sem participar desse movimento, que tem o amor ao próximo como a melhor melodia.
Pensar só em si é facilitar aquela tristeza que vai adoecendo a esperança e escurecendo o horizonte. Que bom saber que o que damos aos outros vai mudando nossa vida. É fantástico viver assim. Bênçãos! Paz e Bem! Santa Alegria! Abraços!
Sobre o autor

Frei Jaime BettegaFrei Jaime Bettega

 Frei Jaime tem formação em Filosofia, Teologia, Administração de Empresas, Pós Graduação em Gestão de Pessoas e Mestrado em Administração, com enfoque na Espiritualidade nas Organizações. Professor de Ética Organizacional do curso de Administração de Empresas da UCS.,  Coordenador da Legião Franciscana de Assistência aos Necessitados (Lefan) e é o fundador do Projeto Mão Amiga, que auxilia crianças carentes.
Apresentação do programa, na rádio São Francisco SAT (560 AM)e Articuladro do Jornal Correio Riograndense e colunista no Pioneiro.

16 de jun. de 2015

Cuidar de quem nos cuidou

Publicado por Frei João Carlos Romaninini | 17/05/2015 - 10:33 
Autor: Frei Jaime Bettega
 
Fonte:  http://capuchinhos.org.br/caprs/artigos/detalhes/espiritualidade/cuidar-de-quem-nos-cuidou
Ver os pais envelhecendo é maravilhoso. Perceber o legado que uma geração passa à outra é provar o doce sabor que a vida oferece.
Os espaços já estavam devidamente preparados. Havia uma certa expectativa. Ambientes vazios sempre aguardam por alguém. A Casa São Frei Pio, em Caxias do Sul, que há tempo cuida da saúde dos frades, passou a ter uma nova ala destinada a idosos em situação de vulnerabilidade. Ao
todo serão 20 leitos. A manhã daquela terça-feira, um dia que parecia igual aos demais, se transformou num fato que mereceu registro histórico: a chegada dos primeiros idosos.
Alguns acompanhados por familiares, outros não. No olhar, a esperança e no corpo, as marcas dos anos vividos. Um misto de alegria e de emoção tomou conta de todos.
O enorme convento ampliava sua finalidade: cuidar de quem certamente cuidou dos outros.
O número de idosos tem crescido, enquanto que o número de filhos por família assinala uma sensível diminuição. Chegar ao entardecer da vida é algo natural. É um direito poder envelhecer dignamente. Ser cuidado está implícito na existência pessoal e familiar. Nenhum idoso atrapalha o ritmo de vida dos mais jovens. Pelo contrário, é uma presença que fortalece laços e confirma a história. O surgimento de casas que abrigam pessoas de idade avançada se tornou quase uma necessidade. Porém, os laços de afeto não deveriam jamais ser interrompidos.
Cuidar de quem nos cuidou é uma nobre missão. Oportunidade ímpar de retribuir tudo o que foi recebido. Em alguns momentos, as dificuldades até se intensificam, mas o amor filial é capaz de suportar até o que parece ser impossível. Ver os pais envelhecendo é maravilhoso. Perceber o legado que uma geração passa à outra é provar o doce sabor que a vida oferece. A convivência entre avós e netos é simplesmente fantástica, pois imprime jovialidade àqueles que já somaram algumas décadas de vida. No entanto, há casos bem mais exigentes, onde a presença de cuidadores se faz necessária.
A cultura do cuidado precisa ser recuperada. Há uma facilidade em terceirizar as obrigações mais corriqueiras. Muitos não querem ter incomodação, nem limitação da liberdade. Aproveitar a vida é o emblema mais badalado. Um dia, porém, as limitações da velhice alcançarão os que hoje vivem a jovialidade. Quem não cuidou dos seus, é bem provável que também não seja cuidado. Todos os filhos deveriam se preparar para ser, um dia, pais de seus próprios pais.


Sobre o autor

Frei Jaime BettegaFrei Jaime Bettega

 Frei Jaime tem formação em Filosofia, Teologia, Administração de Empresas, Pós Graduação em Gestão de Pessoas e Mestrado em Administração, com enfoque na Espiritualidade nas Organizações. Professor de Ética Organizacional do curso de Administração de Empresas da UCS.,  Coordenador da Legião Franciscana de Assistência aos Necessitados (Lefan) e é o fundador do Projeto Mão Amiga, que auxilia crianças carentes.
Apresentação do programa, na rádio São Francisco SAT (560 AM)e Articuladro do Jornal Correio Riograndense e colunista no Pioneiro.

10 de jun. de 2015

Nós votamos, eles elegem

Só um imbecil pensa que empresas realmente 'doam' a candidaturas.
fonte: domtotal.com
Frei Betto
Haverá eleição presidencial nos EUA em 2016. Como no Brasil, lá também o povo vota, mas quem elege é o dinheiro. Os pré-candidatos estadunidenses já paparicam os grandes doadores de campanhas: Sheldon Adelson, dono de cassinos, nos últimos 12 anos doou US$ 120 milhões aos republicanos; George Soros, especulador, US$ 44 milhões aos democratas. Os irmãos David e Charles Koch, do ramo petroquímico, se dispõem a arrecadar US$ 900 milhões para os republicanos; e tantos outros bilionários se mobilizam. Na corrida ao Planalto, em 2014, nossos candidatos arrecadaram, juntos, R$ 586 milhões. A campanha de Dilma abocanhou R$ 318 milhões, mais da metade do total. Zerou todas as despesas e ainda sobraram R$ 169 mil. Aécio arrecadou R$ 201 milhões, e ficou dependurado na dívida de R$ 15 milhões. Até 1997, no Brasil era proibido empresas financiarem campanhas eleitorais. O PSDB quebrou a boa norma e fez aprovar a lei eleitoral nº 9.504, que permite financiar candidatos sem que o dinheiro passe pelos partidos. Só um imbecil pensa que se trata de "doação". É, de fato, investimento. Empresas e bancos "emprestam" grana à espera de retorno assegurado pelo desempenho político do eleito. Não há papel assinado, exceto quando a doação é ao partido. Se o candidato perde, o investidor contabiliza na folha de "perdas e danos". E nada impede de o candidato embolsar parte do recurso recebido. Se é eleito, sabe que deverá ser leal a seus "investidores", caso contrário será castigado nas próximas eleições e ficará a pão e água... Os maiores investidores procuram formar bancadas, como a do BBB (bola, bala e Bíblia), assim como há bancadas do agronegócio, da bebida alcoólica, dos frigoríficos etc. São 39 os países que, hoje, proíbem empresas de financiarem eleições, entre eles Portugal, França, Canadá, México, Colômbia e Peru. Além da grana "por fora" de empresas e bancos, no Brasil há ainda a grana do Fundo Partidário. Até abril deste ano era de R$ 290 milhões. Dilma, apesar do ajuste fiscal, triplicou-o. Agora é de R$ 868 milhões. Também ela investe na base aliada... Em época de eleições, você já escutou "Interrompemos a nossa programação para o programa eleitoral gratuito." Mentira. Não é gratuito. O valor do tempo cedido por rádios e TVs à campanha eleitoral é abatido no imposto de renda das emissoras. Em 2014, elas ganharam R$ 840 milhões de isenções fiscais. E o mais intrigante: a União é, constitucionalmente, a proprietária do sistema radiotelevisivo brasileiro. E, no entanto, paga para utilizá-lo em campanhas de interesse público. O STF decidiu por 6 a 1, em maio de 2014, proibir doação de empresas a campanhas eleitorais. Porém, o juiz Gilmar Mendes, contrário à decisão, apelou para o recurso de "pedido de vistas" e enfiou o processo debaixo do braço. E não há lei que o apresse. Na verdade, ele queria ganhar tempo para transferir a decisão para o Congresso. Acreditava que deputados e senadores, capitaneados por Eduardo Cunha, vetariam a proibição. Resta à sociedade civil pressionar para que os nossos políticos tenham vergonha na cara e decência no bolso. E, na próxima eleição, votar com mais consciência.

Frei Betto é escritor e religioso dominicano. Recebeu vários prêmios por sua atuação em prol dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Foi assessor especial da Presidência da República entre 2003 e 2004. É autor de "Batismo de Sangue", e "A Mosca Azul", entre outros.

Nós o Crucificamos!!!

                             Júlio Lázaro Torma
                            " Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!"
                                                                         ( Lc 23, 34)
   No último domingo ocorreu em São Paulo, a parada do orgulho gay. E no meio do protesto um ato que ofendeu algumas facções radicalizadas e fundamentalistas do cristianismo.
    Onde uma transexual fez a performance de Jesus crucificado e sob a cabeça estava  a inscrição de " Basta Homofobia GLBT", onde alguns se sentiram ofendidos pelo ato da transexual. Eu como cristão e católico praticante não me ofendi com a imagem da crucificação.
    Para mim ela além de ser um protesto foi um grito para nos chamar a dura realidade dos crucificados do nosso tempo e do nosso país que está cada vez mais retrogrado, conservador e fundamentalista.
     Jesus é crucificado diariamente em nosso país e assume muitos rostos, como tem dito os nossos bispos latino americanos, diversas vezes nas suas conferências em Puebla, Santo Domingo e Aparecida, de que Jesus tem diversos rostos, como sem terra, sem teto, desempregados, indígenas, negros, mulheres, imigrantes, refugiados, presidiários, menores abandonados e porque não dizer também os homossexuais.
    Pessoas estas que são estigmatizadas pela sociedade e por nós cristãos. Quantas vezes nós não os estigmatizamos e não demos o nosso testemunho de cristãos.
   Como nos fala Mohandas Karamchan Gandhi, " Eu seriá cristão, sem dúvida, se os cristãos o fossem vinte e quatro horas por dia". O que não acontece e nós não mostramos aos outros a verdadeira mensagem e imagem de Jesus que viveu e pregou o Amor.
   Jesus em sua vida terrena não andou no meio de pessoas de bem, mas foi para o meio dos marginalizados da sociedade de seu tempo como as prostitutas, pecadores, leprosos e os cobradores de impostos ( corruptos), aqueles que eram considerados " esse povinho maldito que não conhece a Lei" ( Jo 7, 49) pelos lideres religiosos de seu tempo. E que morreu como um amaldiçoado entre dois ladrões.
   O gesto da transexual condenado pelos religiosos como uma blasfêmia a fé cristã, por aqueles que sempre condenaram as encenações da paixão feita pelos católicos. Ali naquele gesto está o desespero de toda a comunidade GLST, que são diáriamente assassinados nas ruas e esquinas do nosso país. O Brasil é um dos países que mais assassinam e humilham homossexuais no mundo.
   É um grito para nós cristãos a nos chamar a dura realidade, onde pregamos o amor de um lado e ao mesmo tempo incentivamos o ódio e a marginalização dos outros, os chamando e considerando como doentes, e querendo a sua cura.
   Nos esquecemos que " Deus nos fez a sua imagem e semelhança", " para que neles se manifestem as obras de Deus" e " que todos nós somos filhos e filhas de Deus" (  Gn 1,27; Jo 9,3 ; I Jo 3, 1ss).
    Onde muitos desses irmãos e irmãs, foram expulsos das Igrejas, comunidades cristãs, rejeitados pelas famílias em nome da moral e dos bons costumes e sofrem toda a forma de violência e atrocidades.
    Devemos entender que quem sofre se sente como Jesus na cruz e se identifica com ele. O gesto da transexual na cruz deve ser visto como um apelo para nós cristãos de nos converter e ver no outro a imagem do crucificado.
    Que é crucificado diariamente nos irmãos sofredores por causa do nosso ódio.
    Vivemos num país de maioria cristã a onde não vivemos de fato e nem de direito o maior mandamento deixado por Ele, " Amem -se vos uns aos outros, assim como eu amei vocês" (  Jo 14, 12).
    Onde está o testemunho de amor de nós cristãos, diante da dor desses irmãos?, como podemos ser cristãos se em cada 24 horas um homossexual é morto no Brasil; uma em cada 3 mulheres já tenha sofrido algum tipo de abuso sexual?. E recebemos o triste prêmio de que 39% de assassinatos de transexuais acontece em nosso país, algo em que nós cristãos devemos nos envergonhar e pedir perdão por este pecado que branda aos céus.
   Em que o grito dos crucificados, desesperados  do socorro que não vem de nenhuma parte, cuja única esperança é o céu, como fez Jesus na cruz.
    A cruz é um simbolo da fé, da resistência, de sofrimento e da presença de Jesus Cristo no meio do povo. Mais que um símbolo, a cruz ajuda a construir uma mística de resistência aos sofrimentos inerentes á vida de quem sofre e uma comparação com as perseguições e a luta de Jesus com os poderosos de seu tempo para mostrar um caminho novo.
   Hoje os homossexuais são também a feição sofredora de Cristo, o Senhor, que nos questiona e nos interpela, querendo ser ouvido, escutado, amado e respeitado como são.
   Jesus no olhar e no rosto desfigurado dos homossexuais nos chama a dura realidade, " Em verdade eu vos declaro, todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes pequeninos foi a mim que fizestes" ( Mt 25, 45).
   Como podemos dizer que amamos a Deus que não vemos se nós desprezamos, ferimos e somos causa de queda para os irmãos, que vemos.
   Está mais do que na hora de nós cristãos deixarmos de ser hipócritas e pedir perdão pelas vezes que ferimos o outro por causa de sua orientação sexual e gênero, somos causadores de sofrimento e morte.
    O protesto de transexual crucificada não me ofende como cristão, mas me chama a conversão de ver o outro como um irmão e irmã, o outro eu que merece o meu respeito e amor. De que devemos acolher e respeitar o outro como ele é.
   E mostrar aos homossexuais que Deus os ama e os fez a sua imagem e semelhança e que não os excluí na sua família,pois Deus é Amor.
    Pois nós crucificamos Jesus hoje de novo no irmão que sofre todo o tipo de discriminação.

5 de jun. de 2015

Festa de Quinta- ferira.

 FESTA DE CORPUS CHRISTI
                                              Júlio Lázaro Torma
                                              " Elevo o cálice da minha salvação,
                                                invocando o nome santo do Senhor"
                                                                  ( Sl 115 ( 116), 13)
  Celebramos a Festa de Corpus Christi, onde lembramos solenemente o mistério da Eucaristia, o Corpo e o Sangue de Jesus Cristo.
   Em cada Missa e celebração, o celebrante nos recorda " Felizes os convidados para a ceia do Senhor", somos convidados a nos sentar na mesa Sagrada, sentar a mesa é nós ter afinidade com o dono da casa, que nos convida a sentarmos na sua mesa.
   Para os primeiros cristãos, a " Missa" e " Eucaristia", eles chamavam de " Ceia do Senhor" e também a " mesa do Senhor". Eles tinham ainda muito presente na memória que celebrar a Eucaristia não é senão atualizar a ceia que Jesus compartilhou com os seus discípulos na véspera de sua execução.
   Mas como nos falam os exegetas, aquela " última ceia", foi só a última de uma longa cadeia de refeições e ceias que Jesus costumava celebrar com todo o tipo de pessoas.
   Para o povo hebreu a mesa, a refeição é o local sagrado, onde se reúne a família para cear e agradecer o alimento que é o dom de Deus. A mesa principalmente no sábado era o local da refeição, da celebração, de rezar, ouvir palavra de Deus e de conversar longamente após a ceia.
   O hebreu não ceava com qualquer um, não se sentava com qualquer um. Não se come com estranhos ou desconhecidos. Muito menos com os pecadores e pessoas impuras.
    Como dividir o pão com pessoas que não conhecem a  Deus e vivem longe de sua palavra e seus mandamentos.
    Jesus em sua vida, vai contra a corrente, na contra mão, ele se senta na mesa, com os pecadores, com as prostitutas, cobradores de impostos, pessoas consideradas indigestas pela sociedade e pela religião oficial de seu tempo.
    Onde Jesus mostra o amor de Deus para com o seu povo. Pois para com ele não a distinção e que todos são chamados a sentar na mesa do amor e que a sua mesa é acessível a todos. E que a mensagem de Deus é para todos. E que todos cabem dentro do coração amoroso de Deus.
    Passados vinte séculos da Instituição da Eucaristia, a celebração da Eucaristia, virou algo piedoso e até celeto, onde são convidados a sentar a mesa, os " piedosos, os puros" e as vezes dizemos, ' quem esta preparado se aproximem do altar" e excluímos os outros, parecendo que estamos julgando quem pode chegar perto e fazer parte da vida de Jesus.
    Nos esquecemos as palavras de Jesus: " que quem precisa de médico são os doentes e não os são" ( Mt 9,12), como vamos julgar os outros e não deixamos que se aproximem da mesa sagrada?
     Todos nós somos convidados a " ceia do Senhor" e a " sentar a mesa". Mesa esta que não deve haver exclusão, e que todos principalmente os pecadores, humilhados, fracos e abatidos devem se aproximar da " grande ceia do amor", que continua acessível á todos como sempre.
    A  Eucaristia é para pessoas abatidas e humilhadas que anseiam por paz e alívio; para pecadores que buscam perdão e consolo, para pessoas que vivem o coração faminto de amor e amizade ( José Antonio Pagola).
    Jesus não vem ao altar para os justos, mas para os pecadores, não para os sãos mas para os doentes ( Mt 9, 12-13).
         Mc 14, 12-16,22-26

3 de jun. de 2015

Geração Cabeça Baixa

Publicado por Frei Elton Caires Santos 
GERAÇÃO “CABEÇA BAIXA”
É bom que se diga que a tecnologia não é coisa de hoje. Não foi Bill Gates que lha inventou. Conforme suas origens na Grécia Antiga, a tecnologia é o conhecimento científico (teoria) – teoria quer dizer ver com o espírito - transformado em técnica (habilidade). “A tecnologia envolve um conjunto organizado e sistematizado de diferentes conhecimentos científicos, empíricos e até intuitivos, voltados para um processo de aplicação na produção e na comercialização de bens e serviços” (GRISPUN, 1999, 49). Isso quer dizer que todas as gerações vivem a sua tecnologia. Antigamente, uma geração era definida a cada 25 anos. Nos tempos atuais, no entanto, não é preciso esperar muito e - afirma-se - que a cada 10 anos surge uma nova geração. Nesse sentido, a história registrou a Geração Baby Boomer (os nascidos após a Guerra de 1945), a Geração X (geração diretas já e o fim da ditadura), a Geração Y (a geração da tecnologia e da inovação a qualquer custo) e a Geração Z (os jovens nascidos na década de noventa do século passado, cujo perfil é imediatista, com características nano tecnológicas). Como uma espécie de subgrupo da geração Y e Z, surge a “Geração Cabeça Baixa”. Não entenda “cabeça baixa” como uma atitude de respeito ao interlocutor, atenção aos mais velhos ou uma obediência cega, muito pelo contrário. A Geração “Cabeça Baixa” é imposição, é aquela que não olha no olho porque não tira o olho do seu brinquedo eletrônico (iphone, ipad, tablet e todas as mídias digitais). Essa geração está estabelecendo uma relação interpessoal com as coisas e uma relação coisificada com as pessoas. Que paradoxo! Não se levanta a cabeça para falar com o outro porque o entretenimento privativo é a regra maior. Afinal de contas, hoje, no Brasil, por exemplo, tem mais celular habilitado do que gente registrada nos Cartórios de Pessoas Naturais. Foi-se observado – pasmem!- que as pessoas se reúnem em bares, eventos sociais e até casais em momentos de intimidade, mas não são capazes de conversar viva voz, de estabelecer uma comunicação direta, e sim mediante as ferramentas digitais oferecidas pelo mercado, muitas vezes em tom de exibicionismo, exclusividade e, por conseguinte, status. Hoje, já é possível observar uma roda de amigos e cada um – em silêncio – com o seu instrumento eletrônico mais moderno, última geração, teclando com aqueles que estão longe. E aqueles que estão próximos? A verdade é que não basta ser alfabetizado e conhecer os “ícones” para dominar a tecnologia, precisa-se, de fato, de uma educação tecnológica que deixe on line as pessoas de longe e, sobretudo, as pessoas de perto. Portanto, a “Geração Cabeça Baixa” está encurvada diante de si mesma ou, o que é pior, está adorando o digital em detrimento do analógico, o ser humano. Aqui, analógico quer dizer, a terapia do abraço, da atenção, do cafuné, do bom dia, do “verdadeiro mundo real”, da pessoa humana em “tempo real”. Por isso, é preciso viver de cabeça erguida, com os olhos fixos na verdadeira vida, que está n’ Ele, o Ressuscitado, vivo e glorioso. Com isso, faz-se eco a um bordão de um famoso radialista chamado Newton Moura Costa, que hoje surge como um apelo: “Levante a cabeça. Não esmoreça. Pra frente é que se anda!”
Sobre o autor

Frei José Jorge Rocha

Professor na Universidade Católica do Salvador, Formador do Pós-Noviciado I e II, Guardião da Fraternidade Frei Urbano em Salvador-BA.

1 de jun. de 2015

Qual utopia? O que fazer?

Por: Frei Betto
fonte: http://www.cnlb.org.br/portal/qual-utopia-o-que-fazer/

Essas duas interrogações movimentam os grupos de oração que assessoro. Diante da depressão cívica que assola o Brasil, há que recorrer à lâmpada de Diógenes e buscar luz no fim do túnel.

Utopia significa quimera, o que não se pode alcançar. Eduardo Galeano a comparou ao horizonte: quanto mais se caminha rumo a ele, mais ele se afasta. No entanto, ele norteia os nossos passos. O termo foi cunhado por Thomas Morus, santo católico, no livro de mesmo título publicado na Inglaterra, em 1516.

“Que fazer?” é o titulo do livro de Lênin, editado em 1902 para motivar os comunistas russos à revolução vitoriosa em 1917.
As duas indagações nos interpelam hoje. Responder à primeira não é difícil: queremos outros mundos possíveis, onde não haja injustiça e no qual sejam partilhados os frutos da Terra e do trabalho humano. Só à poderosa minoria que desfruta da desigualdade social não interessa o colapso do capitalismo neoliberal.
Os cristãos, em decorrência de sua fé, têm a obrigação moral de não se conformar com esse mundo. Devemos centrar a esperança no Reino de Deus que, para Jesus, não era apenas uma instância pós-morte, mas um projeto a se realizar no futuro histórico.
Por isso, Jesus foi condenado como prisioneiro político. Pregou, sob o reino de César, outro reino…
Porém, “que fazer?” É mais fácil listar o que “não fazer”: compactuar com a opressão e a corrupção; aceitar discriminações; sobrepor a competitividade à solidariedade; ferir a ética e contrariar os direitos humanos etc.
Quanto ao fazer, cabe a cada um, dentro de seu contexto e segundo suas possibilidades, dar respostas efetivas. Considero tarefa imediata organizar a esperança. Reforçar movimentos sociais que defendem os direitos dos mais pobres, animar jovens a abraçar a utopia, fomentar educação popular na formação de novos protagonistas sociais.
É preciso resistir à tentação de descartar o partido político como mediador entre sociedade civil e Estado. Para equacionar problemas de convivência social, o ser humano ainda não inventou outro recurso melhor do que a política. Quem tem nojo da política é governado por quem não tem. E tudo que os políticos safados esperam é que tenhamos bastante nojo da política.
Para mediar a relação sociedade civil e Estado também não se criou outra instância melhor fora dos partidos. São eles que sistematizam nossos anseios de cidadania em programas e projetos a serem administrados e realizados pelo Estado.
Se um partido desce ladeira abaixo após perder a identidade que o diferenciava, para melhor, dos demais partidos, não haverá quem acione a luta interna para que o partido retorne a seus princípios originários?
Os novos partidos serão capazes de evitar os erros cometidos pelos que trocaram o projeto de Brasil pela ambição de poder?
Repito: é hora de deixar o pessimismo para dias melhores. O mistério pascal ensina que a vida sempre prevalece sobre a morte, ainda que as aparências indiquem o contrário.

 Frei Betto
é escritor e religioso dominicano. Recebeu vários prêmios por sua atuação em prol dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Foi assessor especial da Presidência da República entre 2003 e 2004. É autor de “Batismo de Sangue”, e “A Mosca Azul”, entre outros.

20 de mai. de 2015

Romero, o Bispo que morreu pelos pobres

Artigo de Gustavo Gutiérrez 
Fonte:  http://www.ihu.unisinos.br
Dentro de alguns dias, no dia 23 de maio, Dom Romero será beatificado. A um mês do assassinato, ocorrido em março de 1980, o maior expoente da teologia da libertação, Gustavo Gutiérrez, com lucidez, indicava a exemplaridade da vida e da morte do bispo de El Salvador. Foram necessários 35 anos para que a Igreja oficial chegasse a conclusões semelhantes.
Era assim que o vaticanista italiano Giancarlo Zizola apresentava o artigo abaixo na editoria "Religião e mundo moderno", por ele editada no jornal Il Giorno, publicado em 26-04-1980: "Gustavo Gutiérrez, da Faculdade de Teologia da Universidade Católica de Lima, um dos maiores expoentes da 'teologia da libertação' da América Latina, aprofunda neste artigo o significado da vida e do martírio de Dom Romero, do qual era amigo, oferecendo amplas informações inéditas".
A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
O assassinato de Dom Óscar Arnulfo Romero, arcebispo de San Salvador, é, sem dúvida, uma data na vida da Igreja latino-americana.
Por isso, convém aprofundar o sentido da sua vida e da sua morte, esclarecendo ao mesmo tempo algumas imprecisões produzidas pela pressa da informação.
Dom Romero foi arcebispo de San Salvador por três anos. Um mês depois de ter assumido esse cargo, em março de 1977, era assassinado o padre Rutilio Grande, sacerdote jesuíta e grande amigo de Dom Romero. Atiraram nas costas dele e de dois agricultores, enquanto ia celebrar a missa.
Durante a celebração do funeral do padre Rutilio, Dom Romero mostrou o significado da sua morte, expressão de uma vida dedicada aos irmãos, no amor ensinado por Cristo, afirmando: "Esperamos a voz de uma justiça imparcial, porque, na motivação do amor, a justiça não pode ficar ausente, não pode haver verdadeira paz e verdadeiro amor com base na injustiça, na violência, na intriga". Dom Romero repetiria muitas vezes essa mesma ideia: a paz, a verdadeira paz só pode ser construída sobre a justiça social.
Quatro outros sacerdotes seriam assassinados em El Salvador depois da morte do padre Rutilio. Inúmeros foram os assassinatos cometidos pelas forças repressivas de El Salvador, entre agricultores, operários, pessoas dos vilarejos; o Socorro Jurídico do arcebispado publicava boletins periodicamente, dando números e denunciando a contínua violação dos direitos humanos.
Em Roma, onde recebeu palavras de apoio do Papa João Paulo II – que lhe disse: "Conheço a grave situação do seu país e sei que o seu apostolado é muito difícil" –, Dom Romero afirmava com grande lucidez no dia 30 de janeiro: "O maior perigo diante de tanta violência é que fiquemos insensíveis. Eu tento pensar diante de Deus que um só morto representa uma grave ofensa e que, todas as vezes que um homem ou uma mulher morre, é como matar novamente Jesus Cristo".
Dom Romero tinha uma consciência clara de que devia reconhecer os estigmas sofredores de Cristo nos rostos dos pobres do seu povo. A sua opção por eles é o ângulo concreto e histórico que nos permite compreender o seu compromisso e a sua mensagem, o seu apelo à paz baseada na justiça, a sua leitura do Evangelho.
Dom Romero pregava todos os domingos, e as suas amplas homilias (de uma a duas horas de duração) eram ouvidas com atenção em todo o país e também muito além. Cada homilia tinha três partes: um comentário sobre os textos da missa do dia, uma reflexão cristã que colocava esses textos no rastro de um tema determinado e, por fim, aplicações pastorais, leitura de cartas, análise da situação vivida pelo povo, denúncia das violações dos direitos dos mais pobres.
No dia 17 de fevereiro daquele ano, ele enviou uma carta ao presidente Carter, denunciando a situação existente em El Salvador e o apoio dos Estados Unidos, exigindo que o governo estadunidense, chamado a fazer essas intervenções, se abstivesse de intervir.
Dom Romero muitas vezes recebeu ameaças de morte. O assassinato dos sacerdotes salvadorenhos já era um aviso. No dia 24 de fevereiro, um mês antes da sua própria morte e depois de ter defendido com parcialidade evangélica os direitos dos pobres, ele dizia: "Espero que esse apelo da Igreja não endureça ainda mais o coração dos oligarcas, mas que, ao contrário, mova-os à conversão. Compartilhamos o que eles são e o que eles têm. Não nos calem, mediante a violência, a nós que tornamos presente essa exigência, não continuem a matar aqueles que estão tentando conseguir uma distribuição mais justa do poder e da riqueza de nosso país".
A essa clara denúncia, que não escondia aqueles aos quais se dirigia, ele acrescentava com serenidade e força: "Falo em primeira pessoa, porque esta semana recebi um aviso de que estou na lista daqueles que serão eliminados na próxima semana. Mas estou tranquilamente convicto de que nunca se poderá matar a voz da justiça".
A voz da justiça, não, porque ela continua ressoando em El Salvador. Mas ele, pessoalmente, sim, depois de quatro semanas de ter pronunciado essas palavras. Pode-se dizer, por isso, que Dom Romero arriscava a sua vida todos os domingos; e estava plenamente consciente disso.
Quando lhe disseram que ele tinha que se proteger, ele respondia que não queria ter a proteção que o seu povo não tinha. Ainda no sermão do dia 1º de novembro, ele tinha afirmado com toda a clareza e plena humildade: "Peço as orações de vocês para ser fiel à promessa de não abandonar o meu povo, mas de correr com ele todos os riscos que o meu ministério exige".
Com efeito, para Dom Romero, isso era cumprir o seu serviço como bispo. O exercício do seu ministério assumido com coragem e santidade provocou a bala assassina – uma única – no momento em que começava o ofertório da sua última e incompleta eucaristia, na segunda-feira, 24 de março.
Ele morreu para dar testemunho do Deus vivo na solidariedade com a vida e com os esforços de organização e de libertação dos pobres e dos oprimidos. Dom Romero não ignorava que havia alguns que não compreendiam as exigências do Deus da Bíblia.
No dia 9 de março, ele dizia: "Esta revelação do Deus vivo, caros irmãos, tem muita atualidade hoje, enquanto estamos tentando apresentar uma religião que muitos criticam como se se afastasse da sua espiritualidade".
O bispo mártir, homem de oração, não entendia isso dessa forma. Ao contrário, ele considerava que a fé no Deus de Jesus implica o compromisso com o pobre e com tudo o que exigem os seus direitos mais elementares. É por isso que, na sua rejeição humana e cristã da violência, nem tudo era posto no mesmo plano para ele.
Em inúmeras ocasiões, ele afirmou que a principal razão para aquilo que acontecia em El Salvador estava na secular situação de miséria e de desespero das grandes maiorias, resultado de um sistema opressivo feito em benefício de poucos.
Trata-se da violência e da injustiça institucionalizadas das quais falam Medellín e Puebla. A partir daí, não é possível aceitar tudo, e Dom Romero não o fez, mas importa levar isso em consideração para compreender a exigência e a encarnação do amor e da paz que ele pregava.
A essa situação de violência, soma-se uma repressão cruel. Plenamente consciente de onde vinha a violência, no dia 23 de março, Dom Romero lançou um grito angustiado e exigente: "Em nome de Deus e desse povo sofredor, cujos lamentos sobem ao céu todos os dias, peço-lhes, suplico-lhes, ordeno-lhes: cessem a repressão".
No dia seguinte, à noite, o seu sangue selou a aliança que ele tinha feito com o seu Deus, com o seu povo e com a sua Igreja.
No domingo, 30 de março, ocorreu o funeral do bispo mártir. O povo pobre de El Salvador, vencendo dificuldades e fadigas, veio de todo o país para assistir ao enterro do "monsenhor". Muitas pessoas vieram de fora, entre elas mais de 20 bispos de diferentes lugares do mundo.
O cardeal Corripio, do México, esteve presente em representação do papa; o enviado do Celam (o Conselho Episcopal Latino-Americano) teve um contratempo e não pôde estar presente na celebração. A tensão do momento fez com que só um bispo de El Salvador estivesse presente. Fato sem dúvida doloroso, mas que mostra a difícil e conflituosa situação que se vivia lá.
A poucos minutos do início da homilia do cardeal Corripio, explodiu uma bomba, e tiros foram disparados. Foi um pânico para as 150.000 a 200.000 pessoas presentes, famílias inteiras, inúmeras crianças. A soma dos mortos dessa incrível provocação foi de 30 a 40 pessoas, muitas delas por asfixia.
Na noite daquele domingo, os bispos presentes e outras pessoas se reuniram para pôr em comum o que tinham visto e tudo o que se sabia sobre o episódio durante o funeral. O resultado dessa análise detalhada foi escrito e assinado pelos participantes. Assim, recusou-se a versão dos fatos dada pelo governo salvadorenho e indicou-se o Palácio Nacional como o lugar de onde havia sido lançada a bomba e tinha se disparado sobre a multidão.
Dom Romero, então, só pôde ser enterrado nas circunstâncias em que o povo salvadorenho vive cotidianamente: no meio das balas, do medo que se busca incutir, mas também da reafirmação da vontade de libertação e de crescimento da esperança.
Dom Romero é um mártir da opção feita pela Igreja em Medellín e Puebla. A partir da sua morte, o significado dessa opção apareceria mais claramente. Um mártir que dá testemunho do Deus vivo em meio à morte que os opressores semeiam. Mártir do nosso tempo, cristão incômodo e forte, de vida clara, humilde e serena. A sua morte, infelizmente, não é um fato isolado e nos permitirá compreender muitas outras testemunhas espalhadas neste continente de dor e de opressão, mas também de libertação e de esperança, que é a América Latina.
Sobre o sangue dos mártires, constrói-se a Igreja como comunidade que anuncia na Ressurreição a vitória final. da vida sobre a morte. Sobre o sangue dos mártires, está sendo construída no nosso subcontinente uma Igreja em meio a um povo que luta pela sua libertação.
Dom Romero descrevia assim o seu trabalho, em uma homilia: "O meu trabalho consistiu em manter a esperança do meu povo. Se há um pouco de esperança, o meu dever é alimentá-la".
A sua vida e o seu martírio alimentam e aumentam as esperanças do povo pobre, explorado e cristão da América Latina, dão vida nova e impõem novas exigências para a Igreja ali presente.