Júlio Lázaro Torma
" Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que fazem!"
( Lc 23, 34)
No último domingo ocorreu em São Paulo, a parada do orgulho gay. E no
meio do protesto um ato que ofendeu algumas facções radicalizadas e
fundamentalistas do cristianismo.
Onde uma transexual fez a performance de Jesus crucificado e sob a cabeça estava a inscrição de " Basta Homofobia GLBT",
onde alguns se sentiram ofendidos pelo ato da transexual. Eu como
cristão e católico praticante não me ofendi com a imagem da
crucificação.
Para mim ela além de ser um protesto foi um grito para nos chamar a
dura realidade dos crucificados do nosso tempo e do nosso país que está
cada vez mais retrogrado, conservador e fundamentalista.
Jesus é crucificado diariamente em nosso país e assume muitos
rostos, como tem dito os nossos bispos latino americanos, diversas vezes
nas suas conferências em Puebla, Santo Domingo e Aparecida, de que
Jesus tem diversos rostos, como sem terra, sem teto, desempregados,
indígenas, negros, mulheres, imigrantes, refugiados, presidiários,
menores abandonados e porque não dizer também os homossexuais.
Pessoas estas que são estigmatizadas pela sociedade e por nós
cristãos. Quantas vezes nós não os estigmatizamos e não demos o nosso
testemunho de cristãos.
Como nos fala Mohandas Karamchan Gandhi, " Eu seriá cristão, sem
dúvida, se os cristãos o fossem vinte e quatro horas por dia". O que não
acontece e nós não mostramos aos outros a verdadeira mensagem e imagem
de Jesus que viveu e pregou o Amor.
Jesus em sua vida terrena não andou no meio de pessoas de bem, mas foi
para o meio dos marginalizados da sociedade de seu tempo como as
prostitutas, pecadores, leprosos e os cobradores de impostos (
corruptos), aqueles que eram considerados " esse povinho maldito que não
conhece a Lei" ( Jo 7, 49) pelos lideres religiosos de seu tempo. E que
morreu como um amaldiçoado entre dois ladrões.
O gesto da transexual condenado pelos religiosos como uma blasfêmia a
fé cristã, por aqueles que sempre condenaram as encenações da paixão
feita pelos católicos. Ali naquele gesto está o desespero de toda a
comunidade GLST, que são diáriamente assassinados nas ruas e esquinas do
nosso país. O Brasil é um dos países que mais assassinam e humilham
homossexuais no mundo.
É um grito para nós cristãos a nos chamar a dura realidade, onde
pregamos o amor de um lado e ao mesmo tempo incentivamos o ódio e a
marginalização dos outros, os chamando e considerando como doentes, e
querendo a sua cura.
Nos esquecemos que " Deus nos fez a sua imagem e semelhança", " para
que neles se manifestem as obras de Deus" e " que todos nós somos filhos
e filhas de Deus" ( Gn 1,27; Jo 9,3 ; I Jo 3, 1ss).
Onde muitos desses irmãos e irmãs, foram expulsos das Igrejas,
comunidades cristãs, rejeitados pelas famílias em nome da moral e dos
bons costumes e sofrem toda a forma de violência e atrocidades.
Devemos entender que quem sofre se sente como Jesus na cruz e se
identifica com ele. O gesto da transexual na cruz deve ser visto como um
apelo para nós cristãos de nos converter e ver no outro a imagem do
crucificado.
Que é crucificado diariamente nos irmãos sofredores por causa do nosso ódio.
Vivemos num país de maioria cristã a onde não vivemos de fato e nem de direito o maior mandamento deixado por Ele, " Amem -se vos uns aos outros, assim como eu amei vocês" ( Jo 14, 12).
Onde está o testemunho de amor de nós cristãos, diante da dor desses
irmãos?, como podemos ser cristãos se em cada 24 horas um homossexual é
morto no Brasil; uma em cada 3 mulheres já tenha sofrido algum tipo de
abuso sexual?. E recebemos o triste prêmio de que 39% de assassinatos de
transexuais acontece em nosso país, algo em que nós cristãos devemos
nos envergonhar e pedir perdão por este pecado que branda aos céus.
Em que o grito dos crucificados, desesperados do socorro que não vem
de nenhuma parte, cuja única esperança é o céu, como fez Jesus na cruz.
A cruz é um simbolo da fé, da resistência, de sofrimento e da
presença de Jesus Cristo no meio do povo. Mais que um símbolo, a cruz
ajuda a construir uma mística de resistência aos sofrimentos inerentes á
vida de quem sofre e uma comparação com as perseguições e a luta de
Jesus com os poderosos de seu tempo para mostrar um caminho novo.
Hoje os homossexuais são também a feição sofredora de Cristo, o
Senhor, que nos questiona e nos interpela, querendo ser ouvido,
escutado, amado e respeitado como são.
Jesus no olhar e no rosto desfigurado dos homossexuais nos chama a
dura realidade, " Em verdade eu vos declaro, todas as vezes que
deixastes de fazer isso a um destes pequeninos foi a mim que fizestes" (
Mt 25, 45).
Como podemos dizer que amamos a Deus que não vemos se nós desprezamos,
ferimos e somos causa de queda para os irmãos, que vemos.
Está mais do que na hora de nós cristãos deixarmos de ser hipócritas e
pedir perdão pelas vezes que ferimos o outro por causa de sua
orientação sexual e gênero, somos causadores de sofrimento e morte.
O protesto de transexual crucificada não me ofende como cristão, mas
me chama a conversão de ver o outro como um irmão e irmã, o outro eu que
merece o meu respeito e amor. De que devemos acolher e respeitar o
outro como ele é.
E mostrar aos homossexuais que Deus os ama e os fez a sua imagem e
semelhança e que não os excluí na sua família,pois Deus é Amor.
Pois nós crucificamos Jesus hoje de novo no irmão que sofre todo o tipo de discriminação.
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