Assessor do Conselho Indigenista Missionário (CIMI) Mato Grosso do Sul
Três dias e noites de reza e ritual. Estão preparados, prontos, protegidos para retornar ao tekohá Mbaraka’y-Pyelito Kue. Madrugada agradável. Sob o olhar atento da lua se põem a caminho. A terra sagrada onde nasceram os mais velhos das duas famílias extensas, onde estão enterrados seus antepassados, é ali o lugar de viver seu teko – jeito de viver Kaiowá Guarani. Na lembrança uma história marcada por sofrimento, mortes, expulsões. No coração a inquebrantável vontade de viver novamente felizes e em paz em seu tekohá. À frente a certeza de que desta vez prevalecerá a justiça, a lei maior, que lhes garante suas terras tradicionais.
Tantas lágrimas derramadas, tanto sofrimento, mortos e desaparecidos como Arcelino Oliveira Teixeira que tinha apenas 18 anos.Dia 8 de agosto certamente ficará como mais uma data importante da luta dos Kaiowá Guarani por suas terras. Na madrugada deste dia ligaram para seu amigo Ava Vera Arandu dizendo-lhe por telefone "voltamos aqui para não mais sair vivos, se os pistoleiros atacar nós vamos morrer..., pedindo: "por favor comunique a todos", por essa razão lhe envio esta mensagem”
História de luta, sofrimento e esperança
Ava Vera Arandu relata a trajetória de luta dos membros desse tekohá "é importante relembrar que em julho 2003 um grupo tentou retornar, dois dias depois os pistoleiros das fazendas invadiram o acampamento do indígena e expulsaram com extrema violência, torturaram e fraturaram as pernas e os braços das mulheres, crianças e idosos. Da mesma maneira, em 8 de dezembro de 2009 o grupo Kaiowá retornou novamente, dois dias depois sofreram as mesmas violências, foram todos amarrados, fraturaram os braços jogaram em cima dascaminhonetes e jogaram na margem da rodovias BR”.
Desta vez acreditam que seja respeitado o direito da comunidade, pois o mundo inteiro está sabendo dessa decisão e ação. Trata-se dos mais elementares direitos humanos desse povo. E como no recente relatório da Anistia Internacional aponta a lamentável situação de violência contra os Kaiowá-Guarani e a inaceitável demora no reconhecimento dos territórios desse povo no Mato Grosso do Sul.
As famílias extensas de Mbaraka’i e Pyelito Kue esperam que a Funai agilize o processo de identificação e demarcação das terras e contam com a solidariedade dos amigos que lutam pela justiça, no Brasil e no mundo.
Vidas abreviadas
Ninguém sabe como aconteceu o atropelamento, qual o carro que o atingiu. Apenas mais um corpo estirado ao chão, envolto na noite escura do mistério e da impunidade.
Juliano cursava o segundo ano do ensino médio em sua aldeia. Nos últimos tempos destacou-se por seu interesse em recuperar ambientalmente a terra devastada, com o plantio de árvores nativas e frutíferas. Foi um dos entusiastas participantes das iniciativas do projeto Yvy Akandiré, coordenado pelo Cimi com apoio de instituições da ONU e embaixadas. Há menos de um mês Juliano participou de uma viagem de intercambio com uma experiência de agroecologia numa terra indígena Paí Taviterã (denominados Kaiowá no lado brasileiro), no município de Capitão Bado. Naquela ocasião ele demonstrou seu entusiasmo em poder contribuir para um futuro melhor para seu povo. Sua vida e esperança foram abreviadas. Mais um nome na lamentável lista de vítimas da violência, dos assassinatos, dos atropelamentos, dos suicídios e homicídios em que se encontram as comunidades Kaiowá Guarani no Mato Grosso do sul.
Hoje também estará sendo julgado a ação de agravo de Kurusu Ambá. Lideranças da comunidade estarão acompanhando o julgamento na 3ª. Região, da Justiça Federal, em São Paulo. Os Kaiowá-Guarani esperam que a decisão seja similar à tomada com relação ao Ypoi, ou seja, que a comunidade permaneça onde está até que a Funai conclua os trabalhos de identificação da terra.
Povo Guarani Grande Povo
Dourados, 9 de agosto de 2011
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