O cristianismo teve sua
origem em áreas urbanas. Via a natureza à distância, como algo estranho e
adverso. A palavra pagão, que englobava todos os não cristãos, significa
etimologicamente habitante do campo.
01/04/2013
Frei Betto
Há estreito vínculo entre religião e ecologia. Os
calendários litúrgicos refletem os ciclos da natureza. Toda religião expressa o
contexto ambiental que lhe deu origem.
Os hebreus e, em geral, os povos semitas, viviam em
regiões inóspitas, desérticas, o que os levou a desenvolver o senso do sagrado
centrado na transcendência. Onde a natureza é exuberante, como nos trópicos, se
acentuou a imanência do sagrado. Todo o entorno geográfico e climático influi
na relação religiosa que se tem com a natureza.
O cristianismo teve sua origem em áreas urbanas. Via a
natureza à distância, como algo estranho e adverso. A palavra pagão, que
englobava todos os não cristãos, significa etimologicamente habitante do campo.
Todas as tradições religiosas indígenas mantêm estreito
vínculo com a natureza. São teocósmicas, o divino se manifesta no cosmo e em
seus componentes, como a montanha (Pachamama). Hinduísmo e taoísmo cultuam a
natureza. Já o confucionismo e o budismo são tradições mais antropocêntricas,
voltadas à consciência e às virtudes humanas.
O islamismo mantém uma relação singular com a natureza. É
uma religião semítica, cultua a transcendência de Alá, mas conserva, como o
judaísmo, estreito vínculo com o entorno ambiental, o que se reflete na
distinção entre alimentos puros e impuros, jejum, cuidado com a higiene pessoal
etc.
As religiões aborígenes (ab-origem = que estão na origem
de todas as outras) não separam o humano da natureza. Há um forte sentido de
equilíbrio e reciprocidade entre o ser humano e a Terra. O que dela se tira a
ela deve ser devolvido.
Entre as grandes tradições religiosas é o hinduísmo que
melhor cultiva essa harmonia. Toda a Índia respira veneração sagrada por rios,
animais, árvores e montanhas. A veneração pelas vacas reflete esse senso de
equilíbrio, pois se trata de um animal do qual se obtém muitos produtos, do
leite e seus derivados ao esterco como fertilizante, e isso é mais importante
do que comê-las.
Três grandes desafios, segundo o místico catalão Javier
Melloni, estão inter-relacionados: a interioridade, a solidariedade e a
sobriedade. A interioridade nos impele à via mística; a solidariedade à ética;
e a sobriedade à preservação ambiental.
Nossa civilização estará condenada à barbárie se as
pessoas perderem a capacidade de interiorização, de fazer silêncio, de meditar,
de modo a saber escutar as necessidades do próximo (solidariedade) e o grito
agônico da Terra (sobriedade).
Urge submeter a ecologia à ecosofia, a sabedoria da Terra,
na expressão de Raimon Panikkar. Não se trata de impor a razão humana sobre a
natureza (eco-logos), mas sim de dar ouvidos à sabedoria da Terra, captar o que
ela tem a nos dizer com seus ciclos, suas mudanças climáticas e até com suas
catástrofes.
Embora haja avanços em nosso comportamento, graças ao
crescimento da consciência ecológica (reciclagem, uso da água, produtos
ecologicamente corretos etc.), ainda estamos atrelados a um modelo
civilizatório altamente nocivo à saúde de Gaia e dos seres humanos.
Continuamos a consumir combustíveis escassos e poluentes
e, na contramão de todo o movimento ecológico, submergimos à onda consumista
que produz, a cada dia, perdas significativas da biodiversidade e toneladas de
lixo derivado de nosso luxo.
Três grandes mentiras precisam ser eliminadas de nossa
cultura para que o futuro seja ecologicamente viável e economicamente
sustentável: 1) Os recursos da Terra não são suficientes para todos; 2) Devo
assegurar os meus recursos, ainda que outros careçam deles; 3) O sistema
econômico que predomina no mundo, centrado na lógica do mercado, e o atual modelo
civilizatório, de acumulação de bens, são imutáveis.
Nosso planeta produz hoje alimentos suficientes para 12
bilhões de pessoas, e é habitado por 7 bilhões. Portanto, não há excesso de
bocas, há falta de justiça.
Não haverá futuro digno para a humanidade sem uma economia
de partilha e uma ética da solidariedade.
Durante milênios povos indígenas e tribos desenvolveram
formas de convivência baseada na sustentabilidade, na harmonia com a natureza e
com os semelhantes. Como considerar ideal um modelo civilizatório que, dos 7
bilhões de habitantes do planeta, condena 4 bilhões a viverem na pobreza ou em
função de suas necessidades animais, como se alimentar, abrigar-se das
intempéries e educar as crias?
Nenhum comentário:
Postar um comentário