Produção
de petróleo e gás no Pré-Sal preocupa ambientalistas. Na foto,
trabalhadores preparam navio plataforma P-74. Foto: Agência Petrobrás
Rio de Janeiro – A divulgação de números que indicam
o recrudescimento do desmatamento na Amazônia após quatro anos
consecutivos de queda e a expectativa gerada pelo inevitável aumento das
emissões de gases de efeito estufa com o início da produção de petróleo
e gás no Pré-Sal já a partir do ano que vem puseram o Brasil no centro
das atenções da décima nona edição da Conferência das Partes da
Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-19),
encerrada sábado (23) em Varsóvia, na Polônia. A conferência foi marcada
pelo debate sobre a influência da exploração, produção e queima de
combustíveis fósseis no agravamento do aquecimento global e logrou
tímidos avanços nas negociações que, segundo o cronograma estabelecido
pela ONU na Plataforma de Durban, devem desembocar em um acordo global e
com metas obrigatórias de redução das emissões para todos os países a
ser concluído em 2015 e adotado a partir de 2020.
Em uma discussão ainda bloqueada pelas divergências entre países
ricos e países em desenvolvimento, o Brasil é protagonista das
negociações climáticas há quatro anos, desde que, durante a COP-15
realizada em Copenhague, na Dinamarca, se comprometeu a reduzir
voluntariamente até 2020 seus índices de emissão entre 36,1% e 38,9% em
relação a 2005. Em junho, o governo brasileiro anunciou já ter atingido
62% da meta assumida, o que aumentou seu prestígio frente aos
interlocutores na ONU. Mas, a confirmação, às vésperas da COP-19, do
aumento de 28% no desmatamento da Amazônia no período entre agosto de
2012 e julho de 2013 e as expectativas negativas, do ponto de vista do
aumento das emissões, em relação à produção no Pré-Sal colocaram o
governo brasileiro na berlinda durante a conferência realizada na
capital polonesa.
Ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira anuncia que desmatamento voltou a subir no Brasil. Foto: Divulgação/MMA
Com a discussão sobre combustíveis fósseis na ordem do dia em
Varsóvia, as descobertas no pré-sal e o papel da Petrobras como empresa
emissora de gases-estufa em um futuro próximo foram objeto de alguns
debates, mas o governo brasileiro tratou de neutralizar as críticas ao
posicionar a questão energética como fundamental para o desenvolvimento
econômico do país. Durante um evento paralelo à COP-19, o Conselho
Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS)
divulgou um relatório que aponta a exploração de combustíveis fósseis
como responsável por um aumento de 3,5% na média anual de emissões de
CO2 decorrentes da matriz energética brasileira. A queima de óleo e
carvão para produzir energia nas usinas termelétricas é a grande vilã
das emissões brasileiras no setor e, segundo o relatório Estimativas
Anuais de Emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil, elaborado pelo
Ministério da Ciência e Tecnologia, já atingiu o patamar de 400 milhões
de gigatoneladas.
Em relação à perda de florestas, o governo brasileiro lembrou na
COP-15 que os 5.843 quilômetros quadrados desmatados no último período
analisado, embora representem uma área devastada maior do que a
registrada no período imediatamente anterior (4.571 km²), significam o
segundo menor nível de desmatamento desde 1988. O pico do desmatamento
da Amazônia aconteceu em 2004, quando foram derrubados 27.772 km² de
floresta, mas, desde 2009, a área desmatada a cada ano é inferior a 8
mil km².
Veja a evolução do desmatamento no gráfico abaixo (atualize a página se não conseguir visualizá-lo):
A posição brasileira foi defendida pela delegação governamental
comandada pelos ministros Luiz Alberto Figueiredo (Relações Exteriores) e
Izabella Teixeira (Meio Ambiente), e o governo contou ainda com a ajuda
de um estudo da revista “Science”, amplamente divulgado em Varsóvia,
que elogia o país “pela significativa redução do índice de desmatamento
na Amazônia na última década”.
Resultados
Para evitar o colapso total das negociações em torno da
Plataforma de Durban, foi aprovado no último dia da COP-19 um “Plano de
Ação” que estabelece um cronograma de negociações até 2015. Para que o
texto final do plano fosse aprovado por consenso como determinam as
regras da conferência, no entanto, dele foi retirada qualquer menção a
metas obrigatórias de redução das emissões de gases-estufa, o que, na
prática, torna o documento apenas mais um exercício retórico produzido
no âmbito das negociações climáticas da ONU. Na mudança mais
emblemática, o termo “compromisso” foi substituído pelo termo
“contribuição” a cada vez que aparecia no texto. Assim, embora em
Varsóvia, como nas COPs anteriores, nenhum país tenha assumido qualquer
meta obrigatória, as negociações para 2015 permanecem vivas, ainda que
respirando por aparelhos.
O principal efeito paralisante nas negociações multilaterais resta
sendo o debate em torno do conceito de “responsabilidades comuns, porém
diferenciadas”, estabelecido na Convenção sobre Mudanças Climáticas da
ONU. Segundo este conceito, os países mais industrializados, grandes
responsáveis históricos pelas emissões de gases-estufa, devem responder
com um maior esforço no combate ao aquecimento global, enquanto os
países mais pobres e em desenvolvimento teriam uma maior liberdade para
continuar emitindo e poderem se desenvolver. Esta tese perdeu força
desde que a China ultrapassou os Estados Unidos como maior emissor
mundial de gases-estufa, e mais uma vez foram os governos dos dois
países os protagonistas da queda de braço que ainda ameaça os objetivos
traçados para 2015.
Participantes da COP-19 reunidos na Polônia. Foto: Divulgação COP-19
Alinhado aos países em desenvolvimento agrupados no G-77, o Brasil
apresentou em Varsóvia uma proposta com o intuito de pôr fim ao jogo de
empurra entre ricos e pobres no que diz respeito a suas
responsabilidades pelo aquecimento global: a criação de um mecanismo
para que cada país possa quantificar com exatidão o quanto já emitiu
individualmente ao longo do tempo. Esse mecanismo de medição, segundo a
proposta, seria elaborado pelos cientistas do Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês). A
estimativa serviria para calcular a meta de cada país de acordo com suas
responsabilidades, e o governo brasileiro sugeriu a adoção de uma
metodologia próxima à utilizada pelos países para medir seu Produto
Interno Bruto (PIB). Mas a proposta do Brasil foi rechaçada pela maioria
dos negociadores internacionais. Na linha de frente das críticas, ao
lado de Canadá e Austrália, o governo dos Estados Unidos alegou que o
levantamento sugerido pelo Brasil implicaria ignorar a contribuição
atual dos países em desenvolvimento para o aquecimento global.
REDD e Fundo do Clima
O único resultado concreto obtido na COP-19 foi a finalização,
após quatro anos de discussão, de um texto-compromisso que estabelece as
regras de execução e financiamento de projetos do chamado REDD (Redução
de Emissões por Desmatamento e Degradação de Florestas), que prevê
mecanismos para que os países que ainda tenham florestas sejam
compensados financeiramente pelo desmatamento evitado. Segundo a ONU,
cerca de 20% das emissões globais de gases-estufa são provocadas pela
derrubada de árvores, e nos últimos doze anos foram destruídos em todo o
mundo 2,3 milhões de quilômetros quadrados de floresta, área
equivalente ao território da Argentina. A estratégia de criar mecanismos
financeiros para garantir a preservação do meio ambiente, no entanto,
está longe de ser consenso. A premissa de que a proteção do meio
ambiente só ocorrerá se for economicamente vantajosa, tem sido duramente
criticada por parte da sociedade civil organizada, cientistas e
acadêmicos em todo o planeta. Em 2012, antes da Rio+20, a Repórter Brasil publicou uma cartilha com análise dos principais mecanismos e exemplos de como eles têm sido aplicados na prática no Brasil.
Se o REDD avançou,
por outro lado a criação efetiva do Fundo Verde do Clima permanece
travada. Idealizado em 2009, durante a COP-15 de Copenhague, o fundo tem
o objetivo de ajudar os países pobres e em desenvolvimento a
implementar ações de prevenção, mitigação e adaptação às mudanças
climáticas. Deveria começar a ser alimentado pelos países ricos já em
2013, segundo o cronograma imaginado pela ONU, com aportes de 100
bilhões de dólares por ano até 2020. Na realidade, no entanto, o Fundo
do Clima ainda é uma peça de ficção, já que até hoje nada foi
regulamentado, assim como jamais foram definidos os mecanismos para a
aplicação dos recursos do fundo e a prestação de contas por parte dos
países beneficiados.
Em
protesto, ativistas fantasiados de presidentes discutem caminho a
seguir. A placa ao fundo indica o caminho para furacões, enchentes e
secas de um lado, e para segurança climática do outro. Foto:
Divulgação/OXFAN
Um levantamento feito pela organização socioambientalista Oxfam
e divulgado em Varsóvia mostrou que em 2013 os recursos destinados
pelos países mais desenvolvidos ao combate ou adaptação às mudanças
climáticas alcançam somente 7,6 bilhões de dólares. Durante a COP-19, os
novos anúncios de ajuda financeira concreta feitos pelos governos
nacionais somaram apenas 8,3 bilhões de dólares. Segundo a Oxfam, pelo
menos 24 países desenvolvidos ainda não confirmaram aportes para o clima
este ano. Para 2014, diz a ONG, a situação é ainda pior, uma vez que as
nações responsáveis por 81% do fundo ainda não divulgaram qualquer
cifra.
Em uma nota de balanço da COP-19, o Instituto Vitae Civilis,
organização que integra o Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais
pelo Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentável (FBOMS) e esteve
presente em Varsóvia, lamenta que a paralisia tenha sido a tônica de
mais uma conferência da ONU sobre as mudanças climáticas: “Os países em
desenvolvimento podem manter sua versão de que as nações desenvolvidas
não querem colocar dinheiro na mesa. Pura verdade. Os países
desenvolvidos, por sua vez, poderão justificar a seus cidadãos que a
conferência não avançou por causa das nações em desenvolvimento, que
hesitam diante da perspectiva de assumir compromissos e metas
obrigatórias de redução nas emissões”, diz a organização
socioambientalista.