Na nossa avaliação, no entanto, os povos não afastaram os riscos de
reveses e retrocessos contra seus direitos. Neste contexto, ganha espaço
e aumentam as possibilidades do ataque aos direitos indígenas, no
próximo período, ser efetivado, de forma especial, por meio da
regulamentação do parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição
Cleber César Buzatto
Setores
político-econômicos anti-indígenas continuam buscando, a todo o momento
e a todo o custo, desconstruir os direitos historicamente conquistados
pelos povos originários. Os indígenas, por sua vez, intensificaram a
reação frente ao ataque sofrido e vêm construindo um processo de luta em
defesa e pela efetivação de seus direitos e projetos de vida de maneira
altiva, permanente e radical.
Em todas as regiões do Brasil e no
chamado “centro do poder”, em Brasília, muitas têm sido as
manifestações protagonizadas pelos povos. Por meio de retomadas,
auto-demarcações, bloqueios de rodovias e ferrovias, ocupações de
espaços públicos, inclusive do Plenário da Câmara Federal e do Palácio
do Planalto, presença assídua em gabinetes de parlamentares, órgãos
públicos, visitas aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF),
dentre outras iniciativas, os indígenas chamam a atenção e denunciam, às
autoridades e à sociedade em geral, o ataque que estão sofrendo por
forças econômicas, especialmente vinculadas ao velho latifúndio
brasileiro.
Todo este movimento elevou a questão indígena ao
patamar de uma das pautas políticas centrais em debate no Brasil. O tema
é tratado cotidianamente, de maneira intensa, apaixonada podemos dizer,
em diferentes instâncias dos três poderes do Estado brasileiro.
A
temática indígena ganhou repercussão e visibilidade nacional e
internacional. Jornais, televisões, rádios, sítios eletrônicos, blogs e
redes sociais têm dado cobertura aos conflitos e às situações diversas
envolvendo os povos indígenas em âmbito nacional e regional.
Caso
baseássemos nossas análises em “aparências”, poderíamos dizer que a
situação política relativa aos direitos indígenas já passou por momento
mais desfavorável daquele que se vive atualmente. No entanto, conhecendo
o inimigo comum e o potencial político e financeiro que o mesmo detém,
entendemos que os povos indígenas não podem cair no equívoco de imaginar
que a disputa está ganha ou mesmo facilitada.
Ao contrário, tudo
indica que os enfrentamentos apenas começaram. Nessas primeiras
batalhas, ao longo destes dois últimos anos, temos o sentimento de que
os povos ganharam terreno. Embora possam continuar insistindo com a
tramitação da PEC 215/00 no congresso Nacional, os próprios ruralistas
estão cientes de que dificilmente encontrarão terreno para sua aprovação
e aplicabilidade. As chances do texto ser considerado
‘inconstitucional’ pelo STF são bem significativas.
Na nossa
avaliação, no entanto, os povos não afastaram os riscos de reveses e
retrocessos contra seus direitos. Neste contexto, ganha espaço e
aumentam as possibilidades do ataque aos direitos indígenas, no próximo
período, ser efetivado, de forma especial, por meio da regulamentação do
parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição. Ao menos quatro Projetos de
Lei Complementar (PLP) tramitam nessa direção, sendo o PLP 227/12 um
deles.
Com alto potencial de imposição de limites ao direito de
posse e usofruto exclusivo das terras por parte dos povos indígenas,
esta iniciativa parlamentar articula interesses econômicos que vão muito
além daqueles almejados estritamente pela bancada ruralista, envolvendo
setores ligados à indústria da mineração, às empreiteiras, às empresas
de energia, às Forças Armadas e o próprio governo, interessado em
acelerar o seu modelo de “crescimento” econômico, consignado no Programa
de Aceleração do Crescimento (PAC). A regulamentação da mineração em
terras indígenas, por meio do PL 1610/96, ganha musculatura nessa mesma
toada.
O resultado do julgamento dos Embargos de Declaração da
Petição 3388, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou
válidas as 19 condicionantes para o caso julgado, a Terra Indígena
Raposa Serra do Sol, mas que descartou a existência de “efeito
vinculante” das mesmas em relação às demais terras indígenas do país,
oferece forte argumento político e jurídico para o movimento indígena
exigir, do Poder Executivo, a revogação da Portaria 303/12, da Advocacia
Geral da União (AGU).
Concomitante, as declarações e iniciativas
açodadas do ministro Luiz Inácio Adams (da AGU), durante e logo após o
referido julgamento, na perspectiva de validar a portaria, impõe ao
movimento indígena a urgente tarefa de promover mobilizações e lutas
contra a medida. Do contrário, corre-se grande e iminente risco do Poder
Executivo estabelecer, de fato, o efeito vinculante negado, de direito,
pelo Poder Judiciário em relação às ditas condicionantes.
Este
embate, ao mesmo tempo, deve dar-se na perspectiva de afastar os riscos
em torno da repetidamente anunciada mudança no rito de demarcação de
terras indígenas, bem como, a fim de que o Poder Executivo retome as
demarcações paralisadas em âmbito nacional.
O governo federal,
por meio do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, tem apostado
todas as fichas nas denominadas “mesas de negociações”, onde busca
aplacar os conflitos e ganhar tempo sem tomar as decisões que lhe são
cobradas pelos povos indígenas. Como é evidente, esta é mais uma decisão
politicamente equivocada do governo brasileiro, que não resolve os
problemas e, ao empurrá-los “com a barriga”, fortalece as possibilidades
de ocorrência e agravamento dos ataques e das violências contra os
povos.
Na esteira disso tudo, o governo, especialmente por meio
de agentes da Secretaria Especial da Presidência da República, continua
atuando na perspectiva de dividir povos e lideranças indígenas a fim de
facilitar a implementação das obras de infraestrutura e geração de
energia de interesse do capital sobre terras indígenas. O caso das
hidrelétricas de Belo Monte e do Complexo do Tapajós seguem sendo
emblemáticos neste sentido.
O abandono na área da atenção à saúde
indígena segue vitimando inúmeros indígenas país afora, especialmente
crianças menores de cinco anos, cujo número de óbitos mostra-se
assustador e revoltante.
O contexto político no Brasil continua
extremamente adverso aos povos indígenas. As mobilizações dos povos
seguem como um imperativo na defesa de suas vidas e pela efetivação de
seus direitos constitucionalmente previstos.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/26611
Cleber César Buzatto é secretário-executivo do Cimi
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