Fonte: http://www.domtotal.com/noticias/713282
A
solidariedade cristã é pautada pela convicção de que a fraternidade é
premissa para vencer a pobreza, como lembra o Papa Francisco na sua
primeira mensagem dedicada ao Dia Mundial da Paz. O Papa recorda seu
predecessor, Bento XVI que, na Carta Encíclica Caritas in Veritate,
apresentou a falta de fraternidade - entre pessoas e nações - como uma
das principais causas da pobreza. Trata-se de uma deficiência que
inviabiliza a urgente superação da miséria, que castiga considerável
parcela da humanidade.
Gestores e executivos, de instituições governamentais e privadas,
precisam reconhecer e viver mais o princípio da fraternidade. Sem essa
vivência, correm o risco de se aprisionarem no território do que é
cartorial e, assim, tornam-se incapazes de contribuir para as mudanças
rápidas e urgentes do atual cenário, que faz crescer a brecha entre
ricos e pobres. Bastaria que cada cidadão levasse a sério a indicação
secular de São Vicente de Paulo. O Santo afirma que quando alguém vê um
irmão na miséria, deveria sentir-se envergonhado. Mas, como diz o Papa
Francisco, na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, a globalização da
indiferença é um sério problema a ser enfrentado. Esta insensibilidade
tranquiliza as consciências e entorpece cidadanias. Desse modo,
incapacita pessoas para o exercício do altruísmo. A indiferença impede a
superação da pobreza, que pesa sobre os ombros de tantos, e é uma
vergonha social.
A falta de fraternidade que perpetua situações lastimáveis de miséria
tem também como causa a pobreza relacional, nos contextos familiar e
comunitário. Sem o sentido de fraternidade não se avançará adequadamente
para se alcançar metas que mudem os quadros. Por isso mesmo, é tão
comum ancorar-se em justificativas, contabilizando o que já se fez em
detrimento das urgências e necessidades. Aí está um fruto indigesto do
modo como se faz política na sociedade brasileira, dando mais
importância e força ao partidário e seus “conchavos” do que à
meritocracia.
A pobreza origina-se da carência de um sentido humanístico e compreensão
ética adequada da dignidade de cada pessoa humana, fazendo surgir
situações extremas de riqueza e desperdício de um lado e, do outro, a
miséria de muitos, com o peso da fome, da enfermidade e da exclusão
social. As desigualdades sociais crescentes em uma determinada região e
contexto cultural precisam incomodar mais a consciência cidadã. Assim é
possível avançar na busca de soluções e de respostas, em diferentes
níveis e condições. Nessa perspectiva está, portanto, um horizonte
lúcido para se fazer política. Isto significa um empenho mais efetivo
para garantir a todas as pessoas, iguais na sua dignidade e nos seus
direitos fundamentais, o acesso aos serviços, especialmente aos recursos
educativos e de saúde, possibilitando a cada pessoa a construção de seu
projeto de vida.
O Papa Francisco, na mensagem para o Dia Mundial da Paz, relembra um
importante ensinamento da Igreja, sobre a hipoteca social. Como diz
Santo Tomaz de Aquino, é lícito e até necessário que a pessoa tenha
propriedade dos bens. Porém, quanto ao uso, “não deve considerar as
coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também
como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si, mas também
aos outros”. Se assumido como princípio ético, este ensinamento
permitirá à cidadania dar um salto de qualidade e produzirá, sem dúvida,
uma grande transformação. A globalização da indiferença é responsável
por desvios morais que fazem da economia o território da idolatria ao
dinheiro. Daí nasce uma séria crise antropológica, ao se negar a
primazia de cada pessoa, substituindo-a por outros interesses e lógicas.
A perversidade se revela no crescimento que privilegia poucos e castiga
muitos, fruto de uma ideologia que defende a absoluta autonomia de
mercados e a especulação financeira.
O Papa Francisco, exemplar e coerente, indica um passo primeiro,
determinante, com força para fazer a diferença na busca da fraternidade,
antídoto para vencer a pobreza. Ele fala do desapego vivido por quem
escolhe estilos de vida sóbrios e essenciais, partilhando as suas
riquezas, conseguindo, assim, experimentar a comunhão fraterna com os
outros. Não será outro senão este o primeiro compromisso cristão, de
quem quer autenticamente seguir Jesus Cristo. É desafiador, gera
dúvidas, mas trata-se de um caminho certo para cultivar a fraternidade,
eficaz na superação da pobreza. O ponto de partida dessa revolução é a
convicção firme de que o relacionamento fraterno com o próximo é o bem
mais precioso.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
O arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira
de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade
Gregoriana, em Roma
(Itália) e mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto
Bíblico, em Roma (Itália). Membro da Congregação do Vaticano para a
Doutrina da Fé.
Dom Walmor presidiu a Comissão para Doutrina da Fé da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), durante os exercícios de 2003 a
2007 e de 2007 a 2011.
Também exerceu a presidência do Regional Leste II da CNBB - Minas Gerais
e Espírito Santo. É o Ordinário para fiéis do Rito Oriental residentes
no Brasil e
desprovidos de Ordinário do próprio rito. Autor de numerosos livros e
artigos. Membro da Academia Mineira de Letras. Grão-chanceler da
PUC-Minas.
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