Agassiz Almeida
Obs.: Agassiz Almeida é escritor, ativista dos direitos humanos, ex-deputado federal constituinte, autor das obras: ”500 anos do povo brasileiro”, "A república das elites”, "A ditadura dos generais” e lançou recentemente "O fenômeno humano”. É considerado pela crítica como um dos grandes ensaístas do país.
Na
salvaguarda dos direitos fundamentais do cidadão, entidades nacionais e
internacionais atuam há meses para que o Conselho Nacional de Justiça, do qual
Vossa Excelência é presidente, enfrente o desafiador problema do sistema
penitenciário do Brasil em que se amontoa um verdadeiro rebanho humano de 500
mil condenados ao inferno, e por cujos labirintos trevosos até os ecos
lancinantes de Dante na Divina Comédia se perderiam. A ditadura militar
assassinava nos porões dos quartéis, atualmente se degrada nas masmorras das
penitenciárias.
Qual
a sua posição, senhor ministro, frente a estas tragédias humanas? Total
indiferença, como a daquele abutre do Atacama ante os gritos desesperados de
milhares de atobás. Envergonha o país perante o mundo coonestar com estas
infames misérias morais.
Numa
trombada entre a realidade gritante de um regime penitenciário selvagem e o seu
absolutismo togado, Vossa Excelência vai a Paris e lá derrama inconsequente
verborreia defendendo as transmissões televisivas das sessões do STF,
confundindo publicidade com exposição midiática. Não! O mandatário de um poder
não é senhor das circunstâncias, mas o seu arbítrio.
Na
sua volta daquela capital, no aeroporto do Galeão, em face do deputado João
Paulo Cunha não ter sido preso, ouviu-se de um verdadeiro Herodes, sátrapa do
Império Romano, um berro e este bordão: Dos condenados das galés romanas aos da
Papuda todos se equiparam. Assim, certos vultos se transvestem de uma volúpia
doentia a provocar terror bestial. Olhemos por trás das luzes da ribalta esta ópera
bufa midiática. O que encontramos? Um tragicômico dramalhão. Cinismo deslavado a
tripudiar no direito e na vida dos direitos e malbaratar a justiça como uma
desassossegada megera.
Indigna-nos
a parafernália que este festival de desencontros provoca na nação. Há algo de
enigmático nos bastidores deste maquiavélico julgamento. Onde estavam Vossa
Excelência e os atores que comandam este novelão quando o fardo da ditadura
militar desabou sobre o país? Calados como certos desavergonhados personagens
de Rabelais, e alguns até ajoelhados perante a tirania fardada. O todo-poderoso
senhor do poder togado desfechou os seus raios fulminantes em direção a este amedrontado
Henrique Alves, que nada preside a não ser entregar cabeças de parlamentares na
bandeja para serem devoradas por esta fúria negra Quetzalcoatl, deus dos astecas
e das almas aterradoras.
Ponha-se
de pé, senhor deputado, e repila o chicote.
Contra
o caos degradante que assola a nação, antepomos a ideologia dos desafios sob
cuja legenda olhamos o mundo. Que vulto se investe como imperioso da lei? Mergulhemos
no terrível tribunal da Inquisição do Santo Ofício nos séculos XV e XVI. Lá
está possuído de uma alegria macabra e masturbadora o inquisidor-mor Tomás de Torquemada
a ouvir sadicamente os enlouquecidos gritos dos condenados na fogueira.
Que
personalidade é esta que preside o STF? Um Torquemada carregado de ódio ou um
temível soba egresso das sinistras noites africanas como preador de negros para
o tráfico nos tumbeiros, e cujos gritos de horror Castro Alves pranteou em
imortal poema:
Deus,
oh Deus, onde estás que não respondes? Há dois mil anos te mandei meu grito.
A
pior tirania é a togada. Em nome da justiça despedaça o direito e a vida dos
povos, instrumentalizada na lei renega a verdade e desordena normas processuais.
Nesta babel erige um soberbo Catão do moralismo público.
Que
justiça é esta que faz de uma corte constitucional um tribunal penal?
Que
justiça é esta que renega o princípio da individualidade da pena, já defendida
por Cesare Beccaria no século XVIII? Que desconhece os antecedentes dos réus
lançando no mesmo processo, resistentes à ditadura militar e larápios de bancos?
Enfim, que faz de peças processuais peças teatrais.
Que
justiça é esta que, cega de paixão, desconhece os motivos e causas do crime, princípio
primário da justiça criminal? Que leva de roldão a competência ratione funcionae
e faz rolar no mesmo caldeirão dezenas de acusados?
Que
justiça é esta que concede o passaporte da impunidade aos Maluf e aos torturadores
e genocidas da ditadura militar, enquanto nos outros países estes tipos de
criminosos estão na cadeia?
Que
justiça é esta em que o próprio tribunal julgador incita ao linchamento público
de réus, quando permite a transmissão ao vivo pela TV das sessões de julgamento?
E a defesa dos condenados? Que se dane, assim determina a mídia. Isto violenta
o direito natural e a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Cesse
este megashow incompatível com o verdadeiro ideal de justiça. Com que se depara
a nação? Um festival de ignomínia em que condenados desfilam as suas angústias
em milhões de aparelhos televisivos. Isto não é justiça, mas a nau dos
destroçados a navegar entre o imponderável e os interesses escusos. O que
significa toda esta orquestração cretina da qual irrompem jatos diários de
publicidade, frente aos quais a justiça se esfarrapa e um fariseu com a cara de
Catilina romano se glorifica? Basta, senhor ministro! Isto não é julgamento, mas
linchamento moral.
Ouçamos
os sinais do tempo, assim falavam os incas.
Quando
cessarem as fanfarras midiáticas e os falastrões de uma justiça rocambolesca se
amiserarem e desertarem de cena, que fiquem estas palavras: A história, a
verdadeira mater et magistra dos homens e das circunstâncias falará no amanhã
dos tempos.
Saudações
democráticas
Agassiz
AlmeidaObs.: Agassiz Almeida é escritor, ativista dos direitos humanos, ex-deputado federal constituinte, autor das obras: ”500 anos do povo brasileiro”, "A república das elites”, "A ditadura dos generais” e lançou recentemente "O fenômeno humano”. É considerado pela crítica como um dos grandes ensaístas do país.
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