10 de nov. de 2011

Retirada dos EUA e derrota no Iraque.

Deu na esquerda net. A retirada marca o culminar da derrota americana no Iraque, apenas comparável à derrota dos Estados Unidos no Vietname.
opiniao
10 Novembro, 2011 - 01:12
Por Immanuel Wallerstein
A retirada marca o culminar da derrota americana no Iraque, apenas comparável à derrota dos Estados Unidos no Vietname.
Agora é oficial. Todas as tropas dos Estados Unidos vão retirar do Iraque até 31 de Dezembro de 2011. Há duas formas de interpretar esta decisão. Uma é a do presidente Barack Obama, que afirma estar assim a cumprir uma promessa eleitoral de 2008. A segunda é a dos candidatos presidenciais republicanos, que condenaram Obama por não ter feito o que o Exército dos Estados Unidos, segundo eles, queria: manter algumas tropas depois de 31 de Dezembro para “treinar” os militares iraquianos. Segundo Mitt Romney, a decisão de Obama foi “ou a consequência de um puro cálculo político, ou simplesmente a total inépcia para negociar com o governo iraquiano”.
As duas afirmações são disparatadas, e representam meros argumentos auto-justificativos para o eleitorado americano. Obama empenhou-se fortemente, e em total conjugação com os comandantes do Exército e com o Pentágono para manter as tropas norte-americanas depois de 31 de Dezembro. Fracassou, não por inépcia, mas porque os líderes políticos do Iraque forçaram os Estados Unidos a sair. A retirada marca o culminar da derrota americana no Iraque, apenas comparável à derrota dos Estados Unidos no Vietname.
O que aconteceu realmente? Nos últimos dezoito meses, pelo menos, as autoridades de Washington tentaram empenhadamente negociar um acordo com os iraquianos que superasse o que foi assinado pelo presidente George W. Bush, que se comprometia com a retirada total das tropas em 31 de Dezembro de 2011. Fracassaram, mas não foi por falta de esforço.
Sob qualquer ponto de vista, os grupos mais pró-americanos são os sunitas liderados por Ayad Allawi, um homem com relações notoriamente próximas à CIA, e o partido de Jalal Talebani, o presidente curdo do Iraque. Os dois homens acabaram por dizer, sem dúvida com relutância, que era melhor que as tropas americanas deixassem o país.
O líder iraquiano que mais esforço empregou para chegar a um acordo que mantivesse as tropas norte-americanas foi o primeiro-ministro Nouri al-Malaki. Obviamente, ele acreditava que a pouca capacidade do exército iraquiano para manter a ordem levaria o país a novas eleições, nas quais a sua posição política estaria muito enfraquecida e ele, provavelmente, perderia o cargo de primeiro-ministro.
Os Estados Unidos fizeram concessão atrás de concessão, reduzindo constantemente o número de soldados que manteriam no Iraque. No final, o ponto de atrito foi a insistência do Pentágono para que fosse garantida a imunidade jurídica dos soldados americanos (e dos mercenários), perante a jurisdição iraquiana, por qualquer crime que cometessem no país. Maliki estava pronto a concordar com isso, mas ficou isolado. Os sadristas, em particular, ameaçaram retirar o seu apoio ao governo, se Maliki aceitasse as condições de Washington. E sem os votos dos sadristas, Maliki não tinha a maioria necessária no parlamento.
Quem ganhou então? A retirada foi uma vitória do nacionalismo iraquiano. E a pessoa que incarna o nacionalismo iraquiano é nada menos que Moqtada al-Sadr. É verdade que al-Sadr lidera um movimento xiita que sempre foi violentamente contrário aos partidos baathistas – o que, para os seus seguidores, costuma significar ser contra muçulmanos sunitas. Mas al-Sadr há muito que se afastou da sua posição inicial, para se converter, a si próprio e ao seu movimento, nos grandes defensores da retirada dos Estados Unidos. Ele aproximou-se dos líderes sunitas e curdos na esperança de criar uma frente nacionalista pan-iraquiana, centrada na restauração da total autonomia do Iraque. E venceu.
É certo que al-Sadr, assim como Maliki e outros políticos xiitas, passou uma grande parte da sua vida exilado no Irão. A sua vitória é, então, o triunfo do Irão? Não há dúvida de que o Irão ampliou a sua credibilidade no interior do Iraque. Mas seria um grande erro analítico acreditar que o Irão substituiu os Estados Unidos no domínio da cena política iraquiana.
Existem tensões fundamentais entre os xiitas iranianos e os xiitas iraquianos. Por um lado, os iraquianos sempre consideraram o Iraque, e não o Irão, como o centro espiritual do mundo xiita. É verdade que, nos últimos 50 anos, as transformações do cenário geopolítico permitiram que os ayatollahs do Irão parecessem dominar o universo religioso do xiismo.
Mas isso é parecido ao que aconteceu na relação entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental depois de 1945. A força geopolítica dos Estados Unidos provocou um deslocamento na relação cultural entre dois lados do Atlântico. A Europa Ocidental teve de aceitar o novo domínio cultural e político dos Estados Unidos, mas nunca gostou disso. Tenta agora retomar a sua predominância cultural. O mesmo acontece com o Irão e o Iraque. Nos últimos 50 anos, os xiitas iraquianos tiveram de aceitar o domínio cultural iraniano, mas nunca gostaram disso. E agora vão esforçar-se por reconquistar o seu predomínio cultural.
Apesar das declarações públicas, tanto Barack Obama quanto os republicanos sabem que os Estados Unidos foram derrotados. Os únicos norte-americanos que não acreditam nisso são uma pequena franja da esquerda que, de algum modo, não pode aceitar que os Estados Unidos não vençam sempre e em todos os lugares. Esta pequena franja está tão empenhada em denunciar os Estados Unidos que não tolera a realidade de que o país está em sério declínio.
Este grupo marginal argumenta que nada mudou, porque os Estados Unidos apenas passaram a agir através do Departamento de Estado, em vez do Pentágono, fazendo duas coisas: trazer mais fuzileiros navais para garantir a segurança da Embaixada dos Estados Unidos e contratar especialistas para treinar as forças policiais iraquianas. Mas trazer mais fuzileiros é um sinal de fraqueza, não de força. Significa que até mesmo a bem guardada embaixada norte-americana não está suficientemente segura dos ataques. Pela mesmíssima razão, os Estados Unidos cancelaram os planos de abrir mais consulados no país.
Quanto aos especialistas, estamos a falar de aproximadamente 115 conselheiros que precisam de ser “protegidos” por milhares de seguranças privados. Eu diria que os conselheiros serão muito cautelosos sempre que saírem das instalações da embaixada, e que vai ser difícil contratar seguranças privados em número suficiente, dado que deixaram de ter imunidade jurídica.
Ninguém se deve surpreender se, depois das próximas eleições no Iraque, o primeiro-ministro for Moqtada al-Sadr. Nem os Estados Unidos nem o Irão vão rejubilar.
Immanuel Wallerstein
Comentário nº 316, 1 de Novembro de 2011
Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net
Sobre o autor »
Immanuel Wallerstein
Sociólogo e professor universitário norte-americano.
Wallerstein interessou-se pela política internacional quando ainda era adolescente, acompanhando a actuação do movimento anticolonialista na India. Obteve os graus de B.A. (1951), M.A. (1954) e Ph.D. (1959) na Universidade de Columbia, Nova Iorque, onde ensinou até 1971.
Tornou-se depois professor de Sociologia na Universidade McGill, Montreal, até 1976, e na Universidade de Binghamton, Nova York, de 1976 a 1999. Foi também professor visitante em várias universidades do mundo.

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