Há
muitas profissões nesse mundo. Muitos conseguem escolher a profissão de
que realmente gosta, mas outros, não sei dizer se são a maioria, só
conseguem trabalhar naquilo que lhes aparece pela frente. É o caso de
muitos destes meus colegas de alojamento. Eu ganho a minha
aposentadoria, de modo que não dependo mais do trabalho para viver.
Entretanto, eles dependem, e muito! A maioria tem família, que vive
longe daqui. Se forem sempre para casa, o dinheiro não dá. As despesas
de suas famílias são muitas; as daqui não são tantas, apesar do preço
alto do alimento que vem de fora. Só é barato o alimento que vem da
própria região, como certos tipos de frutas. Mas, quem disse que eles
gostam de frutas?
Amigo,
amiga, às vezes nos tornamos pessoas tipo eremitas, sem nunca termos
pensado nisso antes. A solidão pega muitos de surpresa: nunca se
prepararam para esse tipo de vida.
Eremita
é uma pessoa que se desliga da sociedade para que, tendo se encontrado
consigo mesmo, tendo se encontrado com Deus, está mais apto para se
encontrar também com as pessoas. “Homem algum é uma ilha”, é
o título de um livro do monge Thomas Merton, dos Estados Unidos. Não há
como nos isolarmos plenamente. Jesus tinha o costume de isolar-se no
meio da multidão, como vemos em Lucas 9,18:”Aconteceu que estando Jesus orando a sós, no meio dos discípulos...” Como
orar a sós no meio daquela multidão? É o que precisamos aprender a
fazer, se vivemos uma vida normal, entre outras pessoas.
É
muito comum vermos pessoas que vivem sozinhas se engolfarem num
individualismo medonho, depressivo. Precisamos aprender a encontrar a
Deus na solidão, a encontrar a nós mesmos e, assim, encontrar o irmão,
como eu escrevi num artigo neste mesmo blog, “Solidão nunca mais”.
Tenho
um cartão plastificado encerrando em seu interior flores do deserto de
Atacama, do Chile. As flores do deserto. Que flores poderão surgir do
deserto a que estamos confinados no nosso dia a dia? Quantos frutos
maravilhosos poderão brotar de nossa solidão! Mas, para isso, é preciso
que não nos fechemos a nós mesmos numa vida monótona, individualista,
ranzinza, pedante. As flores só brotarão se encontrarmos Deus e o
próximo em nossa solidão.
Deus
se mostra no silêncio. Deus se mostra na simplicidade. Quem vive
sozinho é um privilegiado e muitas vezes não percebe isso! Na bíblia
vemos muitas passagens desse silêncio gostoso que nos leva a Deus e nos
conduz aos irmãos.
Disse o papa Paulo VI em sua visita a Nazaré:
(Em
Nazaré, temos,) “Primeiro, uma lição de silêncio. Que renasça em nós a
estima pelo silêncio, essa admirável e indispensável condição do
espírito; em nós, assediados por tantos clamores, ruídos e gritos em
nossa vida moderna barulhenta e hipersensibilizada. O silêncio de Nazaré
ensina-nos o recolhimento, a interioridade, a disposição para escutar
as boas inspirações e as palavras dos verdadeiros mestres. Ensina-nos a
necessidade e o valor das preparações, do estudo, da meditação, da vida
pessoal e interior, da oração que só Deus vê no segredo”.
É
assim que se manifesta o Beato Carlos de Foucauld, que era eremita no
Saara. Percebam que parece não um eremita, mas um missionário falando.
Ele vivia longe de tudo, mas não das pessoas. Ele vivia de tal forma em
Deus, que esse amor transbordava para os que viviam ali nos arredores,
os muçulmanos, que nunca falaram com ele sobre os maravilhosos contatos
espirituais que ele tinha com Deus. Vejam que maravilha:
“Meus últimos retiros para o diaconato e para o sacerdócio mostraram-me
que esta vida de Nazaré, que parecia ser minha vocação, era preciso
levá-la não na Terra Santa tão amada, mas entre as almas mais doentes,
as ovelhas mais abandonadas. Este banquete divino do qual sou ministro,
era preciso apresentá-lo não aos irmãos, aos parentes, aos vizinhos
ricos, mas aos coxos, aos cegos, às almas mais abandonadas, mais
carentes de sacerdotes (Carta ao Pe. Caron, 8/4/1905).
Eu
sou um velho pecador que, no dia imediato ao da sua conversão – há
quase 20 anos – foi poderosamente atraído pelo Senhor para levar a mesma
vida que Ele levou em Nazaré. Deste então, esforço-me por imitá-lo...
bem miseravelmente, é certo. Passei muitos anos nessa querida e
abençoada Nazaré, como criado e sacristão do convento das Clarissas. Só
deixei este lugar bendito há cinco anos, para receber as santas ordens.
Sacerdote não residente da diocese de Viviers, os meus últimos retiros
de diácono e sacerdote mostraram-me que esta vida de Nazaré, a minha
vocação, era necessário levá-la, não na tão amada Terra-Santa, mas entre
as almas mais doentes, entre as ovelhas mais abandonadas.
O
divino banquete de que sou o ministro, era preciso oferecê-lo, não aos
irmãos ou aos parentes ou aos vizinhos ricos, mas ao mais coxo, ao mais
cego, às almas mais abandonadas, as privadas do sacerdote. Na minha
mocidade, percorri a Argélia e Marrocos. Marrocos tão grande como a
França, com dez milhões de habitantes, não tinha nem um único padre no
interior. O Saara argelino, sete ou oito vezes maior que a França e mais
habitado do que anteriormente se julgava, tinha doze missionários.
Nenhum
povo me pareceu tão abandonado como este e assim pedi e obtive do
Reverendíssimo Prefeito Apostólico do Saara, a licença para me fixar no
Saara argelino, e de levar na solidão, na clausura e no silêncio, (grifo nosso) pelo
trabalho das minhas mãos e no estado de pobreza, só ou com alguns padre
ou irmãos leigos, uma vida tão semelhante quanto possível à vida oculta
de Cristo em Nazaré ...
Estabeleci-me há três anos e meio, em Beni-Abbès, mesmo na fronteira de
Marrocos, procurando, embora miserável e tibiamente, levar a bendita
vida de Nazaré. Até agora estou só... “O grão de trigo que não morre,
fica só...” Peça ao Senhor para que eu morra para tudo o que não seja a
sua vontade. Um pequeno vale é a minha clausura (clausura é a parte mais
íntima de um convento ou de uma casa religiosa, em que não entra
ninguém de fora. O Pe. Carlos lembra que esse local “íntimo”, para ele, é
todo o vale); só de lá saio quando um imperioso dever de caridade me
força a isso... a falta de outro sacerdote (o mais próximo está a 400
quilômetros ao norte)... ou para levar Cristo a qualquer outro lugar
(Carta ao Pe. Caron, 8/4/1905, Textos Espir. p.213-215)
Escolho Tamanrasset, lugarejo de vinte casas em plena montanha, no
coração do Hogar e entre os Dag-Rali, principal etnia [Tuareg], afastado
de todos os centros importantes. Não parece estar prevista nenhuma
guarnição militar, nem telégrafo, nem europeu, e por muito tempo não
haverá missão. Escolho esse lugar abandonado e aqui me instalo,
suplicando a Jesus que abençoe esta instalação na qual quero, para minha
vida, tomar um único exemplo, sua vida de Nazaré (Carta ao Pe. Huvelin,
4/12/1909).
Quero que todos os habitantes, cristãos, muçulmanos, judeus... se
acostumem a ver-me como irmão, como irmão universal ... Eles estão
começando a chamar minha casa de “fraternidade”, e isso me dá muita
alegria (Carta à sra. de Bondy, 7/1/1902).
Ele [Jesus] assume a vocação de gritar o Evangelho em cima dos telhados, não com palavras, mas com a vida. (Retiro em Nazaré, 1897).
Levem o Evangelho, pregando-o não com palavras, mas pelo exemplo. Não o anunciado, mas vivendo-o... (Retiro em Efrém, 1898, 2ª f. depois do 3º domingo da Quaresma).
Que
os irmãos tenham o mesmo zelo pelas almas e as mesmas virtudes que os
cristãos dos primeiros séculos e realizarão as mesmas obras. Espalharão,
como eles, ocultos, dissimulados, o bem que não podem fazer
abertamente. O amor mostrar-lhes-á os meios, e o Senhor sabe tornar
eficazes os esforços que inspira. Recapitulemos: “Não podemos medir os
nossos trabalhos pela nossa fraqueza, mas os nossos esforços pela nossa
obra”. Se as dificuldades são grandes, apressemo-nos ainda mais a
dedicar-nos ao trabalho e multipliquemos mais ainda os nossos esforços (Projeto de Missão no Marrocos, Textos Espir. p. 275).
Que
a vida de solidão que você leva seja um caminho bonito e florido onde
as coisas vão acontecer, onde o Reino de Deus vai crescer, de onde se
espalharão os raios da luz divina para todos os demais. Para isso, reze
(ore) pelo menos duas horas por dia. Sem esse tempo de oração, qualquer
vida que a gente leve não dará certo. Coloque-se nas mãos de Deus, como
Santa Teresa de Jesus neste texto:
“Nada
te perturbe, nada te espante, tudo passa. Deus nunca muda. A paciência
tudo pode. A quem a Deus tem, nada lhe falta. SÓ DEUS BASTA!”
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