Por Geraldo Lopes de Menezes
Mas, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: “E quem é o meu
próximo?” Jesus respondeu: “Um homem descia de Jerusalém a Jericó. Pelo
caminho, caiu nas mãos de assaltantes. Esses, depois de lhe tirarem tudo
e o espancarem, foram embora, deixando-o quase morto. Por acaso, desceu
pelo mesmo caminho um sacerdote. Vendo-o, desviou-se dele. Do mesmo
modo um levita, passando por aquele lugar, também o viu e passou a
diante. Mas um samaritano, que estava de viajem, chegou até ele. Quando o
viu, ficou com pena dele aproximou-se, tratou das feridas, derramando
nela azeite e vinho. Depois o colocou em cima da própria montaria,
conduziu-o à pensão e cuidou dele. Pela manhã, tirando duas moedas de
prata, deu-as ao dono da pensão e disse-lhe: “Cuida dele e o que
gastares a mais na volta te pagarei”. Na tua opinião, quem desses três
se tornou o próximo daquele que caiu nas mãos dos assaltantes?” Ele
responde: “Aquele que teve pena dele”. Então Jesus lhe disse: “Vai então
e faze tu o mesmo” (Lc 10,30-37).
Achei muito interessante escrever uma carta a um médico
recém-formado. Principalmente, em expressar tudo que, nós médicos,
guardamos dentro de nós: alegrias e tristezas de um povo que sofre
muito, porém não perde a alegria de viver. Não vou me basear em
estatísticas, fórmulas mágicas, doutos conhecimentos teológicos ou
médicos. Não. Vou usar uma linguagem simples, popular, compreensiva a
todo o povo. Simplicidade é a linguagem em que Jesus se expressou na sua
comunidade. Hoje em dia as pessoas se complicam na linguagem, como
também no viver, para fazer parte de um mundo globalizado. Engano. Vamos
ser simples, o que hoje é o mais difícil. Vou contar uma realidade que
senti desde 1969, quando entrei no curso de Medicina.
O médico, na sua vida profissional, sempre está sozinho. Possui
experiência vivida juntamente com os sofrimentos, alegrias, tristezas,
perdas e ganhos, de pessoas vivenciando momentos difíceis em suas vidas.
Perante a sua família, torna-se ausente, sempre motivado por
compromissos profissionais.
Hoje em dia, o salário de um médico não é suficiente para manter uma
família, e ele necessita de vários empregos, para ter uma renda
sustentável. Quando em casa, não tem uma liberdade de comportamento,
estando sempre preso a chamadas telefônicas. Existe no imaginário do
povo, um conceito de que o médico sempre é rico. Era. Agora precisa
trabalhar muito.
As pessoas acham que você vai dar soluções para tudo, não pensam que,
muitas vezes, existem problemas sociais, políticos ou religiosos. As
pessoas acham que os médicos não podem errar. Puro engano. Os médicos
são limitados como qualquer ser humano. Você tem que saber disso, senão
vai ficar traumatizado, pensando em ter sido incompetente ao assinar um
Atestado de Óbito. Deuses não erram!
Para chegar a um diagnóstico, você traz dentro de si, toda a aprendizagem feita na escola, por conta própria, e o mais importante: sua experiência em lidar com as situações adversas, as quais na maioria das vezes, não foram ensinadas nas aulas.
Para chegar a um diagnóstico, você traz dentro de si, toda a aprendizagem feita na escola, por conta própria, e o mais importante: sua experiência em lidar com as situações adversas, as quais na maioria das vezes, não foram ensinadas nas aulas.
O paciente tem a esperança de que, com o diagnóstico, o tratamento já
está 90% completo. Mas, não está, porque a doença pode ter um
diagnóstico cruel, e não ter tratamento, o que é frustrante, tanto para o
médico, como para o paciente.
As pessoas não têm que ter conhecimentos, sobre uma doença. A mente é
poderosa; muitos que não sabem de sua doença, vivem melhor. Diante
desta problemática da vida pessoal e profissional, qual é a única pessoa
a quem você pode se apegar, para suportar tal peso? Deus. Ele é a única
pessoa que não vai te cobrar, e ao mesmo tempo, vai te confortar nas
horas de maior solidão.
O médico sempre deve ter um compromisso com o paciente, devendo
encará-lo como semelhante. Um criado igual a Cristo. Hoje, eu sinto, nos
novos médicos (nem todos, é claro), uma falta de compromisso com a vida
do paciente, colocando a culpa no governo, ou nas instituições onde
trabalham. Está errado. Devemos ter compromisso com as pessoas. A
maioria dos processos, no CRM (Conselho Regional de Medicina), é devida a
falta de atenção aos clientes. Mas, a verdade é que, é preferível
dispensar algum tempo para explicar uma doença, um tratamento, a um
paciente, do que se expor aos riscos inerentes a um processo judicial.
A maioria dos casos no conselho de ética de medicina, é de médicos
novos, que têm a ilusão de que são deuses. A medicina é uma ciência, que
se aprende caminhando, utilizando a nossa sensibilidade para captar,
não só o que o paciente diz, mas também, aquilo que não foi dito, usando
nossos conhecimentos colhidos na caminhada, tanto na escola de
medicina, quanto na escola da vida.
Muitas vezes a frustração vai bater na sua porta. Falta de
medicamentos; políticas de saúde precárias, por parte do governo; planos
de saúde que impedem tratamentos; colegas corruptos; salários indignos;
livros caros; cursos de atualizações com preços fora da realidade. E,
ainda, e uma população que deseja um tratamento que apareceu no
“Fantástico” (programa de domingo na Globo). Supere. Tudo passa! A
realidade é a senhora da razão.
Quando você vê um paciente, deve reparar sempre que ele apresenta
dentro de si mesmo uma chama de Cristo. Ao solicitar a sua consulta,
pense que ele não está sozinho, mas acompanhado, desde o seu nascimento,
com o Cristo que habita em todos nós. E necessário fazermos uma
“ligação” com esse paciente. Por incrível que pareça, o Cristo está
“mais” perto do necessitado da consulta do que do médico.
“Jesus respondeu-lhe: ‘Não são os que têm saúde que precisam de médicos e sim os enfermos’” (Lc 5,31).
“Jesus respondeu-lhe: ‘Não são os que têm saúde que precisam de médicos e sim os enfermos’” (Lc 5,31).
O médico precisa acreditar no lado bom da outra pessoa, isso faz com
que aumente a empatia com o paciente. Geralmente, a pessoa doente está
sempre numa posição de pedir ajuda, isso faz com que se sinta
fragilizada.
Temos que aprender a arte de ver através do corpo físico dos
pacientes, sentir o efeito da dor. E a única maneira de fazermos isso, é
através da audição. Não aprendemos a ver as verdadeiras realidades nos
bancos de uma escola de medicina, aprendemos apenas a tratar as doenças,
que não possuem sentimentos, emoções e Deus. Aprendemos a ver além das
aparências, desse modo temos que reinterpretar todos os nossos
ensinamentos médicos, de acordo com a realidade de cada paciente. Cada
paciente é único.
Não é eficiente chegar a um diagnóstico, apenas através de técnica
científica cara (tomografias, ressonâncias, exames laboratoriais caros)
se ao receitarmos medicamentos mais modernos ao paciente, ele não ter
dinheiro para comprar.
Temos que reinterpretar nosso trabalho, temos que ter consciência de
que estamos a serviço de Deus, e que nosso trabalho pode sanar uma dor,
tanto física, como psíquica. Então, estaremos ajudando a obra criadora
de Deus.
Não vamos ser românticos: o médico necessita de dinheiro para viver.
Porém, não devemos colocá-lo na frente da dignidade (própria, e dos
outros).
Quando Jesus curava um doente, atribuía muitas vezes, essa cura, a fé
do próprio doente. Porém, só a fé não cura. São necessárias
circunstâncias para que essa cura se processe. O médico é a pessoa
canalizadora, para que essa fé (que, a princípio, o paciente já possui),
se manifeste. Sem fé, não tomará a medicação e nem cumprirá as
orientações médicas. A função do medico é transmitir a esperança que é o
principal motor do ser humano.
A teologia cristã anuncia fé, esperança e caridade, como sendo as
três principais virtudes de um cristão. A esperança é a fonte da
juventude, ela alegra e rejuvenesce o ser humano. Não devemos criticar
as crendices populares. Os chás, banhos, ervas, na maioria das vezes,
não são superstições, e sim medidas tão eficazes quanto a medicina
moderna, pois além de seus componentes químicos, o principal elemento
que contêm é a fé; Simpatias? Também funcionam e curam porque são feitas
com fé.
Conte com Deus na sua caminhada e tudo vai dar certo. Faça sempre o
melhor, de acordo com a sua consciência. As pessoas não são bobas, elas
sabem quando o médico dá o melhor de si.
Fonte: http://www.itf.org.br/carta-a-um-jovem-medico-2.html
Artigo publicado na Revista Grande Sinal | Jul/Ago – 2009 p. 363-366.
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