10 de dez. de 2013

Carta a um jovem médico

Por Geraldo Lopes de Menezes
Mas, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: “E quem é o meu próximo?” Jesus respondeu: “Um homem descia de Jerusalém a Jericó. Pelo caminho, caiu nas mãos de assaltantes. Esses, depois de lhe tirarem tudo e o espancarem, foram embora, deixando-o quase morto. Por acaso, desceu pelo mesmo caminho um sacerdote. Vendo-o, desviou-se dele. Do mesmo modo um levita, passando por aquele lugar, também o viu e passou a diante. Mas um samaritano, que estava de viajem, chegou até ele. Quando o viu, ficou com pena dele aproximou-se, tratou das feridas, derramando nela azeite e vinho. Depois o colocou em cima da própria montaria, conduziu-o à pensão e cuidou dele. Pela manhã, tirando duas moedas de prata, deu-as ao dono da pensão e disse-lhe: “Cuida dele e o que gastares a mais na volta te pagarei”. Na tua opinião, quem desses três se tornou o próximo daquele que caiu nas mãos dos assaltantes?” Ele responde: “Aquele que teve pena dele”. Então Jesus lhe disse: “Vai então e faze tu o mesmo” (Lc 10,30-37).
Achei muito interessante escrever uma carta a um médico recém-formado. Principalmente, em expressar tudo que, nós médicos, guardamos dentro de nós: alegrias e tristezas de um povo que sofre muito, porém não perde a alegria de viver. Não vou me basear em estatísticas, fórmulas mágicas, doutos conhecimentos teológicos ou médicos. Não. Vou usar uma linguagem simples, popular, compreensiva a todo o povo. Simplicidade é a linguagem em que Jesus se expressou na sua comunidade. Hoje em dia as pessoas se complicam na linguagem, como também no viver, para fazer parte de um mundo globalizado. Engano. Vamos ser simples, o que hoje é o mais difícil. Vou contar uma realidade que senti desde 1969, quando entrei no curso de Medicina.
O médico, na sua vida profissional, sempre está sozinho. Possui experiência vivida juntamente com os sofrimentos, alegrias, tristezas, perdas e ganhos, de pessoas vivenciando momentos difíceis em suas vidas. Perante a sua família, torna-se ausente, sempre motivado por compromissos profissionais.
Hoje em dia, o salário de um médico não é suficiente para manter uma família, e ele necessita de vários empregos, para ter uma renda sustentável. Quando em casa, não tem uma liberdade de comportamento, estando sempre preso a chamadas telefônicas. Existe no imaginário do povo, um conceito de que o médico sempre é rico. Era. Agora precisa trabalhar muito.
As pessoas acham que você vai dar soluções para tudo, não pensam que, muitas vezes, existem problemas sociais, políticos ou religiosos. As pessoas acham que os médicos não podem errar. Puro engano. Os médicos são limitados como qualquer ser humano. Você tem que saber disso, senão vai ficar traumatizado, pensando em ter sido incompetente ao assinar um Atestado de Óbito. Deuses não erram!
Para chegar a um diagnóstico, você traz dentro de si, toda a aprendizagem feita na escola, por conta própria, e o mais importante: sua experiência em lidar com as situações adversas, as quais na maioria das vezes, não foram ensinadas nas aulas.
O paciente tem a esperança de que, com o diagnóstico, o tratamento já está 90% completo. Mas, não está, porque a doença pode ter um diagnóstico cruel, e não ter tratamento, o que é frustrante, tanto para o médico, como para o paciente.
As pessoas não têm que ter conhecimentos, sobre uma doença. A mente é poderosa; muitos que não sabem de sua doença, vivem melhor. Diante desta problemática da vida pessoal e profissional, qual é a única pessoa a quem você pode se apegar, para suportar tal peso? Deus. Ele é a única pessoa que não vai te cobrar, e ao mesmo tempo, vai te confortar nas horas de maior solidão.
O médico sempre deve ter um compromisso com o paciente, devendo encará-lo como semelhante. Um criado igual a Cristo. Hoje, eu sinto, nos novos médicos (nem todos, é claro), uma falta de compromisso com a vida do paciente, colocando a culpa no governo, ou nas instituições onde trabalham. Está errado. Devemos ter compromisso com as pessoas. A maioria dos processos, no CRM (Conselho Regional de Medicina), é devida a falta de atenção aos clientes. Mas, a verdade é que, é preferível dispensar algum tempo para explicar uma doença, um tratamento, a um paciente, do que se expor aos riscos inerentes a um processo judicial.
A maioria dos casos no conselho de ética de medicina, é de médicos novos, que têm a ilusão de que são deuses. A medicina é uma ciência, que se aprende caminhando, utilizando a nossa sensibilidade para captar, não só o que o paciente diz, mas também, aquilo que não foi dito, usando nossos conhecimentos colhidos na caminhada, tanto na escola de medicina, quanto na escola da vida.
Muitas vezes a frustração vai bater na sua porta. Falta de medicamentos; políticas de saúde precárias, por parte do governo; planos de saúde que impedem tratamentos; colegas corruptos; salários indignos; livros caros; cursos de atualizações com preços fora da realidade. E, ainda, e uma população que deseja um tratamento que apareceu no “Fantástico” (programa de domingo na Globo). Supere. Tudo passa! A realidade é a senhora da razão.
Quando você vê um paciente, deve reparar sempre que ele apresenta dentro de si mesmo uma chama de Cristo. Ao solicitar a sua consulta, pense que ele não está sozinho, mas acompanhado, desde o seu nascimento, com o Cristo que habita em todos nós. E necessário fazermos uma “ligação” com esse paciente. Por incrível que pareça, o Cristo está “mais” perto do necessitado da consulta do que do médico.
“Jesus respondeu-lhe: ‘Não são os que têm saúde que precisam de médicos e sim os enfermos’” (Lc 5,31).
O médico precisa acreditar no lado bom da outra pessoa, isso faz com que aumente a empatia com o paciente. Geralmente, a pessoa doente está sempre numa posição de pedir ajuda, isso faz com que se sinta fragilizada.
Temos que aprender a arte de ver através do corpo físico dos pacientes, sentir o efeito da dor. E a única maneira de fazermos isso, é através da audição. Não aprendemos a ver as verdadeiras realidades nos bancos de uma escola de medicina, aprendemos apenas a tratar as doenças, que não possuem sentimentos, emoções e Deus. Aprendemos a ver além das aparências, desse modo temos que reinterpretar todos os nossos ensinamentos médicos, de acordo com a realidade de cada paciente. Cada paciente é único.
Não é eficiente chegar a um diagnóstico, apenas através de técnica científica cara (tomografias, ressonâncias, exames laboratoriais caros) se ao receitarmos medicamentos mais modernos ao paciente, ele não ter dinheiro para comprar.
Temos que reinterpretar nosso trabalho, temos que ter consciência de que estamos a serviço de Deus, e que nosso trabalho pode sanar uma dor, tanto física, como psíquica. Então, estaremos ajudando a obra criadora de Deus.
Não vamos ser românticos: o médico necessita de dinheiro para viver. Porém, não devemos colocá-lo na frente da dignidade (própria, e dos outros).
Quando Jesus curava um doente, atribuía muitas vezes, essa cura, a fé do próprio doente. Porém, só a fé não cura. São necessárias circunstâncias para que essa cura se processe. O médico é a pessoa canalizadora, para que essa fé (que, a princípio, o paciente já possui), se manifeste. Sem fé, não tomará a medicação e nem cumprirá as orientações médicas. A função do medico é transmitir a esperança que é o principal motor do ser humano.
A teologia cristã anuncia fé, esperança e caridade, como sendo as três principais virtudes de um cristão. A esperança é a fonte da juventude, ela alegra e rejuvenesce o ser humano. Não devemos criticar as crendices populares. Os chás, banhos, ervas, na maioria das vezes, não são superstições, e sim medidas tão eficazes quanto a medicina moderna, pois além de seus componentes químicos, o principal elemento que contêm é a fé; Simpatias? Também funcionam e curam porque são feitas com fé.
Conte com Deus na sua caminhada e tudo vai dar certo. Faça sempre o melhor, de acordo com a sua consciência. As pessoas não são bobas, elas sabem quando o médico dá o melhor de si.
Fonte: http://www.itf.org.br/carta-a-um-jovem-medico-2.html
Artigo publicado na Revista Grande Sinal | Jul/Ago – 2009 p. 363-366.

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