O Vaticano
admitiu, pela primeira vez, no Comitê da ONU para os Direitos da
Criança, em Genebra, a 16 de janeiro, crimes de abuso sexual, como
pedofilia, praticados por membros da Igreja Católica.
Tais crimes ocorrem em quase todas as instituições que lidam com
menores, e sobretudo no interior do núcleo familiar, onde pais estupram
filhas. Porém, sua prática deve ser severamente punida, e não acobertada
em uma Igreja que se propõe a educar crianças segundo os valores do
Evangelho.
O papa Francisco, em missa na manhã de 16 de janeiro, declarou que os
escândalos da Igreja “são tantos” que não podem ser citados
individualmente e são uma “vergonha”: “Essas pessoas não têm ligação com
Deus. Tinham apenas uma posição na Igreja, uma posição de poder”, disse
o pontífice.
Francisco surpreende positivamente por suas afirmações a respeito da
sexualidade. Além de não demonizar os gays, ao contrário de tantos
prelados que consideravam a homossexualidade uma doença (e nisso
coincidiram com governos socialistas), e relativizar o tema do aborto
nesse mundo em que poucos protestam contra as guerras e, menos ainda,
apoiam a erradicação da fabricação e comércio de armamentos (incluídas
as de armas químicas).
Francisco convidou, para ocupar a importante função de Secretário de
Estado do Vaticano, o cardeal Pietro Parolin, que afirmou não ser o
celibato um dogma.
Há tempos a Teologia da Libertação e as teologias feministas defendem o
fim do celibato obrigatório para sacerdotes católicos, o que não se
justifica à luz da Bíblia. Pedro, escolhido primeiro papa, era casado
(Marcos 1, 30), e na Igreja primitiva homens casados eram ordenados
sacerdotes.
O preconceito à sexualidade nasce na Igreja por influência neoplatônica,
que culmina na (falsa) justificativa de que a lei natural associa sexo e
reprodução. Daí o fato de perdurar, ainda hoje, na doutrina oficial da
Igreja Católica, a exigência de os casais só terem relações sexuais se
houver intenção de procriar. Até 1903 gestos de carinho entre casados
eram considerados pecados...
Tive um professor de teologia moral que afirmava ser a associação entre
sexualidade e reprodução um princípio zoológico, e não teológico. Hoje,
sei que ele se equivocou. Mesmo animais ignoram o vínculo entre sexo e
reprodução. Pesquisas demonstram que muitos deles fazem sexo por ser
prazeroso, e não por quererem se reproduzir.
O afeto costuma falar mais alto que inclinações naturais. O pesquisador
Frans de Waal (2010) conta que, em cativeiro, porquinhos órfãos foram
adotados por uma tigresa de Bengala. “Em lugar de cuidar daqueles
porquinhos, seria mais adequado, do ponto de vista biológico, que a
tigresa os usasse como uma refeição rara em proteínas” (p. 67). Porém,
animais também possuem predisposição psicológica para cuidar de filhotes
vulneráveis.
Outro argumento que se utiliza para justificar o celibato é o contábil.
Casado, o sacerdote poderia dilapidar os bens da Igreja se valendo do
direito de herança. Ora, se assim fosse, sacerdotes das Igrejas Ortodoxa
e Anglicana, e pastores protestantes, que se casam, já teriam levado
suas comunidades à falência.
O celibato é apenas uma opção de vida, sem a qualidade do matrimônio,
que a Igreja enaltece como um dos sete sacramentos – fontes de união com
Deus. Se não é um dogma, como afirmou o cardeal Parolin, então pode ser
removido, facultando aos atuais e futuros sacerdotes optar ou não por
ele. O que abriria aos cinco mil padres casados que vivem no Brasil a
possibilidade de serem reintegrados ao ministério sacerdotal.
Será meio caminho andado para que, no futuro, a Igreja Católica exclua a
mulher do estatuto de ser de segunda categoria, e permita também a ela o
acesso ao sacerdócio, assim como Jesus fez da samaritana e de Maria
Madalena as primeiras apóstolas.
Frei Betto é escritor e religioso dominicano. Recebeu vários prêmios por sua atuação em prol dos direitos humanos e a favor dos movimentos populares. Foi assessor especial da Presidência da República entre 2003 e 2004. É autor de "Batismo de Sangue", e "A Mosca Azul", entre outros.
Fonte: http://www.domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=4067
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