fonte: fteixeira-dialogos.blogspot.com.br
Faustino Teixeira
PPCIR-UFJF
O
inclusivismo religioso tem raízes profundas e solidificadas na tradição
teológica cristã. É muito difícil romper essa impermeável barreira que
obstaculiza a abertura sincera para as outras tradições religiosos, no
que elas tem de irredutível e irrevogável. Não há como honrar a
singularidade das religiões mantendo uma perspectiva de superioridade,
seja explícita ou mais sutil. Nesses últimos decênios temos verificado
no âmbito da conjuntura eclesiástica católica uma crescente afirmação de
posicionamentos que confirmam essa perspectiva restritiva. Vale
mencionar a homilia proferida pelo papa Bento XVI na abertura da
Assembléia Especial para o Médio Oriente, em 10 de outubro de 2010. O
papa reconhece a presença de uma salvação universal, que passa porém por
uma “mediação determinada, histórica: a mediação do povo de Israel, que
depois se torna a de Jesus Cristo e da Igreja”. Há uma “porta” definida
e necessária para que o evento da salvação aconteça de fato. Essa idéia
é recorrente e firmada na tradição católico-romana, com um
significativo aporte da reflexão teológica. São poucos os teólogos que
se aventuram numa reflexão distinta, e aqueles que o fazem encontram
duras barreiras para a continuidade de sua “livre” reflexão. Vivemos,
infelizmente, um tempo marcado pela afirmação das identidades, e não da
disponibilidade dialogal. O caminho tradicionalmente traçado vai na
linha da exigência evangelizadora explícita, ou de uma nova
evangelização, para tentar frear a crise que envolve o campo cristão
nessa alvorada do terceiro milênio. A recente criação de um Pontifício
Conselho para a Nova Evangelização é expressão desse novo momento, como
uma exigência que deve animar corações e mentes.
Nós,
que acreditamos num pluralismo de princípio caminhamos numa direção
distinta. A idéia que nos anima é a do “inacabamento”. Estamos todos
envolvidos numa “sinfonia sempre adiada”, para utilizar uma rica
expressão de Christian Duquoc. Não há possibilidade de garantia alguma
de posse da verdade ou do mistério. A verdade não é algo de que nos
apropriamos como garantia, mas um mistério sempre aberto, pelo qual nos
devemos deixar possuir (DA 49). Todas as religiões são “fragmentos”
animados de forma diversificada por uma Presença Espiritual que é
permanente surpresa. Trata-se de uma ilusão imaginar que cada um desses
fragmentos está destinado a encontrar o seu acabamento numa dada
tradição religiosa. Todos eles estão envolvidos pela maravilhosa
liberdade do Espírito, que indica caminhos que são misteriosos e
inusitados. Nada mais problemático que defender uma assimetria de
princípio. Uma tal assimetria não consegue abarcar a “extraordinária
diversidade das tradições” e muito menos honrar a dignidade da
diferença. Na perspectiva defendida por aqueles que acreditam numa
complementação, realização ou acabamento, o que há de valor nas outras
tradições religiosas é sua “capacidade de abrir-se positivamente àquilo
que ignoram”. Não se dá aí um respeito à sua identidade única e
intransponível.
Para
os que defendem um pluralismo de princípio, há uma convicção firmada de
que Deus atua na história através de mediações distintas e
diversificadas. E isso não prejudica em nada o compromisso que cada um
deve assumir com a sua experiência específica de Deus. Como sublinhou
Roger Haight, “a experiência cristã do que Deus fez em Jesus Cristo não
se afigura diminuída pelo reconhecimento do Deus verdadeiro atuante em
outras religiões”. Não há por que concentrar a mediação fundamental da
presença salvífica de Deus numa única instância, ou numa única “porta”. O
reconhecimento da verdade das religiões implica, necessariamente, uma
abertura para percebê-las como canais verdadeiros da presença gratuita e
misteriosa de Deus. As religiões são mediadoras da salvação de Deus. Se
para o cristianismo a mediação basilar da presença e da salvação de
Deus à humanidade vem identificada com a pessoa de Jesus, e isso define
existencialmente e confessionalmente a perspectiva cristã, isso não
exclui outras formas dessa mediação divina na dinâmica das outras
religiões. A mediação pode ser ali um livro, um evento, um ensinamento
ou uma práxis. Há, portanto, diversos caminhos de acesso ao Mistério
maior, que os cristãos nomeiam como Deus. Há ainda que acrescentar que o
reconhecimento da presença do Mistério Maior nos outros confere uma
nova perspectiva para a identidade. Não há como firmar a identidade
religiosa num tempo plural, excluindo o apelo que vem do mundo do outro.
A fé cristã, por exemplo, como mostrou Adolphe Gesché, necessita de uma
interface ou de um “lugar fora de sua residência” para o exercício de
sua realização. Ela se vê hoje desafiada não apenas pelo diferenciado
mundo das religiões, mas também pelo enriquecedor universo das distintas
opções espirituais, sejam religiosas ou não.
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