14 de jun. de 2011

Irmão leigo: Identidade e missão.

Irmão leigo: Identidade e missão

O Evangelho que professamos não é uma marca ou um produto que se vende, mas antes é uma forma de vida. Todos aqueles que vivem em conformidade com Cristo, evangelizam.
As diferenças constituem um dos pilares de qualquer construção de identidade. Para nós cristãos, que movidos pelo desejo de um mundo cada dia mais justo, a diversidade é riqueza incontestável e necessária às comunidades. Nesse contexto a vocação do irmão leigo é um dom e uma riqueza para as igrejas. Ela se apresenta como uma forma específica de viver dentro da missão em um carisma específico. Ela por excelência mostra a originalidade e profetismo da Vida Religiosa.
Sabemos que nas diversas congregações essa vocação tem suas especificidades. Nas congregações que são formadas por irmãos parece não ocorrer tantas crises em relação a identidade. Tudo está ali: formação religiosa, acadêmica, carisma, etc. Entretanto, nas diversas congregações ditas ‘mistas’ os conflitos na formação da identidade são acentuados.
A ordem franciscana é um exemplo claro dessa realidade. O ideal de Francisco de Assis, da fraternidade evangélica, logo foi turvado em sua fonte. Clérigos e leigos começaram um disputa pelo controle da ordem.
No capítulo de 1239 vemos que os clérigos “julgavam não desfrutar da posição que mereciam”. (DESBONNETS, 1987, p.125). E assim, a fraternidade originária onde a sociedade estava reconciliada, livre de divisões, reassume o antigo vício. Um dos pilares dessa mutação da ordem foi o Ministro Geral Aymon de Faversham. Esse pode ser considerado o segundo fundador da ordem, dando a essa uma estrutura clerical. Desse momento em diante começam as nomeações de bispos franciscanos e em pouco tempo já eram dezenas pela Europa.
Com a clericalização da ordem, os irmãos leigos ficaram impedidos de assumir cargos. Ou seja, somente podia dirigir a ordem aqueles que receberam da igreja o ministério sacerdotal. Logo, a ordem reveste-se da mesma roupa da Igreja hierárquica. Não que isso seja terrível ou um erro, mas que na realidade não é próprio do carisma franciscano. Em outras palavras, estamos a séculos vivendo, e agora tentando desfazer o rumo de nosso carisma.
Dentro desse contexto que nos encontramos hoje vem a nós a reflexão sobre a identidade e missão dos irmãos leigos dentro da ordem franciscana. Um dos primeiros passos dessa reflexão deve ser essa consciência histórica. Estamos ainda em um curso errôneo de nosso carisma. Várias experiências nos últimos tempos têm apontados outros caminhos.
Como a criação da Comissão Interfranciscana (OFM – OFMConv – OFMCap) para o Estudo da Ordem Franciscana Como “Instituto Misto”. Essa comissão em 1997 lançou um estudo sobre a Identidade da Ordem Franciscana no Momento de sua Fundação, na tentativa de oficializar um pedido a Santa Sé para que reconheça as ordens franciscanas como mistas. É dentro desse contexto de luzes e sombras que nos encontramos e constituímos nossa identidade e nossa missão.
Falar em identidade nessa conjuntura apresenta-se complicado. Como dissemos acima, somos constituídos a partir da diferenciação, mas isso não quer dizer conflito freqüente como observamos na história entre leigos e clérigos. A diferença deve se estabelecer na unidade em uma constante dialética.
Todos nós somos sedentos de significado para nos formar como pessoas. Quando adentramos na ordem queríamos ser frades franciscanos. Aos poucos vamos percebemos que os conflitos existem e nós perguntamos sobe nossa vocação ou sobre aquilo que intuímos como nosso caminho. Para uns, isso acontece de forma tranqüila, mesmo enfrentado barreiras e diferenciações pejorativas. Entretanto, outros sofrem por sentirem sempre cobrados em resultados para serem aceitos na ordem.
Tal necessidade surge normalmente do embate entre pastoral paroquial e demais atividades. Em muitos lugares outras formas de atividade evangelizadora não são reconhecidas como trabalho pela fraternidade local. Começa se assim, uma busca de identidade do irmão leigo, pois ser aceito e acolhido naquilo que faço reforça minha identidade ou enfraquece sua formação.
Talvez nesse ponto de nossa reflexão, seja necessário discutir sobre nosso carisma primeiro e nossa missão: o anúncio do evangelho pelo testemunho. Assim, a evangelização – que é nosso ‘obra’ por excelência – “Realiza-se por meio do testemunho e por meio do anúncio do mistério de Cristo...”. (CPO III, 4 §). Não é simplesmente por meios de atividades que realizamos nossa missão. Elas fazem parte de nosso dia-a-dia, mas produção não quer dizer evangelização. A vocação do irmão leigo deve ser aprofundada nesse sentido.
A evangelização – dentro da pastoral ou em missão – somente se realiza pelo testemunho. Em nosso mundo por vezes confundimos evangelização com propaganda e Marketing. O Evangelho que professamos não é uma marca ou um produto que se vende, mas antes é uma forma de vida. Todos aqueles que vivem em conformidade com Cristo, evangelizam.
Não há dúvidas que é necessário refletir sobre evangelização, missão e pastoral na construção da identidade do irmão. Refundar nosso carisma como fraternidade proposta por Francisco de Assis, contribui para tal dinâmica.
Nos últimos tempos começaram a existir grupos dentro das ordens franciscanas que passaram a dialogar sobre o caráter misto de nosso carisma, mas também percebemos, nos últimos tempos, um retorno ao conservadorismo dentro de nossas instituições, onde a figura do irmão passa a ser revista como coadjuvante. Por isso é urgente a manutenção das reflexões dos Gerais na carta de 1994 sobre nossas origens. Não podemos perder de vista o que foi inspirado naquela ocasião. Sem tais reflexões e aberturas ficará difícil tratar sobre a identidade do irmão leigo e sua missão, pois tudo já esta pré-estabelecido por um erro de percurso em nossa história.
Outro ponto que devemos tomar consciência é que nossa missão e identidade não estão mais em locais tradicionais de catequese. “Antes os meios clássicos eram igrejas, capelas, escolas e hospitais, etc. Hoje estão presentes também contextos novos, que exigem respostas e formas também novas”. (CPO III, 16 §). Hoje estamos no meio popular, nas universidades, na política, nos movimentos sociais, no trabalho com a juventude, etc. O CPO III é do final da década de 70, e vemos ainda hoje a identidade do irmão leigo franciscano sendo moldada pela paróquia. E, ainda hoje o Ministro Geral alerta: “Hoje as coisas mudaram radicalmente não só na Igreja e na ordem, mas também no campo político e econômico”. (CC, 2009, p. 3).
O protagonismo em nossa missão é importantíssimo nesse caminho. Não é em ambiente de flores que se vai andar, mas é na fadiga de um novo despertar da vida religiosa, que tem como centro o profetismo.
Nossa igreja hoje não é constituída circularmente, mas hierarquicamente. Nossa ordem também assim se encontra. Com isso confundimos cargos com carismas ou com evangelização. Os ministérios são úteis e necessários, mas eles não podem ser absolutizados em si mesmos. Vemos a senhora da comunidade exalar mais evangelho que muitos lideres religiosos institucionalizados em sua missão. Não se forma uma identidade evangelizadora buscando reconhecimento e cargos, mas se disponibilizando. O frade “não se apresenta como superior nem como inferior, mas como irmão. Não se impõe, mas se dispõe”. (CPO III, 18 §). Esteja onde for: na igreja, na faculdade, nos movimentos sociais, etc. o irmão leigo deve exalar aquele perfume de Cristo Jesus.
Por fim, percebemos que ao trabalhar sobre a identidade e missão do irmão leigo franciscano, vemos que toda essa realidade é plástica. Podemos dizer que a identidade é uma não fixação, seria quase uma ‘não identidade’. Talvez a palavra melhor que qualifica tal realidade seja ‘abertura’ ou ‘gratuidade’. Não se faz algo para ter identidade, pois assim agindo já se fixou o que deveria ser dinâmico. Somos em Cristo antes mesmo de sermos. Isso deve constituir nossa missão e nossa identidade. Em outras palavras: “Nossa fraternidade franciscano-capuchinha, tendo em si mesma a tensão da fraternidade universal, é chamada, pela sua mesma índole, a testemunhar uma vida transformada, expressão de “relações redimidas”. (CC, 2009, p. 5). (Cf. CPO VII). É dessa vivência que podemos falar em evangelização e identidade.
REFERÊNCIAS
CARTA CIRCULAR SOBRE A MISSÃO. Roma, 2009.
DESBONNETS, Théophile. Da intuição a instituição. Petrópolis: Cefepal, 1987.
TERCEIRO CONCELHO PLENÁRIO. Vida e atividade missionária. Mattli, 1978.
*Frei Edson Matias, é frade capuchinho da província do Brasil Central.

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