30 de nov. de 2011

Educação e construção de novo paradigma.

 

Celito Meier
teólogo, filósofo e educador, professor de filosofia 

Nossas reflexões estão concentradas, ainda uma vez, na ótica da avaliação, em vista de uma nova educação, capaz de lapidar o espirito humano para uma nova e diferenciada presença no ciclo da vida. Sendo o campo da educação espaço e tempo propício à construção de convicções e valores para a vida em sociedade, é preciso que a vida cotidiana entre no espaço da comunidade educativa e seja continuamente revista e sobre ela se volte o olhar critico e esperançoso, de quem busca sempre o melhor dos mundos possíveis. Dessa forma, tematizar, problematizar e avaliar o paradigma que, atualmente, rege a vida em sociedade é tarefa fundamental, que deve permear todo o projeto educativo. Com efeito, o paradigma ainda dominante é o econômico, fonte de verdadeiros escândalos éticos e morais, em todas as dimensões que constituem o ambiente da vida. Esse paradigma econômico, referindo-nos às reflexões realizadas por Adorno e Horkheimer, realizou o eclipse da razão filosófica, anestesiada e transformada em razão instrumental e técnica, que se tornou “mero instrumento auxiliar do aparato econômico que tudo abrange”. Nesse modelo de vida, “o pensar se coisifica no processo automático que transcorre por conta própria, competindo com a máquina que ele próprio produz para que esta possa finalmente substituí-lo”. “O iluminismo deixou de lado a exigência clássica de pensar o pensamento”. (...). “A dominação da natureza delineia o círculo para o qual o pensar foi exilado”. (Horkheimer e Adorno. Dialética do Iluminismo. São Paulo: Nova Cultural, 1991, p.22. 25.26.(Os Pensadores). Aqui estamos diante de um novo ethos social, o que faz do cultivo da própria individualidade o valor supremo, passando da individualidade ao individualismo regido pela ética do sucesso a qualquer custo, por um narcisismo incapaz de ter um olhar consequente e responsável. Por isso, sem a mudança de foco, sem a educação para uma nova sensibilidade e para uma nova visão de mundo, como poderemos ensaiar e propor alternativas para uma nova civilização, inclusiva e promotora da vida com qualidade? Com efeito, o primeiro e mais significativo trabalho da educação é possibilitar uma nova visão de mundo, sendo critica das ideologias que perpetuam um senso comum alienado a visões fragmentadas e fragmentadoras do real.  Nessa dinâmica, o educador tem a árdua e bela tarefa de alimentar nova consciência e, com ela, ser mediador de esperança, com sua presença política comprometida com a construção de um novo paradigma. Colocar-se na dinâmica da educação ética, sob a perspectiva da ética da responsabilidade implica, necessariamente, compromisso com a defesa da vida de todo o nosso planeta, tão massacrado e violentamente sugado pelo mito do progresso linear, infinito e ilimitado e pela lógica do mercado. Educar para a cidadania planetária implica superar o perverso modelo culturalmente produzido, que assim se manifesta: "crescei e multiplicai-vos, dominai e subjugai a terra”. Essa lógica é suicida, fratricida, geocida, biocida. O tema da avaliação em educação não pode vir desvinculado do macro olhar, que considera o horizonte para o qual a humanidade está se projetando, uma vez que a educação é justamente o berço de uma nova humanidade. Por essa razão, o educador deve estar profundamente sintonizado com as urgentes demandas sociais e planetárias, capaz de ouvir o grito de tantas vítimas.  Somente a partir desse olhar, que nasce do encontro com as vítimas geradas pelo nosso processo de histórico de dominação e exclusão, será possível uma afetiva e efetiva educação para a responsabilidade, na ética do cuidado com a vida. Para mudar a mentalidade e os valores reinantes é preciso um longo processo educacional. Essa realidade, ainda utópica, nós perseguimos. Ela nos motiva a caminhar, pois nossa morada é o horizonte de sentido maior. Desta forma, a educação desafia à realização da passagem do caos à cultura solidária, do absurdo ao Sentido.  Com efeito, a educação para a ética da responsabilidade nos recorda, cotidianamente, que a vocação humana no Cosmos, não é a de pisotear, dominar e destruir, mas de conviver harmoniosamente, de administrar responsavelmente a vida. Sabemos que toda ética nasce de uma ótica e toda nova ótica irrompe a partir de um mergulho profundo na complexidade da vida. É esse mergulho que a educação deve promover, se verdadeiramente quisermos a superação do tipo de civilização que construímos nestes últimos séculos. Esse compromisso da educação com a construção de um novo referencial para a vida humana na grande teia da vida despertará uma sensibilidade que hoje se encontra ainda muito enfraquecida; a dimensão social, do engajamento politico. Por isso, a atual indiferença e apatia politica estão na raiz que alimenta e perpetua o tão conhecido quadro de corrupções, que caminha na mais visível contramão de qualquer tentativa de uma nova ordem social. Por isso, o trabalho educativo está na base da construção de imperativos, que solicitam o nosso dever. Atualizando esses imperativos, podemos dizer, sinteticamente, com Hans Jonas: "Age de modo que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida autenticamente humana sobre a terra"! "Age de modo que os efeitos de tua ação não sejam destruidores para a possibilidade futura de tal vida"! "Não comprometas as condições da sobrevivência indefinida da humanidade na terra"! "Inclui em tua escolha atual a integridade futura do homem como objeto secundário de teu querer". (Hans Jonas, Le principe responsabilité. Paris: Cerf, 1990. p.0-31). Portanto, considerando a educação como o processo de desenvolvimento das potencialidades humanas, capaz de transformar e substituir a impulsividade e a irracionalidade das ações pelas dimensões do direito e do dever, o primeiro passo nessa direção será o de abrir espaço para promover a problematização do nosso atual modelo de vida. O segundo passo exigirá que sejamos consequentes com as exigências que virão do primeiro passo.  Assim, a grande revolução paradigmática que nosso tempo necessita só poderá vir de uma nova educação. É da educação que nascerão a nova consciência politica, o radical engajamento social e os novos políticos, homens e mulheres comprometidos com a coisa pública, com a consciência e o ompromisso de verdadeiramente promover o Estado democrático de Direito. Em comunhão com todos os indignados com a indiferença e apatia políticas, comprometidos em alimentar a esperança militante, no cotidiano esforço por suscitar uma nova visão de mundo, com estima e gratidão.


Celito Meier Celito Meier é teólogo, filósofo e educador, professor de filosofia no Colégio Santo Agostinho. É autor de diversos livros, especialmente, "A Educação à luz da Pedagogia de Jesus de Nazaré", ed. Paulinas; "Filosofia: por uma inteligência da complexidade", da PAX Editora; e a coleção "Educação para o Pensar: diálogos filosóficos", da PAX Editora, uma coleção de 32 livros de Filosofia para Ensino Fundamental.

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