Ser papa é uma honra. Mas, também, uma cruz, bem traduzida no melhor e mais evangélico dos títulos do romano pontífice: Servo dos servos de Deus
07/03/2013
Frei Betto
São muitas as especulações quanto ao cardeal que será eleito sucessor de Bento XVI agora em março. A rigor, qualquer homem batizado na Igreja Católica é potencial candidato.
Embora haja bolsas de apostas em torno dos “papabiles”, os variados palpites costumam dar zebra. Exceção foi o cardeal Ratzinger. Era teólogo do papa João Paulo II, presidente da Congregação da Doutrina da Fé, decano do colégio cardinalício e gozava, como teólogo, de certa ascendência sobre a maioria dos cardeais. Foi eleito pontífice em 2005, aos 78 anos.
Há indícios de que, desta vez, será eleito um cardeal mais jovem. A Igreja não suporta mais tantos conclaves frequentes. Minha geração acompanhou as escolhas de João XXIII (1958), Paulo VI (1963), João Paulo I (1978), João Paulo II (1978) e Bento XVI (2005).
A eleição do polonês Karol Woytila, em 1978, tirou dos italianos o monopólio do papado, que durou 456 anos. O que foi reiterado pela eleição de seu sucessor em 2005, o alemão Joseph Ratzinger.
De novo, a Itália tentará recuperar a sé romana. Entre os italianos, os nomes mais cotados são os dos cardeais Gianfranco Ravasi, de 70 anos, presidente do Pontifício Conselho de Cultura, e Ângelo Scola, de 71 anos, arcebispo de Milão. Ravasi, homem da poderosa Cúria Romana, é visto como bom teólogo e homem espiritualizado. João Paulo II e Bento XVI o escolheram como pregador do retiro papal na quaresma. Scola é poliglota, vinculado ao movimento Comunhão e Libertação e considerado conservador.
Poderá o futuro papa ser um não europeu? A Europa estará presente na Capela Sistina com 60 cardeais. E bastarão 77 votos para eleger o novo pontífice. Será uma grande surpresa a escolha de um papa não europeu. Infelizmente a Igreja Católica ainda é demasiadamente eurocentrada. Há entre os europeus quem encare os demais continentes como sucursais. Ainda perduram resquícios de séculos de colonialismo.
Se Bento XVI foi um papa de transição, seu sucessor terá pela frente a difícil missão de adequar a Igreja à pós-modernidade. Um cardeal conservador seguiria os passos de Bento XVI e manteria a barca de Pedro alheia aos tempos atuais.
Quais os grandes desafios a serem enfrentados pelo novo papa? Primeiro, implementar as decisões do Concílio Vaticano II, ocorrido há 50 anos! Isso significa mexer na estrutura piramidal da Igreja, flexibilizar o absolutismo papal, instaurar um governo colegiado. Seria saudável que o Vaticano deixasse de ser um Estado e, o papa, chefe de Estado, e fossem suprimidas as nunciaturas, suas representações diplomáticas. A Santa Sé precisa confiar nas conferências episcopais, como a CNBB, que representam os bispos de cada país.
Outro desafio é dar fim ao tabu em relação à moral sexual. Hoje, é vetado debater esse tema no interior da Igreja. A rigor, os católicos estão todos proibidos de manter relações sexuais que não sejam com a explícita intenção de procriar; contrair segundas núpcias após divórcio; usar preservativos; admitir o aborto em certas circunstâncias; aprovar a união de homossexuais; defender o fim do celibato obrigatório para padres e o direito de acesso das mulheres ao sacerdócio.
Resultado: a dupla moral. Uma, a da doutrina oficial; outra, a praticada pelos fiéis. E os escândalos de pedofilia como reflexo da suposta coincidência entre vocação ao sacerdócio e vocação ao celibato. Na Igreja primitiva a distinção era nítida. E no evangelho de Marcos, no primeiro capítulo, consta que Jesus curou a sogra de Pedro. Deduz-se, pois, que Pedro tinha mulher. O que não o impediu de ser escolhido cabeça da Igreja.
Um terceiro desafio é a relação da fé com a ciência. Bento XVI reabilitou Teilhard de Chardin (1881-1955), padre jesuíta e renomado cientista, proibido em toda a sua vida de publicar um único livro. E João Paulo II pediu perdão, em nome da Igreja, por esta ter condenado Galileu e Darwin, abolindo a teoria criacionista da doutrina católica e admitindo o evolucionismo.
Falta, entretanto, aprofundar nas hostes católicas o debate sobre o uso de células troncos, a nanotecnologia, a fertilização de embriões e outros temas que concernem à biotecnologia e à bioética. A ciência se emancipou da religião e corre o risco de abandonar os parâmetros éticos e morais, caso os potenciais provedores desses parâmetros fiquem divorciados dela.
O quarto desafio são os diálogos ecumênico, entre as várias Igrejas cristãs, e o inter-religioso, da Igreja Católica com as denominações religiosas não cristãs. Para o ecumenismo, Roma precisa admitir que seu bispo é pastor universal dos católicos, mas não dos cristãos. E se o bispo de Roma serve de referência à fé dos católicos, não deveria, no entanto, exercer autoridade direta sobre as Igrejas espalhadas mundo afora.
Quanto ao diálogo inter-religioso, é importante abrir-se ao mundo muçulmano, livrando a Igreja do preconceito que o identifica com fundamentalismo. A teologia oficial da Igreja deve muito a islâmicos como Averrois e Avicena, que abriram as vias de acesso a Aristóteles, cuja filosofia respalda o tomismo. Acresce-se a isso a importância do diálogo com o budismo e o ateísmo.
Ser papa é uma honra. Mas, também, uma cruz, bem traduzida no melhor e mais evangélico dos títulos do romano pontífice: Servo dos servos de Deus.
Frei Betto é escritor, autor de “Sinfonia Universal – a cosmovisão de Teilhard de Chardin” (Vozes), entre outros livros.http://www.freibetto.org/ twitter:@freibetto
Fonte: Jornal Brasil de Fato
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