O debate aponta os vícios de nossa institucionalidade política. O saldo é evidente: urgência de reforma política!
No debate, todos miram no adversário com intenção de acertar o alvo e derrubá-lo.
Debate
entre candidatos a presidente da República iniciar às 10h da noite e
terminar a 1h da madrugada? Não deve ser recomendável a crianças e
idosos, nem a quem cedo madruga para a labuta diária. Fosse às 8h da
noite, a nação, desperta, ficaria atenta ao que diz e promete seu futuro
governante.
Quem sabe a censura, em sua sabedoria, tenha previsto a troca de ofensas
e decidido retardar o debate! Segundo o Aulete, chamar um candidato de
“leviano” é tachá-lo de “irrefletido”, “não maduro no pensar e no
proceder”. Pior ainda é aplicar o adjetivo a uma candidata, “mulher
namoradeira e mal comportada”.
Se não elucida programas de governo, ao menos o debate tem o mérito de
obrigar quem ocupa a presidência da República a descer do pedestal. Em
que outra ocasião, durante os quatro anos de mandato, o presidente pode
ser questionado cara a cara, sem constrangimento? Infelizmente, em
nenhuma.
Os ministros, que deveriam ser os interlocutores do chefe, se pelam de
medo de, como os peixes, morrerem pela boca. A oposição diz o que pensa,
mas jamais olho no olho.
O debate aponta, portanto, os vícios de nossa institucionalidade
política. Presidente deveria ser obrigado a se licenciar do cargo em
campanha eleitoral. Quem consegue separar o chefe do Estado do
candidato?
A liturgia do debate lembra tiro aos bonecos em parque de diversões.
Todos miram no adversário com intenção de acertar o alvo e derrubá-lo.
Como a retórica gerou um filho leviano, o sofisma, logo se recorre a ele
para responder a qualquer questionamento.
A impressão que se tem é de que são todos candidatos a ditadores. O
presidente pode tudo: com uma canetada, reduzir o número de ministérios;
domar a inflação; diminuir os juros; estatizar o que é privado ou
privatizar o que é público. Sem nenhuma mediação das instituições
democráticas. A vontade do rei é lei!
O saldo do debate é evidente: urgência de reforma política! Para isso,
devemos dar o nosso apoio à proposta de Coalizão pela Reforma Política
Democrática e Eleições Limpas, promovida por várias entidades e
movimentos sociais. E participar do Plebiscito da Semana da Pátria.
Curioso é que, no debate, ninguém tenha mencionado a redução do número
de partidos políticos e o fim do financiamento de campanhas por pessoas
jurídicas.
As grandes ausentes do debate foram a proteção ambiental e a base da democracia - o fortalecimento da sociedade civil.
Frei Betto
é escritor e religioso dominicano. Recebeu vários prêmios por
sua atuação em prol dos direitos humanos e a favor dos movimentos
populares. Foi assessor especial da Presidência da República entre 2003 e
2004. É autor de "Batismo de Sangue", e "A Mosca Azul", entre outros.