30 de jun. de 2014

A Igreja como aquela que serve

Não há uma Igreja sem as pessoas que se reúnem, pois Igreja já significa convocação.Dizemos que os outros devem mudar.  Mudemos a nós próprios.
Por Luiz Carlos de Oliveira* A Igreja já tem dois milênios de experiência de acertos e erros. Nesses longos séculos viveu épocas diferentes: Império Romano, mundo dos novos povos que são chamados bárbaros. Percorreu a Idade Média, longa o suficiente para que estes povos se estabelecessem e se formassem. Era uma Igreja dirigida por pessoas destes povos. Passou por uma longa Idade Média que gestou o mundo moderno. Foi invadida pelas belezas e problemas da Renascença. Houve o domínio da política sobre as estruturas da Igreja. Era um reino político e ao mesmo tempo Igreja de Cristo. As conseqüências foram grandes. O poder penetrou muitas esferas e muita gente o usou e o justificou. Esse assunto é muito amplo e necessita de muito conhecimento. Não basta só jogar pedras no passado, pois cada tempo tem sua maneira de pensar e deve ser entendido em seu contexto histórico. Não interessa somente acusar, mas ver os caminhos para transformamos a força do poder em um poder de servir.
O que podemos notar na Igreja é a grande quantidade de santos que souberam usar o poder para servir a Deus no anúncio do Evangelho e servir ao povo na sua dedicação. Quem seguiu Jesus foi desapegado dos bens materiais e cuidou dos necessitados, estando sempre a serviço de todos. Mesmo vivendo nos palácios, souberam viver a santidade do poder que é a capacidade de servir. Sem muita santidade torna-se impossível ter o poder sadio. Jesus disse: “Quem entre vós é o maior, torne-se como o último; e o que governa seja como o servo... Todavia, eu estou no meio de vós, como aquele que serve (Lc 22,26-27). Jesus soube ter poder. Temos as fragilidades e os pecados de cada tempo. Se estivéssemos lá não faríamos diferente. O pior é dar justificativas evangélicas ao que não tem a ver com o Evangelho de Jesus.
Como sabemos, a Igreja está sempre em conversão, por isso tem sempre que renovar estruturas humanas para viver melhor o Evangelho. Muitos reformadores quiseram renovar a Igreja, mas separando-se dela. A doença se cura no doente e não criando a desunião que é uma doença a mais. Entre os males dos tempos que grudaram no corpo dos seguidores de Jesus, está o modo como conduzir o povo de Deus. Moisés dirigia um grande povo pelo deserto. Era um povo de cabeça dura, como diz a Escritura (Ex 9,32). Ele, contudo era uma pessoa “muito humilde, mais que qualquer pessoa deste mundo” (Nm 12,3). Moisés nos mostra um caminho. Jesus tem o mesmo perfil: humildade e simplicidade. Que ganhamos com poder, autoritarismo e prepotência? Muitos se afastam por culpa deste modo de agir. Não estamos mais que deixando nos levar por nossos males pessoais e pelo mal que nos envolve. Será que o Evangelho não é suficiente para governar o povo de Deus? Se buscarmos este caminho poderemos fazer um anúncio puro do Evangelho.
Quando dizemos Igreja, no caso a católica, dizemos comunidades que formam a Igreja. Não há uma Igreja sem as pessoas que se reúnem, pois Igreja já significa convocação. Ela se faz de pessoas concretas que são as células que compõe esse Corpo. É nela que acontece a vida e se leva adiante a evangelização. É na base que se faz a renovação permanente da Igreja. O povo de Deus é sempre chamado a se organizar de modo a expressar o Evangelho. O mandamento do amor tem conseqüências práticas e penetram o modo de agir. É na base que se cria o mundo novo. Sempre dizemos que os outros devem mudar. Mudemos a nós próprios que todos serão renovados.
A12, 29-06-2014.
*Luiz Carlos de Oliveira, C.Ss.R., é padre e missionário redentorista.

23 de jun. de 2014

Mais de 800 espécies foram adicionadas à Lista Vermelha da IUCN

  Autor: Fernanda B. Mülle

Avaliação, que está completando cinco décadas de existência, informa que 22.103 espécies estão ameaçadas de extinção; o mascote da Copa do Mundo, o tatu-bola, aparece como vulnerável.

Em 2014, a União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN) está celebrando os 50 anos de existência da sua Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas de Extinção, ferramenta globalmente utilizada essencial para guiar ações de conservação e decisões políticas.
Apesar da data, na realidade, pouco temos para comemorar além de alguns poucos esforços bem sucedidos para a remoção das espécies das categorias de maior ameaça. Uma atualização da lista foi divulgada na semana que passou e incluiu mais 817 espécies. Assim, agora são 73.686 espécies avaliadas, das quais 22.103 (30%) estão ameaçadas de extinção. A lista é atualizada duas vezes por ano.
Anunciando os novos números, a IUCN deu destaque para dois grupos extremamente preocupantes. Um deles são as orquídeas conhecidas como sapatinhos (sub-familia Cypripedioideae), que têm quase 80% das espécies ameaçadas de extinção. Elas são encontradas na América do Norte, Europa e Ásia (regiões temperadas), onde a destruição do seu habitat e a coleta das espécies selvagens para alimentar o comércio local e internacional são as principais causas da ameaça.

“O surpreendente da avaliação é o grau de ameaça a essas orquídeas”, comentou Hassan Rankou, especialista da IUCN.
A IUCN também destacou que 94% dos lêmures estão ameaçados de extinção. Das 101 espécies sobreviventes, 22 estão criticamente ameaçadas, 48 estão ameaçadas e 20, vulneráveis. Isso os torna um dos grupos de vertebrados mais ameaçados da Terra, e os culpados são a destruição do seu habitat e a caça para a alimentação.

“Apesar da profunda ameaça aos lêmures, que tem sido exacerbada pela crise política em Madagascar [os animais são endêmicos deste país], acreditamos que ainda há esperança”, comentou Christoph Schwitzer, especialista da IUCN. Ele acredita que ações conjuntas entre os pesquisadores, comunidades e ONGs podem ter sucesso na proteção de espécies ameaçadas de primatas.
Brasil
Em nosso país, a IUCN já avaliou cerca de 5.500 espécies, e, na primeira atualização de 2014 da Lista Vermelha, deu destaque para o tatu-bola-do-nordeste (Tolypeutes tricinctus), mascote da Copa da FIFA 2014, que permanece classificado como Vulnerável.
Acredita-se que a espécie declinou em mais de um terço nos últimos dez a 15 anos devido à perda de 50% de seus habitats, a Caatinga e o Cerrado.
O risco é tão grave que o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) instituiu o Plano de Ação Nacional para Conservação do tatu-bola, o PAN Tatu-bola.
A caça predatória, a destruição de seus habitats e o pouco conhecimento existente sobre a espécie têm ameaçado sua sobrevivência, aponta o ICMBio. Em nível nacional, a espécie integra a Lista Oficial das Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção, classificada como Em Perigo.
A IUCN nota que o status de Vulnerável do tatu-bola pode mudar com o anúncio da avaliação nacional.
Em uma reportagem para a revista National Geographic, a equipe da IUCN explica que o mascote da Copa 2014 recebeu o nome de Fuleco, uma fusão das palavras futebol e ecologia.
“Porém, o quanto o uso do tatu-bola-do-nordeste como mascote da Copa do Mundo se traduzirá em conservação para ele e para as outras nove espécies de tatu do Brasil, resta ser visto”, enfatizam.
Outras espécies
A atualização da lista também teve como triste notícia a extinção na natureza de uma samambaia endêmica do Arquipélago das Bermudas, a Diplazium laffanianum, também causada pela destruição do seu habitat, além da introdução de espécies exóticas.
A boa notícia, enfatizada pela IUCN, é a recuperação de uma espécie devido a esforços de conservação da Autoridade de Parques e Natureza de Israel. O peixe Acanthobrama telavivensis, mais conhecido como Yarkon bleak, encontrado apenas em Israel, saiu da categoria Extinto na natureza para Vulnerável devido a um programa de reprodução em cativeiro dos últimos 120 peixes que haviam restado na natureza. Em 2006, nove mil peixes nascidos em laboratório foram liberados no seu habitat restaurado.
“Apesar de celebrarmos alguns casos de sucesso para a conservação em cada uma das Listas Vermelhas da IUCN, há um longo caminho a percorrer entre onde estamos agora e 2020, o prazo estabelecido por quase 200 governos para estancar a perda da biodiversidade e evitar a extinção de espécies”, notou Jane Smart, diretora do Programa Global de Espécies da IUCN.
A IUCN pretende que a lista seja um Barômetro da Vida, aumentando o número de espécies avaliadas de cerca de 70 mil para pelo menos 160 mil até 2020.
A Lista Vermelha é um dos inventários mais detalhados do mundo sobre o estado de conservação mundial de várias espécies de plantas, animais, fungos e protistas, servindo de referência para a maioria dos projetos de conservação e instituições renomadas, como a BirdLife International.
“Ao longo dos últimos 50 anos, a Lista Vermelha da IUCN tem guiado o trabalho de conservação – pouquíssimas ações positivas acontecem sem a Lista Vermelha como um ponto inicial”, comentou Julia Marton-Lefèvre, diretora geral da IUCN.
“Precisamos continuar a expandir o conhecimento sobre as espécies do mundo para melhor compreender os desafios que enfrentamos, estabelecer prioridades de conservação e mobilizar ações concretas para acabar com a crise da biodiversidade”, enfatizou.

21 de jun. de 2014

500 anos de Maquiavel

Cinco séculos de ação política baseada na fraude, na violência e na impiedade.
Por Márcia Junges
A influência de Maquiavel nunca deixou de ser sentida no mundo
“Os termos ‘maquiavelismo’ e ‘maquiavélico’ se impuseram no imaginário político moderno europeu como sinônimos de uma ação política baseada na fraude, na violência e na impiedade”, reflete o filósofo português António Bento(*), na entrevista que concedeu, por e-mail, à IHU On-Line. E acrescenta: “acusar um determinado inimigo político de ‘maquiavelismo’ e estigmatizar publicamente os seus atos como ‘maquiavélicos’, constitui, no fundo, uma simples arma de arremesso político”. A influência política do pensador florentino, “a despeito de um desprezo e de um ódio imensos, jamais deixou de se sentir. Pelo contrário, antes ganhou mais e mais terreno, e, como de certa maneira não poderia deixar de acontecer, preferencialmente no próprio seio daqueles que se declaravam seus inimigos políticos”.....leia mais:

14 de jun. de 2014

O padrão FIFA de qualidade



Os Campeonatos do Mundo ou os Jogos Olímpicos são cada vez mais offshores face à lei vigente e ao funcionamento social corrente.
No capitalismo global, os megaeventos desportivos - como os Campeonatos do Mundo ou as Olimpíadas - são celebrações da excecionalidade. São mostrados como ilhas de ordem na desordem global e de paz na guerra global. São momentos de hipocrisia por excelência, em que as mensagens de fair-play e de competição com regras são financiadas pelas grandes marcas globais, que praticam o mais possível o seu oposto no dia a dia. E, mais do que tudo, são organizações hipersecuritizadas contra qualquer risco de expressão de crítica social que traga para os olhos do mundo as condições quotidianas concretas dos povos e das pessoas em cujos espaços esses eventos ocorrem. Essa natureza de ilhas exige a imposição de um estado de exceção. Os Campeonatos do Mundo ou os Jogos Olímpicos são cada vez mais offshores face à lei vigente e ao funcionamento social corrente.
A "Lei Geral da Copa", imposta pela FIFA ao Estado brasileiro, consagra zonas de não aplicação da lei nacional em anéis de dois quilômetros em volta dos estádios, onde vigora um rigoroso monopólio de atividade comercial dos patrocinadores oficiais
O Campeonato do Mundo de futebol ontem inaugurado condensa em si todos estes traços. A "Lei Geral da Copa", imposta pela FIFA ao Estado brasileiro, consagra zonas de não aplicação da lei nacional em anéis de dois quilômetros em volta dos estádios, onde vigora um rigoroso monopólio de atividade comercial dos patrocinadores oficiais (os quais, tal como a própria FIFA, beneficiarão de isenção total de impostos brasileiros, numa desoneração total estimada em mil milhões de reais). Mais relevante: a FIFA estabeleceu como requisito para a realização do Mundial a adoção pelo Estado brasileiro de novas tipificações criminais e a criação de tribunais de exceção para julgamentos ultrassumários em que serão aplicadas penas mais duras e com prejuízo dos direitos de defesa. E não chegasse isto, o estado de exceção associado ao Mundial faz-se também de dois mil milhões de reais gastos com segurança pública (dos quais 54 milhões para a compra de armamento), da hiper-militarização das cidades - e, nelas, sobretudo das comunidades pobres - e do treino dos batalhões de segurança urbana especial em países como Israel. Eis o "padrão FIFA de qualidade" traduzido por miúdos...
A FIFA estabeleceu como requisito para a realização do Mundial a adoção pelo Estado brasileiro de novas tipificações criminais e a criação de tribunais de exceção para julgamentos ultrassumários em que serão aplicadas penas mais duras e com prejuízo dos direitos de defesa
O "padrão FIFA de qualidade" são também as rendas choradas a pagar aos que nunca deixam de ganhar. Lá como cá, esses serão os beneficiários das parcerias público-privado, como a Odebrecht, que arrecadam os benefícios da construção dos estádios amarrando as imensas perdas respectivas ao Estado. Ou seja, aos contribuintes: os governos estaduais contraíram empréstimos no valor de pelo menos 4,8 mil milhões de reais junto do BNDES para construir estádios que ficarão praticamente sem uso depois do Mundial (sim, o "padrão UEFA de qualidade" que conhecemos em Leiria ou em Olhão foi consagrado em Manaus, em Cuiabá ou na Bahia...).
Para as centenas de milhares de pessoas removidas dos seus lugares de residência precária - só no Rio de Janeiro foram cerca de 4700 famílias - sem qualquer garantia de que lhes seja dada habitação, e para as tantas meninas que darão rosto aos números do aumento exponencial da exploração sexual de menores o "padrão FIFA de qualidade" é sinónimo de desespero que se somará ao desespero que já era o das suas vidas. É na condição destas pessoas que fica patente o outro lado da hipocrisia destes eventos globais: a sua retórica será a de uma espécie de tranquilizador zen planetário, ao passo que a sua prática é a do espezinhamento desapiedado dos direitos humanos de quem nunca os teve senão em teoria.
Desta contradição está, porém, a brotar uma nova consciência social. Que o povo brasileiro, amante por excelência do futebol, venha à rua clamar que não quer menos do que o "padrão FIFA de qualidade" para a saúde, para o ensino e para os demais direitos sociais é uma fantástica sementeira de esperança. Essa pode bem vir a ser o maior legado desta Copa.
Artigo publicado no jornal “Diário de Notícias” em 13 de junho de 2014

Dirigente do Bloco de Esquerda, professor universitário.

 fonte: http://www.esquerda.net/opiniao/o-padrao-fifa-de-qualidade/33028

8 de jun. de 2014

A moral do prazer e o imaginário “consumista” contemporâneos

A tendência da cultura atual de trocar o prazer dos ideais e sentimentos elevados pelos prazeres sensoriais é o principal trunfo do imaginário consumista. As pessoas passam a depender cada vez mais da diversidade e da constância dos objetos para ter prazer, os quais, uma vez adquiridos, já portam o signo da obsolescência e perdem o potencial de estímulo.
Vou abordar o tema proposto no que tem de mais próximo da disciplina a que me dedico: subjetividade e cultura. Nesse sentido, a primeira observação a ser feita é que a concepção de sociedade regida pela economia de mercado é tão imaginária quanto qualquer outra do gênero. Dizer que uma concepção é imaginária não significa dizer que ela é impotente para alterar a realidade. Ao contrário, boa parte do que condiciona os ideais de vida e as condutas cotidianas é crença imaginária. Imaginário não é sinônimo de “ilusório”, mas do que não tem existência independente da imaginação. Ou seja, diferentemente das coisas materiais, que independem dos desejos e aspirações humanos para existir, as crenças culturais são produtos de nosso modo de agir.....leia mais:

6 de jun. de 2014

Preço do óleo de mamona no semiárido até sobe devido ao biodiesel, mas nenhuma gota vira combustível

Plano do governo federal naufraga por questões de mercado. Seca castiga agricultores do semiárido, que dependem da Petrobras Biocombustível
Carlos Juliano Barros 
Fonte:http://reporterbrasil.org.br/2014/06/preco-do-oleo-de-mamona-no-semiarido-ate-sobe-devido-ao-biodiesel-mas-nenhuma-gota-vira-combustivel/
Itaetê, Morro do Chapéu e Salvador, na Bahia -  Depois de muitos percalços, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), lançado em dezembro de 2004 como salvação da lavoura para o semiárido brasileiro, atravessa um momento de reformulação. Já não se percebe a euforia das projeções exageradas e dos discursos ufanistas dos primórdios do programa, que prometiam inundar os postos de combustível com biodiesel feito a partir de mamona cultivada por camponeses. A nova agenda se concentra no incremento da produtividade e no ganho de escala na produção agrícola, levando em conta as dificuldades de se produzir em áreas castigadas pela seca.
Se do ponto de vista agrícola o PNPB no semiárido ensejou uma produção incipiente –  a participação do óleo da mamona, de girassol e de dendê no total de biodiesel fabricado no país é nula, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustível (ANP) -, no plano agroindustrial os resultados não são muito mais animadores. Além das três usinas de biodiesel da Petrobras Biocombustível (PBio), localizadas em Candeias (BA), em Quixadá (CE) e Montes Claros (MG), atualmente existe apenas uma única empresa produtora do combustível: a V-Biodiesel, em Iraquara (BA), na região da Chapada Diamantina, que opera de forma embrionária.
Nos últimos anos, só na Bahia, dificuldades operacionais fizeram três usinas encerrarem suas atividades – a Comanche, a BioBrax e a Brasil Ecodiesel. A maioria das 63 plantas industriais produtoras de biodiesel em atividade no país se concentra em grandes regiões produtoras de soja (como os estados do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul) e no entorno de importantes polos da indústria frigorífica, como se percebe no interior de São Paulo.
Não se pode negar, contudo, que o PNPB tenha trazido benefícios para a atividade agrícola da região, sobretudo para a cadeia produtiva da mamona. O legado mais evidente do programa é o substancial incremento no preço da saca de 60 quilos – aumento que se consolidou com a forte atuação da PBio na compra da produção.
A valorização da mamona é notada sobretudo na Bahia (historicamente, o maior produtor do país), onde o preço da saca mais do que triplicou, desde a implementação do programa. Na primeira semana de fevereiro de 2014, por exemplo, a saca foi negociada por até R$ 130 em Irecê. Em abril de 2009, pouco tempo após o início das atividades da PBio na região, a saca era negociada a R$ 62. Em 2006, esse valor ficava na casa dos R$ 40.
Semanalmente, o preço da mamona é atualizado e a informação é disponibilizada no site da Conab na internet. Além de tornar público o valor de mercado da saca, a Conab também é responsável por estipular um preço mínimo que norteia os contratos firmados entre a PBio e os produtores rurais. Essas medidas têm servido não só para estreitar o laço entre a empresa e os agricultores, mas sobretudo para afastar os atravessadores.
“A partir do PNPB, o preço subiu muito. Os atravessadores já não têm mais a facilidade que tinham para comprar mamona como antigamente”, explica Vitor Azevedo, presidente da Cooperativa de Apoio à Agricultura Familiar (Copagril), do município de Morro do Chapéu (BA), maior produtor do estado.
O próprio diretor de Suprimentos da PBio admite que, no passado recente, havia problemas de “fidelidade” dos agricultores à empresa justamente por conta da ausência de uma política de preços sólida. Isso quer dizer que era comum que produtores de mamona desrespeitassem o contrato firmado com a PBio e vendessem a mamona a terceiros, por conseguir remuneração mais vantajosa ou por receber o pagamento mais rapidamente de atravessadores e da indústria ricinoquímica.
“Hoje esse problema está totalmente resolvido”, afirma João Augusto Araújo Paiva, diretor de suprimentos da PBio. “A Conab criou soluções de acompanhamento de preço que dá respaldo aos contratos. Por questão de preço, não acontece mais [quebra de contrato]. Já transcorreu no passado”, admite.
Bioóleo e controle
Outra importante medida tomada pela PBio para tentar alavancar a produção no semiárido foi a compra de 50% do capital da Bioóleo, empresa de processamento de óleo vegetal localizada em Feira de Santana, portal de entrada para o sertão baiano. Toda a mamona comprada pela PBio dos agricultores familiares é esmagada nessa unidade. O óleo é depois revendido à indústria ricinoquímica, já que não faz sentido econômico usá-lo na produção de biodiesel. “A Bioóleo tem feito um trabalho importante na parte da logística, no armazenamento e no processamento desse grão. É uma empresa localizada no semiárido que fortalece a estratégia da companhia nessa região”, analisa o diretor da PBio.
Além de garantir uma estrutura para estocar, escoar e processar a mamona (e também de outras oleaginosas, como o girassol e o algodão) comprada dos agricultores familiares, a aquisição da Bioóleo também é estratégica para a estruturação do programa de assistência técnica, que tem sua operação articulada justamente a partir de Feira de Santana.
Somente na Bahia, a PBio – através da Bioóleo – disponibiliza oito técnicos que atendem diretamente cerca de 900 agricultores. Cada técnico é responsável por pouco mais de uma centena de produtores. Com carros e uniformes estampando o logotipo da coligada da PBio, os técnicos rodam o semiárido baiano não apenas com o intuito de orientar os agricultores sobre as melhores formas de cultivo da mamona, mas também com a missão de ampliar o controle da empresa sobre a produção dos agricultores com os quais a PBio mantém contratos diretos, responsabilizando-se inclusive pela compra da produção.
Para a safra 2013/2014, os agricultores, descapitalizados por conta da estiagem que inviabilizou a produção no semiárido nos últimos anos, tiveram suas terras aradas e gradeadas por tratores contratados e bancados pela PBio. As sementes da mamona (a um custo de R$ 8 por quilo), assim como de feijão e de milho, também foram doadas pela estatal.
No entanto, em algumas comunidades – casos de Icó e de Olhos D’Água, ambas localizadas no município de Morro do Chapéu (BA) – produtores que descumpriram o contrato firmado com a PBio em safras passadas, vendendo a produção a terceiros, não foram contemplados com esses benefícios. “A própria comunidade, quando percebe que determinado agricultor não vendeu a mamona pra PBio, fala que o produtor que descumpriu o contrato tem que ficar de fora dos projetos que realizamos”, afirma Vitor Azevedo, presidente do Copagril.
* Esta é a segunda reportagem da série especial sobre o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), que faz parte das iniciativas da Repórter Brasil para promover o debate sobre os resultados e perspectivas após uma década de investimentos públicos no projeto. Na segunda-feira, dia 2, o Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis da organização realizou o seminário “PNPB, 10 anos: inclusão social ou inclusão produtiva?”.