28 de jul. de 2014

Jesus e as mulheres: 'Vocês estão livres'

Fonte:   domtotal.com
As parábolas que Jesus contou também honram as mulheres apontando para a suas realidades humanas.Além de suas ações, pregação de Jesus é inclusiva para com as mulheres.
"A teologia nas mãos das mulheres descobriu Jesus Cristo como um amigo compassivo, libertador dos fardos, um amigo que consola na tristeza e um aliado nas lutas das mulheres. Por meio de sua vida e de seu Espírito, ele traz salvação – dando-lhes de volta a plena dignidade pessoal diante de Deus. A bênção que elas encontram em sua relação com Jesus não é apenas uma bênção particular e espiritual, embora seja isso também", afirma Elizabeth Johnson.
Vida, morte e ressurreição de Jesus
Os estudos das relações de Jesus durante sua vida pública revelam a sua falta de temor às mulheres e um forte interesse no florescimento delas. Nenhuma palavra de menosprezo ou ridicularização saiu de sua boca, nem ele viu as mulheres como uma classe inferior de seres humanos. Tratando-as com graça e respeito, curou, exorcizou, perdoou e restaurou-as a “shalom”, estando atencioso com as mais necessitadas: a pequena que tinha acabado de morrer, a viúva cujo filho tinha falecido recentemente, a viúva pobre que deu tudo o que tinha ao templo, a adúltera prestes a ser apedrejada.
Jesus teve uma preocupação particular pelas pessoas nas margens da sociedade, e esta preocupação se estendia por completo às prostitutas a quem ele acolheu em sua mesa, até mesmo dizendo ao sacerdotes que tais mulheres entrariam no Reino do Céu antes deles. (Mt:21,31). Pessoalmente, as mulheres são contadas entre seus amigos; as irmãs Marta e Maria, por exemplo, o abrigaram em sua casa e receberam seus ensinamentos. Resumir isto está próximo do impossível, mas o Papa João Paulo II captou a essência:
“Que este pesar se traduza, para toda a Igreja, num compromisso de renovada fidelidade à inspiração evangélica que, precisamente no tema da libertação das mulheres de toda a forma de abuso e de domínio, tem uma mensagem de perene atualidade, que brota da atitude mesma de Cristo. Ele (...) teve para com as mulheres uma atitude de abertura, de respeito, de acolhimento, de ternura. Honrava assim, na mulher, a dignidade que ela sempre teve no projeto e no amor de Deus. (...) Vem-nos espontaneamente a pergunta: em que medida a sua mensagem foi recebida e posta em prática?” (Carta às mulheres, Conferência Mundial sobre a Mulher, julho de 1995, parágrafo 3.)
Além de suas ações, a pregação de Jesus é inclusiva para com as mulheres. Ele nunca estabeleceu uma forma de agir para homens e outra para mulheres. Observemos e ficaremos surpresos pelo fato de que o Sermão da Montanha é endereçado a todos; tudo o que é certo aos homens também o é às mulheres. De forma radical, a visão do Reino de Deus que permeia o seu ensino supera as relações de injustiça: os últimos deverão ser os primeiros, e os primeiros os últimos, de forma que, no final, um novo tipo de comunidade possa se formar.
As parábolas que Jesus contou também honram as mulheres apontando para a suas realidades humanas como símbolos dignos do Deus vivo. Nas escrituras judaicas, Deus é dito com imagens femininas em formas comoventes e belas – como uma mulher grávida, mãe lactante, parteira, cuidadora, ou como Senhora Sabedoria (“Sophia”) governando o mundo com ternura e poder.
Influenciado por esta sua própria herança bíblica, Jesus também falou via imagens femininas em sua pregação. O Reino de Deus é como o fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até que tudo fique fermentado; eis aqui o Deus feminino que faz pão, trabalhando no fermento da nova criação até que tudo esteja transformado. (Mt:13,33)
Talvez ainda mais surpreendente seja a parábola da mulher que procura por sua moeda. Ela perdeu uma das suas 10 moedas de prata (economias, seguro para quando estiver na velhice?), e então vira a casa de cabeça para baixo até a encontrar. Em seguida, chama suas amigas e vizinhas para se alegrar com elas, pois tinha encontrado o que havia perdido. (Lc:15,8-10). Aqui temos uma imagem maravilhosa de Deus, o Redentor, procurando – de cima a baixo – pelo pecador.
Esta parábola é uma de duas, sendo a outra a do bom pastor que procura por sua ovelha perdida. Ambas revelam o amor enorme de Deus pelos que se perdem. Embora o imaginário cristão favoreceu o pastor, a dona de casa está lá para refletir como a vida diária das mulheres oferece imagens para se falar de Deus. O mesmo acontece com animais fêmeas: certa vez Jesus referiu-se a si mesmo usando o imaginário feminino, ao desejar poder reunir o povo de Jerusalém em de seus braços como uma mãe galinha reúne seus pintinhos debaixo das asas. (Mt:23,37).
Além de curar as mulheres de suas enfermidades, de desfrutar de suas amizades e de falar de Deus por meio delas, Jesus as convidou para fazerem parte de seu círculo de seguidores próximos. Elas deixaram suas famílias e lares para se juntar a ele na estrada para a Galileia. Elas absorveram o seu ensinamento e se juntaram a ele em refeições comunitárias alegres –uma antecipação da vinda do Reino. Os ricos entre eles financiaram o seu ministério, provendo de seu próprio bolso o que era necessário à comunidade:
Depois disso, Jesus andava por cidades e povoados, pregando e anunciando a Boa Notícia do Reino de Deus. Os Doze iam com ele, e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos maus e doenças: Maria, chamada Madalena, da qual haviam saído sete demônios; Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes; Susana e várias outras mulheres, que ajudavam a Jesus e aos discípulos com os bens que possuíam. (Lc:8,1-3).
Os nomes destas e de outras mulheres (“várias outras”, “com ele”) são ditos inúmeras vezes nos evangelhos, mas se tornaram uma parte esquecida da história.
O discipulado das mulheres durante o ministério de Jesus não cessou no final de sua vida. Elas o acompanharam até Jerusalém, tornando-se o ponto em movimento do testemunho para a paixão. Cada um dos quatro evangelhos narra que, enquanto os discípulos correram e se esconderam quando Jesus foi preso, as mulheres se mantiveram em vigília com ele na cruz. Na verdade, a única pessoa nomeada em todos os quatro evangelhos como tendo permanecido junto à cruz é Maria Madalena. Por terem sido as mulheres que ficaram, elas sabiam onde estava a sepultura e foram as primeiras a descobri-la vazia quando foram finalizar a unção de seu corpo no primeiro dia da semana. Aí, elas encontraram o Cristo ressuscitado e foram incumbidas de “ir e informar” aos outros.
Maria Madalena, a quem a Igreja mais tarde chamou de “a apóstola aos apóstolos, e as demais mulheres assim fizeram, embora os homens não acreditassem nelas, pensando que eram apenas mulheres histéricas. Não obstante, a Escritura mostra que, tanto em sua vida terrena quanto em sua vida de ressuscitado, Jesus Cristo incluiu as mulheres em sua comunidade não como subordinadas aos homens, mas como irmãs de seus irmãos e, no caso das proclamação da ressureição, mesmo como aquelas em quem primeiramente confiou.
Através do prisma da experiência feminina, a crucificação de Jesus constitui uma enorme crítica contra o patriarcado. Eis aqui a própria carne transformada em Verbo (“E a palavra se fez homem” [Jo,1:14]) trazida à morte por tortura pelo poder estatal, derramando-se no amor abnegado. Este evento é o exato oposto do exercício do poder dominador masculino. À luz da cruz, teólogas feministas refletem que, sociologicamente, seria melhor que a encarnação tivesse ocorrido num ser humano masculino.
Pois, se uma mulher tivesse pregado a compaixão e tivesse doado a si mesma até morte, o mundo teria se perguntado: Afinal, não será isso o que as mulheres devem fazer? Mas para um homem viver e morrer assim num mundo de privilégios masculinos é desafiar o ideal patriarcal da dominação masculina em sua raiz. A cruz é a “kenosis”, o autoesvaziamento, do patriarcado.
Na ressurreição, o Espírito de Deus preenche Jesus com vida nova para além da morte. Presente de uma forma nova, Jesus Cristo se torna a pedra angular da nova comunidade que é o seu corpo, a Igreja. Em Pentecostes, as mulheres bem como os homens estão no andar de cima quando línguas de fogo sinalizam o derramamento do Espírito: “Todos ficaram repletos do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas.” (At,2:4). Os primeiros cristãos adotaram o rito de iniciação do batismo.
Diferentemente o ritual judeu da circuncisão, desenvolvido apenas com os homens, o batismo é administrado pela imersão em água, e assim é feito da mesma forma com pessoas de ambos os gêneros. A carta de Paulo aos Gálatas contém um hino batismal cristão primitivo que mostra o que significa esta prática. Assim que o recém-batizado é retirado da água, trajando vestes brancas, cantam: “Não há mais diferença entre judeu e grego, entre escravo e homem livre, entre homem e mulher, pois todos vocês são um só em Jesus Cristo.” (Gl,2:4) Na unicidade do Espírito santificador, transcendem-se todas as divisões baseadas na raça ou classe, ou mesmo no gênero. O poder do Cristo ressuscitado se torna efetivo ao ponto em que esta visão se torna realidade na comunidade.
Nas primeiras décadas da Igreja há uma grande evidência para com um forte ministério das mulheres divulgando o Evangelho assim como seus colegas homens. A partir dos Atos dos Apóstolos e das cartas de Paulo, temos uma imagem das mulheres como missionárias, pregadoras, mestres, profetas, apóstolas, curadoras, que falam em línguas e líderes das comunidades. Elas são colegas de trabalho de Paulo e de outros homens, com todos os dons do carisma que se deu para a edificação da Igreja. Hoje, estudiosos estão tentando listar quais forças trouxeram este ministério das mulheres nos primórdios da Igreja para um estado diminuto. Mas não há dúvida de que Febe, Prisca, Júnia, Pérside e muitas outras pregaram o evangelho nos primeiros dias da Igreja. (Ver as cartas de Paulo aos Romanos, capítulo 16).
Conclusão
A teologia nas mãos das mulheres descobriu Jesus Cristo como um amigo compassivo, libertador dos fardos, um amigo que consola na tristeza e um aliado nas lutas das mulheres. Por meio de sua vida e de seu Espírito, ele traz salvação – dando-lhes de volta a plena dignidade pessoal diante de Deus. A benção que elas encontram em sua relação com Jesus não é apenas uma benção particular e espiritual, embora seja isso também.
Esta benção igualmente influencia suas vidas nos domínios públicos e sociais, inspirando a luta por libertação das estruturas de dominação em todas as dimensões da vida. Em nome de Cristo, a sociedade e a Igreja são chamadas à conversão dos corações, das mentes e estruturas, de forma que o Reino de Deus possa se afirmar neste mundo. Eis aí uma visão de mundo desafiadora. Porém, as palavras libertadoras já foram ditas: “Mulher, você está livre de sua doença”. Ponham-se de pé, dêem graças a Deus e sigam com a obra de curar o mundo.
Global Sisters Report
* Elizabeth A. Johnson, religiosa da Congregação das Irmãs de São José, é professora de teologia na Universidade de Fordham, em Nova York. Ela irá receber o Prêmio Liderança de Destaque da LCWR (LCWR Outstanding Leadership Award) na assembleia anual da organização, a ocorrer Nashville, Tennessee, em agosto.

19 de jul. de 2014

Aumento do nível do mar provoca alterações em cadeia nos ecossistemas

Um novo estudo concluiu que os impactos das mudanças climáticas sobre os ecossistemas marinhos podem ser mais difíceis de prever do que se pensava. 
Por Fernanda B. Müller 
Fonte: Instituto CarbonoBrasil
O estudo foi conduzido nas Ilha do Lagarto (Lizard Island), na Grande Barreira de Corais (Austrália) / Chris Roelfsema / Universidade de Wollongong
Uma nova investigação avaliou pela primeira vez como as interações entre os ecossistemas marinhos são afetadas por alterações ambientais, e concluiu que os impactos das mudanças climáticas sobre essas áreas podem ser mais difíceis de prever do que se pensava.
Publicado no periódico Nature Climate Change, o trabalho revelou que o aumento do nível do mar causado pelo aquecimento global pode afetar negativamente os ecossistemas marinhos tropicais até meados deste século, quantificando o que até agora se sabia apenas empiricamente.
A principal autora do estudo, Megan Saunders, da Universidade de Queensland, explicou que a reposta de um ecossistema à mudança climática, como dos recifes de coral, pode ter impactos significativos nos ecossistemas vizinhos.
“Com o aumento do nível do mar, veremos águas mais profundas sobre os recifes de coral, levando a ondas maiores, mais erosão, danos à costa, e, finalmente, a condições mais duras para as gramas marinhas e outras comunidades oceânicas que dependem da proteção das ondas fornecida pelos recifes”, disse Saunders.
A investigadora ressaltou a importância de ecossistemas como as gramas marinhas, que além de estocarem carbono, servem de abrigo para peixes, produzem altos níveis de oxigénio e oferecem proteção contra as ondas. Portanto, a sua destruição teria consequências devastadoras, alerta Sauders.
Parametrizando modelos físicos e biológicos, os investigadores concluíram que o aumento do nível do mar terá efeitos negativos sobre as gramas marinhas antes da metade desde século. Isso porque as taxas de crescimento dos recifes provavelmente serão insuficientes para manter uma condição adequada nas lagoas internas aos recifes sob um cenário de emissões moderadas a altas de gases do efeito de estufa.
“Essa investigação indica que será mais complexo prever os impactos sobre as ilhas, pois isso não apenas dependerá de como os recifes respondem, mas a natureza desta resposta também terá efeitos sobre outros ecossistemas costeiros interdependentes”, ponderou o professor Colin Woodroffe, da Universidade Wollongong.
A investigação, conduzida na Ilha do Lagarto (Lizard Island), na Grande Barreira de Corais (Austrália), envolveu ecologistas, modeladores, geógrafos e engenheiros, que mapearam a presença dos recifes de coral, mediram a topografia do assoalho marinho e monitorizaram a perturbação das gramas marinhas e dos corais numa determinada área.
A equipa então estudou dados sobre os ventos para determinar prováveis mudanças nas condições das ondas com o aumento do mar e modelou a resposta do ecossistema.
“Habitats costeiros serão permanentemente perdidos e outros irreparavelmente alterados enquanto tentam se aclimatizar às condições mutantes”, lamentou o professor Hoegh-Guldberg, da Universidade de Queensland.
Além do impacto sobre os ecossistemas, o estudo também enfatiza a seriedade das consequências do aumento do nível do mar para as populações que vivem na zona costeira, especialmente nas ilhas cercadas de recifes.
Artigo de Fernanda B. Müller 
Fonte: Instituto CarbonoBrasil

9 de jul. de 2014

Resíduo bom é o que não é gerado

A reciclagem de resíduos não muda a essência de nosso padrão de consumo, reflexão fundamental quando pensamos em sustentabilidade.

Reciclar é preciso, no entanto, não é suficiente. A reciclagem de resíduos não muda a essência de nosso padrão de consumo, reflexão fundamental quando pensamos em sustentabilidade. A geração de resíduos é um indicador muito representativo do nível de produção e consumo e, em muitos casos, também de desperdício. É importante manter em mente que o resíduo do nosso consumo é apenas uma parte, e bem pequena, do total dos resíduos gerados durante o processo produtivo de cada produto, desde a extração, processamento, armazenamento e venda. E estes resíduos precisam ser recolhidos, tratados, descartados e/ou reciclados.

E quem paga esta conta? O consumidor, sempre. Esse custo está embutido, na forma de impostos, no preço do que estiver sendo comprado, impostos que as prefeituras usam para pagar pelos serviços de coleta, transporte, deposição final ou reciclagem. Este custo está também no meio ambiente, produzindo poluição visual, olfativa, obstruindo vias e canais de escoamento de água e, muitas vezes, trazendo riscos de doenças, especialmente quando se considera que quase 50% dos resíduos gerados vão para lixões e não para aterros sanitários.

A geração de resíduos per capita no Brasil vem crescendo nos últimos anos. Os dados oficiais mais recentes, da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico de 2008, do IBGE, indica que 190 milhões de brasileiros geram quase 160 mil toneladas de resíduos urbanos diariamente. Pode-se dizer que cada brasileiro gera aproximadamente 1,4 kg de resíduos por dia, dos quais 60% são orgânicos e 40% são materiais recicláveis ou rejeitos sem utilização possível.

Dada a expectativa média de vida do brasileiro de 73,8 anos , cada pessoa gera, ao longo de sua vida, 37,7 toneladas de resíduos, o que significa que uma família de quatro pessoas gera, ao longo da vida, resíduos suficientes para encher 22 caminhões de lixo.

Se, em vez de descartar, essa família guardasse todo o resíduo que produz, precisaria de quatro apartamentos de 60 m2: um para morar e os outros três só para depositar resíduos, do chão até o teto.

Reciclar resíduos é imperativo. Ao reutilizar ou reciclar o que seria descartado, reduz-se o volume de lixo e, ao mesmo tempo, se recoloca nas cadeias produtivas insumos que já passaram por um processo de manufatura, o que permite reduzir o consumo de energia e, em geral, também o de água na produção desses insumos quando comparado ao que seria gasto na sua produção feita a partir dos recursos naturais virgens.

Porém, a reciclagem continua a demandar transporte, energia, água, recursos naturais para que possa ocorrer o processamento dos resíduos gerando novas matérias primas que servirão de insumos em algum processo produtivo. Além disso, embora a reciclagem signifique uma mudança no processo de produção, o modelo de consumo não se altera, o que seria fundamental para uma sociedade mais sustentável.

Mas, sem dúvida, é melhor que exista a reciclagem do que não exista. Para isso, um mecanismo importante é a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), aprovada em 2010 e que entrará em vigência em agosto de 2014. A Política está assentada em três princípios básicos:

1) evitar a retirada de recursos naturais do meio ambiente;

2) reduzir a geração de resíduos sólidos;

3) reusar, reciclar, dar tratamento e dispor adequadamente os resíduos gerados.

A ordem na qual esses 3 princípios é apresentada não é aleatória, mas definidora da direção que deve ser seguida: a sociedade brasileira (governo, cidadãos e setor produtivo) será estimulada inicialmente a evitar a geração de resíduos, em seguida, a reduzi-la, e finalmente, a reutilizar ou reciclar os resíduos, evitando a produção de lixo. Para atingir tais princípios, a lei propõe três importantes inovações, que vão mudar o dia a dia dos brasileiros:

(a) o fim dos lixões, dado que as prefeituras estão obrigadas a fechar todos os lixões e outros tipos de depósitos não adequados, e, a partir de agosto de 2014, só poderão ser usados aterros sanitários;

(b) a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, o que implica que fabricantes, importadores, distribuidores, comerciantes, concessionários dos serviços de limpeza urbana, governo e consumidores serão corresponsáveis pela redução dos impactos causados pelos resíduos à saúde humana e à qualidade ambiental. De que forma? Minimizando o volume de resíduos e zelando pela destinação correta;

(c) a logística Reversa, um conjunto de ações, procedimentos e meios que o setor produtivo deve implantar para recolher os resíduos sólidos gerados por seus produtos e serviços. A legislação obriga fabricantes, importadores, distribuidores e vendedores a recolher os resíduos e produtos de seis setores: agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas fluorescentes e produtos eletrônicos.

A implantação dessa política tem gerado muito debate e movimentação em torno do tema, nos municípios e empresas. Em meio a esta movimentação, é importante destacar o papel dos consumidores que, como cidadãos, podem (e devem) acompanhar os movimentos em curso e demandar informações e ações por parte de prefeituras e empresas. E, claro, consumir com mais consciência, para produzir menos resíduos.
* Helio Mattar é doutor em Engenharia Industrial pela Universidade Stanford (EUA) e diretor-presidente do Instituto Akatu.
** Publicado originalmente na edição nº 35 [janeiro, fevereiro e março de 2014] da Revista Rossi e retirado do site Akatu.

4 de jul. de 2014

A estrutura do Evangelho de Mateus

sao-mateus
Por: Prof. Carlos Frederico Schlaepfer
Sempre que iniciamos a leitura de um livro, procuramos antes dar uma olhada no índice. Fazemos isto não por curiosidade, mas para ter uma noção do conteúdo geral que será trabalhado. No caso dos Evangelhos não é diferente. Eles não apresentam índice como os livros, mas apresentam uma determinada divisão que no fundo tem esta mesma função. Podemos comparar estas divisões como a visão que temos de uma floresta vista do alto. Dali podemos perceber a diversidade de árvores, suas folhas, cores etc. Quando entramos na mata já não temos esta percepção, estamos diante, bem perto das árvores, mas não percebemos sua distribuição na mata. Assim também acontece quando lemos o livro sem ter o conhecimento do todo. Estamos em contato com seu conteúdo mas perdemos este detalhe que é de grande importância.
No Evangelho de Mateus, percebemos que existe uma divisão bem semelhante aos Evangelhos de Marcos e de Lucas e que podemos chamá-la de estrutura sinótica, isto é, possui um mesmo olhar, um olhar comum entre os três… Introdução: 1,1-17; Evangelhos da Infância (Mt e Lc): 1,18-2,23; Preparação do Ministério (Mt e Lc): 3,1-4,16; Pregação de Jesus na Galiléia: 4,17-16,20; Descida para Jerusalém: 16,17-20,34; Ministério em Jerusalém: 21,1-25,46; Paixão, morte e ressurreição de Jesus: 26,1-28,20.
Entretanto, observando melhor o Evangelho de Mateus, percebemos que existe dentro desta estrutura sinótica um detalhe importante. Em todo o livro, percorrem dois gêneros literários, ou forma de escrever: Relato e Discurso. Todo o Evangelho de Mateus é escrito seguindo estes dois gêneros. Assim sendo, após o relato de alguns fatos ou episódios, aparece sempre um discurso de Jesus. É uma forma didática para transmitir a mensagem.
Os relatos são encontrados nos seguintes capítulos: 3-4; 8-9; 11-12; 14-17; 19-22; 26-28. Já os discursos são encontrados nos capítulos: 5-7; 10; 13; 18; 23-25. Através dos Relatos, vamos encontrar a vida de Jesus, seu enraizamento na história de seu povo. Através dos discursos, vamos encontrar a preocupação da comunidade de Mateus com o seguimento de Jesus. Por estes dois fios passam o vigor e a essência da mensagem que Mateus quer transmitir: A Boa Nova do Reino! Nesta seqüência entre relatos e discursos, não podemos esquecer dos capítulos 1 e 2 que tratam sobre a infância de Jesus e os capítulos 26 a 28 que tratam da Paixão e Ressurreição. Os dois primeiros são como uma apresentação de tudo o que vai ser dito logo em seguida. Trazem em si, a seu modo, a mensagem da Boa Nova contida na infância de Jesus. Já os últimos capítulos colocam o desfecho de tudo, a conclusão final: Cristo Ressuscitou! A Comunidade está viva através de Jesus! Vejamos as divisões colocadas passo a passo:
INTRODUÇÃO
1,1-17: JESUS REALIZA AS PROMESSAS DO ANTIGO TESTAMENTO
1,18-2,23: JESUS COMEÇA UM NOVO ÊXODO
PRIMEIRA PARTE: JUSTIÇA DO REINO
3-4: NARRAÇÃO – A PRÁTICA DE JESUS
5-7: DISCURSO – O SERMÃO DA MONTANHA
SEGUNDA PARTE: JUSTIÇA QUE LIBERTA OS POBRES
8-9: NARRAÇÃO – OS SINAIS DO REINO
10: DISCURSO – O SERMÃO DA MISSÃO
TERCEIRA PARTE: A JUSTIÇA PROVOCA CONFLITOS
11-12: NARRAÇÃO – AS REAÇÕES DIANTE DA PRÁTICA DE JESUS
13,1-52: DISCURSO – O SERMÃO DAS PARÁBOLAS
QUARTA PARTE: O NOVO POVO DE Deus
13,53-17,27: NARRAÇÃO – O SEGUIMENTO DE JESUS
18,1-34: DISCURSO – O SERMÃO DA COMUNIDADE
QUINTA PARTE: A VINDA DEFINITIVA DO REINO
19-23: NARRAÇÃO – O REINO DE DEUS É PARA TODOS
24-25: DISCURSO – O SERMÃO DA VIGILÂNCIA
CONCLUSÃO
26,1-27,56: PAIXÃO E MORTE DE JESUS
27,57-28,20: A RESSURREIÇÃO DE JESUS
Nesta divisão, podemos observar uma intenção claramente teológica, buscando uma aproximação do Evangelho de Mateus com as tradições judaicas: São cinco partes (lembrando os cinco livros do Pentateuco ou da Torá).
Agora, se juntarmos os dois gêneros literários: narrativa e discurso, temos então 10 blocos literários lembrando o decálogo ou mesmo as dez etapas da história da Salvação: criação patriarcas, libertação, tribos, monarquia, divisão do reino, exílio, pós exílio, macabeus e Jesus Cristo.
Por fim, se acrescentarmos a introdução e a conclusão, teremos então 12 partes, lembrando as doze tribos de Israel ou olhando para o NT, os doze apóstolos que formam o novo povo de Deus.
Fonte:http://www.itf.org.br/para-conhecer-a-estrutura-do-evangelho-de-mateus.html

O papa diferente

Francisco vem humanizando o papado e é possível esperar um gradual 'aggiornamento' dos cânones da Igreja.
Por Reinaldo Lobo*

Quando o cardeal Ângelo Roncalli foi eleito acidentalmente, em 1958, e se tornou o Papa João XIII, o "Papa Bom", uma camareira de Roma fez algumas perguntas para a filósofa Hannah Arendt, que lá estava:  "Senhora, esse papa era um verdadeiro cristão. Como podia ser isso? E como aconteceu que um verdadeiro cristão se sentasse no trono de São Pedro? Ele primeiro não teve de ser indicado bispo, e arcebispo, e cardeal, até finalmente ser eleito como papa? Ninguém tinha consciência de quem ele era?"
Bem, a resposta à última das três  perguntas da reflexiva camareira parece ser "Não" - disse Arendt. Ninguém entre os cardeais do conclave tinha consciência clara de quem era Ângelo Roncalli, até porque ele foi escolhido para ser um "papa provisório e transitório". Foi eleito por não haver consenso a respeito dos verdadeiros "papabile" iniciais.
João XXIII foi uma completa  surpresa durante seu breve pontificado, de 58 até 63, quando realizou a mais profunda reforma interna e doutrinária da Igreja em muitos séculos, tornando-a mais popular e, ao mesmo tempo, um pouco mais moderna. O catolicismo expandiu-se numérica e qualitativamente como nunca sob esse papa verdadeiramente  cristão.
A eleição do Papa Francisco teve algumas diferenças de contexto histórico e os cardeais sabiam quem ele era e de onde vinha. Foram buscar um papa do "fim-do-mundo"  - do Terceiro Mundo -, como ele mesmo assinalou ao passar de arcebispo Mario Jorge Bergoglio a 266° pontífice da Igreja Católica, primeiro nascido em continente americano, primeiro não-europeu em mais de 1200 anos e o primeiro papa jesuíta.
A profunda crise atual por que passa a Igreja, que vai de escândalos financeiros no Banco do Vaticano até os casos notórios de pedofilia em várias paróquias do mundo todo, passando pela ascensão das rivais denominações pentecostais, levou o colégio de cardeais a correr um risco calculado de oferecer o nome de alguém bem diferente do antecessor que renunciou, Bento XVI, o sisudo e dogmático cardeal alemão Joseph Aloisius Ratzinger.
Em quê o Papa Francisco é diferente? Por que a burocracia da Igreja correu um risco ao escolhê-lo? As respostas não são fáceis, mas estão evidentes hoje para todos as diferenças, a começar pela escolha do seu nome, inspirada na frase que lhe disse seu amigo brasileiro, o cardeal d. Claudio Hummes, ao cumprimentá-lo pela eleição : "Não se esqueça dos pobres". Ele não tem esquecido e o estilo de vida mais franciscano que adotou revela sua disposição de colocar a Igreja menos ao lado dos ricos e potentados, como esteve por séculos. Depois do interregno ultra-conservador dos papas João Paulo II e Bento XVI,  esse jesuíta simpático e amante do futebol é uma lufada de ar fresco.
As instituições e suas burocracias tendem a escolher como seus representantes e líderes os mais fiéis aos seus interesses e valores administrativos. Muitas vezes, os premiados são os mais submissos às regras políticas da instituição e os mais medíocres. Quase todas as instituições e organizações conhecidas funcionam assim. Daí, a surpresa da camareira romana e da filósofa Hannah Arendt diante da escolha de um "verdadeiro cristão", que poderia levar a Igreja a resgatar princípios originais da instituição e,portanto, a revolucioná-la.
Essa é outra característica de um "grupo de dependência" como a Igreja, isto é, um grupo que elege um Messias, uma doutrina e a disposição fideísta para seguir um mestre e seus dogmas. Quando cresce e se distancia do Mestre original, esquece suas origens e se prende a rituais e regras rotineiras para manter-se sólida. O resgate e a evocação da origem costumam ser subversivos. Daí a surpresa diante da evocação de Francisco de Assis, que contrasta muito com o luxo do trono ocupado por Bento XVI, mais a tolerância da burocracia católica com o novo Papa e com a mudança de rumos que pode imprimir em seu pontificado.
A resistência à sua presença por parte dos conservadores do mundo todo assemelha-se muito à que sofreu João XXIII, acusado pela direita de  "bonzinho com o comunismo" e até mesmo de "marxista". Agora , a revista conservadora "The Economist" acusou-o de "seguir Lênin", o líder soviético que escreveu o livro "Imperialismo, etapa superior do capitalismo", em que assinala a tendência monopolista e concentradora de renda do capitalismo moderno. O Papa apontou a concentração de renda capitalista e os monopólios, e os criticou por aumentarem a desigualdade e a pobreza,  o que tem sido apontado até mesmo por economistas insuspeitos de "marxismo", como o norte-americano Paul Krugman  e o francês Thomas Piketty. Somente o que chamo de  a "burrice conservadora" ou a ma fé poderiam levar à conclusão de que ele seria "leninista".
Sua frase sobre a existência de cristãos gays , dizendo "quem sou eu para condenar um homossexual que procura espiritualmente Cristo?", tocou em outro tema polêmico em que tem sido fustigado pela estupidez conservadora. Sua atitude, porém, começa a se difundir pela corpo da própria Igreja e vários católicos relatam nas redes sociais que já presenciaram padres falando em defesa das uniões homoafetivas do púlpito em suas missas.
Ao mesmo tempo, o Papa acaba de excomungar os membros da Máfia, responsáveis pelo assassinato de uma criança de três anos na Sicília, e também expulsou das funções eclesiásticas o ex-núncio da República Dominicana, o polonês Jozef Wesolowski, condenado por pedofilia comprovada naquele país. As suas atitudes firmes fazem crer que o Papa continuará a condenar o crime, sobretudo quando cometido pelo próprios membros da Igreja, mas não ditará regras sobre as condutas humanas em geral. Sob seu pontificado, espera-se que a Igreja interfira menos na vida privada das pessoas e seja mais tolerante em seus juízos morais.
No início, o Papa Francisco era um enigma. Existiam até acusações apócrifas de que teria sido leniente com a Ditadura Militar argentina quando era bispo. Depois descobriu-se que foram feitas até montagens fotográficas maldosas, dele ao lado do ex-ditador Jorge Videla, de quem "seria o confessor". Nada disso se comprovou. Sabe-se apenas que ele negociou a preservação dos Direitos Humanos naquele país, o que o fazia dialogar com freqüência com os ditadores dos anos 70 e inicio dos 80.
Francisco vem humanizando o papado e é possível esperar que promova um gradual "aggiornamento" dos cânones da Igreja, como fez João XXIII. Tudo para evitar a decadência da instituição. É uma política mais inteligente,  para dizer o mínimo, do que a do intelectual sofisticado Bento XVI.
Se assim for, não é  preciso ser católico e nem mesmo acreditar piamente, para dizermos como os cristãos: "Deus o proteja". Vai precisar.
Fonte:http://www.domtotal.com
* Reinaldo Lobo é psicanalista e articulista. Tem um blog : imaginarioradical.blogspot.com e uma página pública no Facebook: www.facebook.com/reinaldolobopsi

2 de jul. de 2014

Elogio do pé



Leonardo Boff
Em tempos de Copa Mundial de Futebol, o pé é o que conta de verdade. Pois é com o pé que ganham ou se perdem partidas de futebol e eventualmente a Copa.
Entretanto, se algum extra-terrestre viesse à Terra e reparasse como os humanos tratam os pés, suspeito que ficariam escandalizados. Parece que os consideram a parte menos nobre do corpo pois os escondem. Pior, tentam sufocá-los com um pedaço de pano, chamado de meias. Depois estrangulam-nos com algo mais duro, de couro, os sapatos. E não contentes, amarram-nos com finas cordas, os cadarços, para se assegurar que  não vão se libertar. E por fim, colocam todo o peso do corpo em cima dos pés, obrigando-os a cheirar o pó dos caminhos, a sofrer a dureza das pedras, a sentir o mau cheiro de tanto lixo jogado no chão.
Mas essa interpretação dos alienígenas é exterior e equivocada. O que fazemos aos pés é cuidar deles, pois constituem nosso meio natural de transporte. Mais ainda, os pés são o sinalmais covincente de nossa humanização. Deixamos para trás o reino animal quando nossos ancestrais antropoides se ergueram sobre os pés e começaram a andar eretos, a ver longe, permitindo o desenvolvimento do cérebro. Anatômicamente são um milagre, com dorso adaptado para aparar os atritos e planta consistente para defender-se das asperezas do solo. Uma rede de pequenos tendões garante as articulações que conferem equilíbrio aos movimentos. O que não fazem os dançarinos com os pés !?
O pé é tão importante que foi escolhido por muitos povos antigos e modernos, assim os anglo-saxões, como a unidade de medida. Um pé equivale a 12 polegadas que corresponde a 30,48 cm. A poesia, a forma mais nobre da literatura, tem que ter pés certos para ser harmoniosa.
Sem os pés não teríamos o futebol para o qual os pés são tudo. É o esporte mais criativo, diverso e mobilizador que existe. É uma metáfora do que melhor podemos apresentar: a combinação feliz do desempenho do indivíduo com a cooperação do grupo. Pode ser uma verdadeira escola de virtudes: auto domínio,  tranquilidade, gentileza e capacidade de perdão ao não retrucar ponta-pé com ponta-pé. Porque somos humanos, às vezes tal coisa pode acontecer. Mas não é permitida. O jogador é advertido, punido com cartão amarelo ou  vermelho  e até pode ser expulso.
Se consultarmos o dicionário Aurélo encontramos aí mais de uma dezena de significações ligadas ao pé, em sua grande maioria positivas. Com o pé em algumas destas significações, vamos fazer o elogio do pé, pé que sustenta a paixão pela Copa do Mundo. Num mundo politicamente sem pé nem cabeça, com chefes de Estado metendo os pés pelas mãos nos conflitos na Síria, no Afeganistão e na Palestina e sempre em pé de guerra contra o terrorismo, encontramos no futebol um pé para pensarmos uma sociedade mundial que dê pé para formas de convivência amigável e até fraternal que encontram pé de apoio no entusiasmo das torcidas em todos os países.
Por um lado, devemos estar de pé atrás diante dos utopismos, por outro, não devemos arredar o pé na busca de formas civilizadas de conivência global. Logicamente esse mundo não chega nem aos pés do sonho de Jesus mas ele tem pé na esperança humana. Podemos começar com o pé direito já agora, ficando ao pé das vítimas, mesmo que tenhamos que fazer pé atrás às pressões dos poderosos. Mas vamos bater pé nessa causa sagrada, sabendo que ela não se alcança com o pé nas costas. Jamais vamos dar no pé.
Oxalá nossos jogadores, alguns pé de ouro, não nos deixem a pé, para não termos que sofrer que só pé de cego.
Leonardo Boff, teólogo e escritor, escreveu este artigo em junho de 2006 por ocasião da Copa Mundial de futebol.
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