14 de out. de 2013

Papa Francisco combate as injustiças e luta pelo trabalho

Maurizio Landini ri quando pronuncia a palavra "manifestação". Porque, acoplada ao papa e não a uma marcha da Fiom [Federação dos Metalúrgicos Italianos] ela efetivamente também faz rir. Mas é uma risada de cumplicidade ou que, ao menos, aspira a tal.
Landini, secretário de um sindicato dos metalmecânicos, que anunciou uma batalha contra a Fiat até no tribunal, conseguindo obter "justiça", aceita com gosto falar desse "estranho" papa, que consegue fazer incursões também à esquerda. Certamente, reconhece, foi também "o papa anterior que permitiu à Igreja uma escolha de renovação e de mudança". Mas, mesmo evitando inúteis idolatrias de personagens individuais, é claro que este pontífice representa um "elemento de novidade", com o qual se pode contar para "combater as injustiças" e buscar uma saída de uma época marcada pela "ruptura do equilíbrio entre capitalismo e democracia".

Em suma, os pontos de encontro do outro lado do Tibre existem e também não são um tabu. Tanto que Landini não exclui nada. Nem mesmo o fato de poder encontrar o papa. Por que não? "Se fosse possível, até me agradaria. Eu ficaria honrado".

Eis a entrevista.

Este é um papa que também agrada à esquerda. E, portanto, também agrada ao secretário da Fiom, podemos apostar...

A Igreja foi capaz de iniciar um processo de profunda mudança e transformação também para reconstruir uma relação com o mal-estar, o desconforto, a dificuldade que existe entre as pessoas. Ao invés, na política, eu vejo muitas resistências, a perduração de uma lógica camaleônica para não mudar nada. Os pontos de fundo permanecem iguais, e não se leva em conta o fato de que estamos em uma fase de transformação e não diante de uma simples crise. Eu penso que se romperam os equilíbrios de fundo gerais. Estamos na presença de uma ruptura do equilíbrio entre capitalismo e democracia, que tem justamente na livre circulação dos capitais o elemento que está abalando todo o resto. Seria preciso começar a partir daqui. Seria importante traçar um projeto de sociedade. Não devemos mais olhar para ver o que acontece amanhã de manhã.

O que mais chamou a sua atenção das medidas do Papa Francisco?

Além da linguagem, fiquei muito impressionado como ele agiu com relação à crise síria. Quem foi capaz de organizar uma verdadeira manifestação contra a guerra e pela paz com mensagens fortíssimas? Foi ele. Ele também falou aos mundos de religião diferente da sua, indicou o fato de que, diante de situações desse tipo, é preciso olhar longe, não se deve ter medo de defender o próprio ponto de vista, mas dentro do interesse geral. Seguramente, estamos diante de um grande elemento de novidade. Também é importante a abertura à Teologia da Libertação, que o papa fez no Brasil na assembleia dos jovens. E depois eu penso em quando ele foi a Sulcis, onde ele disse aos trabalhadores que é preciso lutar pelo trabalho. Isso deveria fazer com que todos refletissem, até os sindicalistas. Surpreendeu-me: quando o governo Monti foi a Sulcis, ele teve que voltar de helicóptero. Ao invés, nós vimos que o papa foi lá, no meio dos trabalhadores, falando de improviso e se tornou um elemento de referência. Isso indica que a fase atual requer um retorno aos fundamentos.

Para ele, é o Evangelho, para vocês, a Constituição, visto que, com Stefano Rodotà, vocês sairão às ruas no dia 12 de outubro para pedir a aplicação dos princípios constitucionais [ocorrerá em Roma, em defesa da Constituição italiana e contra a crise da democracia no país].

Eu não sei se, ao voltar aos fundamentos, este papa pensa que a referência deve ser o Evangelho. Para nós, voltar aos fundamentos significa voltar aos valores principais da Constituição, porque também há uma revolução cultural a se fazer. Eu tenho a sensação de que este papa se deu conta de que, dentro da Igreja, há coisas que não funcionam e que precisam de grandes mudanças. É o problema que nós também temos: o país, a Europa e o mundo. É preciso colocar novamente a pessoa e a sua realização no centro, como ponto central da reconstrução de uma sociedade. Isso significa entrar em rota de colisão e em crítica radical com o liberalismo e a lógica segundo a qual o mercado por si só pode fazer tudo. Nisso, com o papa, eu não vejo só um ponto que que compartilho, mas também uma questão que me interessa aprofundar.

Você não vê um risco de marginalização do papa, justamente porque ele é tão revolucionário? Falo de marginalização política, midiática...

Eu acredito que não, porque, nesta fase, é importante ter o consenso das pessoas e falar para as pessoas, e não ter o consenso dos poderes que dizem representar as pessoas.

Você tem certeza de que, com relação aos direitos dos migrantes, o papa obtém consenso?

Mas, para mudar a cultura e afirmar valores, às vezes é preciso ir além do senso comum. O medo do diferente, a ideia de que o migrante nos rouba o posto de trabalho, essas coisas foram construídas em uma lógica de exploração dos migrantes. Eles servem para fazer o trabalho que os italianos não querem mais fazer, para fazer com que você pague as contribuições e depois não reconhecê-los. Portanto, dentro de uma lógica em que o mercado decide tudo, não há dúvida de que, nos últimos anos, houve uma regressão cultural. Quando falam das duas décadas berlusconianas... o problema não é Berlusconi, o problema é a cultura que passou nesses anos, a cultura de que, se alguém evade o fisco, é esperto, e tolo é quem paga os impostos. Passou a ideia de que alguém individualmente pode fazer o que quiser, sem mais regras, nem vínculos: qualquer vínculo social foi considerado como vínculo insuportável.

O fato de que a JP Morgan chegue a declarar que o problema da Europa é cancelar as constituições antifascistas é, para mim, um sintoma de regressão assustadora. Não por acaso, houve um revés, não digo do socialismo ou o comunismo, mas da social-democracia na Europa, porque prevaleceu um pensamento único: segundo o qual o mercado é o elemento que libera tudo. Se eu olho de um ponto de vista financeiro econômico, eu vejo que há uma concentração do poder financeiro e econômico nas mãos de poucos que decidem o destino do mundo sem precedentes. Daí nasce a crise da política, da democracia, da participação, e o risco é que, para resolver os problemas, haja um choque entre as pessoas. Como sindicalista, eu nunca vi o risco de uma competição entre pessoas como agora. O risco é de uma guerra entre pobres. E quando é assim é claro que é preciso voltar aos fundamentos, voltar a combater as injustiças, voltar a fazer investimentos, a ter um papel público, e, por isso, penso que é importante que uma instituição como a Igreja comece novamente dos elementos fundamentais de crítica ao existente para colocar novamente a pessoa no centro.

Talvez em breve ela irá falar sobre os direitos dos presos, como fez Giorgio Napolitano na mensagem às Câmaras pedindo indulto e anistia. Aliás, o que você pensa a respeito?

Justamente aqui também é preciso ir à origem das coisas e não falar em termos gerais. As prisões estão cheias porque há leis como a lei Bossi-Fini, pela qual há migrantes na prisão não por crimes particulares, mas sim porque se encontraram clandestinos por não terem mais trabalho. E isso é loucura. Se pensarmos na Fini-Giovanardi... estamos diante de leis equivocadas e injustas que, em vez de resolver os problemas, os alimentaram. Um tema dessa natureza levanta o problema de como se fazem as leis.

O Papa Francisco seria bem-vindo na manifestação do dia 12 de outubro?

Nós não excluímos ninguém. Como sintonia, com certeza: partimos da constituição. Devo dizer que, nas manifestações da Fiom nos últimos anos, muitas vezes tem falado uma pessoa hoje, infelizmente, não está mais, mas que, se estivesse, estaria na praça: essa pessoa é o padre Gallo. Aprendi com ele que, para um padre, havia o evangelho e a constituição como referência substancial. Essa ideia de ver o mundo a partir dos últimos, daqueles que estão em pior situação é importante. Além disso, podem permanecer algumas perplexidades, pontos de vista diferentes, mas se os fundamentos e as raízes são comuns, é claro que isso significa fazer reflorescer uma justiça social que absolutamente não existe.

Do meu ponto de vista, partir novamente do trabalho é justo, porque as pessoas devem trabalhar para viver, mas também porque isso abre uma discussão sobre o que você produz, sobre que sentido tem o trabalho que você faz. Hoje estamos nisso. Devemos reabrir uma discussão sobre o modelo social que queremos e, portanto, também, sobre quais produtos servem e qual deve ser o fim do trabalho das pessoas. E aqui volta também o problema de que não pode existir apenas o lucro, mas há também uma responsabilidade social da empresa, há também uma redistribuição da riqueza que precisa ir em outra direção. Agora, nisso, é claro, se também há pontos de contato, eles são importantes, e acredito que, nesta fase, seria útil encontrar também o modo e a forma de poder se encontrar, de poder discutir, aprofundar.

Você quer encontrar o papa?

Não excluo nada. Se fosse possível, também me agradaria, eu ficaria honrado. Eu penso na experiência que estamos fazendo agora para chegar à manifestação do dia 12 de outubro. Desde o momento que fizemos o apelo, eu vi que muitas pessoas diferentes, laicas e católicas, se encontraram e reencontraram uma razão para as batalhas que estão fazendo. Isso me convence: nos momentos difíceis, você deve justamente partir novamente das raízes comuns.
fonte: domtotal.com

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