25 de set. de 2011

Cuide dele/a’: O desafio pastoral e as políticas públicas diante do tráfico de pessoas

Por William César de Andrade,
Instituto Migrações e Direitos Humanos – IMDH
No dia 23 de setembro celebramos o Dia Internacional contra a Exploração Sexual e o Tráfico de Mulheres e Crianças. Essa data foi estabelecida em 1999 durante a Conferência Mundial de Coligação contra o Tráfico de Mulheres, realizada em Dhaka (Bangladesh). É desde então uma oportunidade de denuncia e simultaneamente um momento de reflexão sobre as políticas públicas e as ações da sociedade civil no enfrentamento desse crime hediondo.
Dados de 2010 da Secretaria Nacional de Justiça – SNJ indicam que a cada ano 60 mil brasileiros e brasileiras são vítimas da rede internacional de tráfico de pessoas, em sua grande maioria as vítimas são mulheres (entre 18-25 anos), vindas de famílias de baixa renda e traficadas para fins de exploração sexual. Também faz parte do conjunto das vítimas a presença de homens adultos, crianças e adolescentes (entre 12 a 18 anos).
Pesquisas e estudos diversos indicam a existência de itinerários que levam à Espanha, Portugal, Suíça, Suriname. Mas é preciso salientar que o Brasil – no âmbito do tráfico de pessoas é país de origem, destino e trânsito o que torna muito mais complexo o enfrentamento desse crime e a construção de medidas sociais preventivas.
A CNBB em 2008 realizou o I Seminário Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, tendo articulado o evento em parceria com a Secretaria Nacional de Justiça e outras organizações da sociedade civil. Numa exposição dentro do seminário destacou-se como atividades a serem implementadas na Igreja:
"Reforço das redes de atenção aos grupos mais vulneráveis; atenção ao recorte étnico racial das vítimas do tráfico; buscar aliados nas diferentes instâncias da sociedade que têm sensibilidade para essa realidade; explicitação dos mecanismos e estruturas que favorecem a prática do tráfico de pessoas, lembrando também que as práticas de prevenção e contenção devem também ser disseminadas; aproveitar as estruturas eclesiais no sentido de marcar presença com os grupos mais vulneráveis; observar o aspecto ecumênico e interreligioso na ação; campanha da fraternidade ou campanha específica de denúncia desta violação de direitos; e fortalecimento de um modelo eclesiológico aberto à ação profética”.(1).
Novos passos foram dados desde então – considerando-se aqui o contexto da Igreja Católica no Brasil -, seja na direção de reforçar a atuação das Comissões Justiça e Paz (nacional e em cada regional ou diocese), como no processo de sensibilização/prevenção e de denúncias de situações de vulnerabilidade social. Sintetiza essa perspectiva a criação do GT – Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas-CNBB, em 2010 e a mobilização por uma Campanha da Fraternidade com essa temática (agregando-se também o enfrentamento ao Trabalho Escravo).
Recentemente a CNBB, contando com a parceria da SNJ/Ministério da Justiça e da CRS, realizou o II Seminário Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo (11 a 13/agosto/2011). Foi um momento forte na caminhada pastoral, pois indicou que algumas iniciativas estão se consolidando, tais como a Rede Um Grito Pela Vida, a parceria com outras organizações da sociedade civil e quando possível do próprio Estado nos Comitês de Enfrentamento ao Tráfico, processos regionais de realização de seminários e outros tipos de encontros de formação nessa temática específica.
O II Seminário foi também espaço de reflexão e elaboração de sugestões para o II Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que está sendo elaborado pela Secretaria Nacional de Justiça-MJ. Destacam-se como Propostas apresentadas pelos participantes:
·Desafios na Prevenção:
1) Assegurar a presença do Estado com a realização de Políticas Públicas integradas para as populações expostas ao risco aliciamento e tráfico;
2) Divulgar o II PNETP na mídia estatal, com vídeos, filmagens, matérias, impressos, etc.;
3) Garantir orçamento para estruturas (abrigos, capacitação pessoal, atendimento à saúde), prevenção ao tráfico e para ações integradas de enfrentamento nas localidades onde estão sendo construídas as grandes obras;
4) Criar estratégias para que os Ministérios e Órgãos de segurança priorizem o enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo em suas ações;
5) Incluir o tema TP e TE nos programas de formação de profissionais que atuam com a população atingida, bem como assegurar o conteúdo de DH nas escolas, voltado aos estudantes e aos educadores;
6) Implantar e implementar mecanismos específicos para o enfrentamento do TP nas fronteiras nacionais;
7) Desenvolver Campanhas permanentes de enfrentamento ao TP e TE;
8) Adotar medidas para que o II PNETP seja definido como Política Pública de Estado, articulando os três níveis de governo (Federal, Estadual e Municipal), de modo a garantir a adesão e o compromisso dos Estados e municípios a programas de proteção às vítimas, aos denunciantes e aos defensores de direitos humanos, entre outros.
·Incidência em Políticas Públicas:
Sociedade:
Fortalecer as redes de organizações da sociedade civil, para assumir controle social – monitoramento, denúncia, comunicação;
Potencializar os mecanismos de comunicação;
Estado:
Aperfeiçoar/ampliar os mecanismos legais de enfrentamento ao TP e TE; Efetivar as ações de responsabilização dos culpados e correspondente punição;
Garantir infra-estrutura/recursos para implementação das ações;
Articular os diversos setores do poder público e corresponsabilização das três esferas;
Atingir as raízes do problema (miséria / ganância / impunidade);
Criar políticas públicas capazes de garantir mudança estrutural, tanto para vítimas, quanto para as pessoas em risco;
Responsabilizar a mídia pelas informações divulgadas em suas programações.
·Cuidado e atenção às Vítimas:
Garantir recursos econômicos e implementar estruturas adequadas para o atendimento às vítimas; Realizar campanhas na mídia;
Garantir o funcionamento e fiscalização dos órgãos públicos existentes e a serem criados, voltados ao atendimento e proteção às vítimas.
Iniciamos essa reflexão com uma expressão bíblica: "Cuide dele (a)”, presente na narrativa do bom samaritano (Lc 10,25-37). O testemunho de quem acredita em Jesus passa por reconhecer no homem caído à beira da estrada, vítima de bandidos e deixado para morrer, um ser humano e, portanto um sinal da presença viva de Deus entre nós.
As vítimas de tráfico humano e suas famílias requerem de nós uma presença ‘samaritana’, acolhedora e dialogante, pois há muito a ser reconstruído. Mas ao mesmo tempo exige uma atitude vigilante, para acompanhar as políticas de estado e sua implementação, denunciando sempre que isso se fizer necessário, e também ser propositiva na busca de respostas mais adequadas à realidade brasileira do tráfico de pessoas.

[Rede Solidária para Migrantes e Refugiados

Quadra 7 – Conjunto C – Lote 1 – CEP 71540-400 – Vila Varjão/Lago Norte – Brasília – DF - Brasil
E-mail: imdh.diretoria@migrante.org.bre imdh@migrante.org.br - Website:www.migrante.org.br]

Nota:

(1)REIS, A. A. ‘Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas: desafios pastorais’ in Seminário Nacional sobre Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília, Setor Mobilidade Humana/CNMBB e SNJ-MJ, 2010. P. 61.

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