24 de out. de 2011

A Grécia é já aqui.

O Governo olhou para a Grécia e tirou a pior das lições.
O Presidente da República insurgiu-se contra uma medida sem equidade fiscal que é a dos funcionários públicos ficarem sem subsídio de Natal e de férias. É realmente uma iniquidade. Mas o que não tem sentido é corrigir uma iniquidade com outra: cortar os subsídios a todos os trabalhadores. Citando o próprio Presidente da República: há limites para os sacrifícios. E esse limite foi ultrapassado há muito. Os subsídios de Natal e de férias são parte integrante do salário. Cortá-los, no sector público ou privado, é uma injustiça social e é um erro económico.
Todo este orçamento é um erro. O Governo olhou para a Grécia e tirou a pior das lições. Como se austeridade imposta pela troika não fosse já um ataque à economia e a receita para a recessão, o Governo decidiu ir ainda mais longe. A irresponsabilidade é tanta que o Governo apresenta o orçamento que provoca a maior recessão dos últimos 30 anos e nem sequer se compromete com quaisquer previsões de crescimento para o futuro. Não há nenhuma ideia para o país, nenhuma ideia para o futuro.
O valor orçamentado para educação é o mais baixo da União Europeia em percentagem do PIB. Como é possível atacar assim Educação e vir depois defender que se faça mais e melhor. Como? Erro atrás de erro.
Numa altura em que o investimento privado é nulo, o Governo não só reduz o investimento público a níveis de inexistência como ataca todo o sector produtivo com impostos cegos. O Orçamento do Estado traz-nos, episódio sobre episódio, uma série de terror interminável.
A Vera trabalha oito horas por dia numa pastelaria. Ganha o salário mínimo e tem um filho. Vai pagar mais 20% de luz porque não tem sequer direito a tarifa social; para o Governo vive sem dificuldades, embora não conheça outra coisa no seu dia-a-dia. A patroa já a avisou que não sabe se vai continuar. O IVA aumenta, os clientes não aparecem, a pastelaria parece condenada a ser mais uma porta fechada das muitas que ameaçam fazer parte do desenho das nossas cidades. O presente é impossível e o futuro negro. E pedem-lhe agora que trabalhe mais meia hora por dia; 15 dias por ano de trabalho sem salário. Para quê? Em nome de quê?
O Nuno, polícia, com um salário médio de 800 euros, ouviu o Ministro das Finanças dizer que ele é uma despesa. E como tal tem de ser cortado. Entre subsídios de férias e de Natal, este Orçamento do Estado leva-lhe mais de 2000€. Perde 20% do salário, num ano em que sobem a luz, os transportes, a conta do supermercado. Até nas horas extraordinárias que é obrigado a fazer, o Estado inventou uma nova fórmula para lhe roubar salário. E como o Nuno, o David, enfermeiro, com um salário médio de mil euros e que vai perder 25% do seu salário. Mesmo a Dina, auxiliar de acção educativa, com 485 euros por mês, verá serem-lhe roubados, nos subsídios de refeição, 8% do seu salário já miserável.
E a lista podia continuar indefinidamente, tal é o rol de horrores que nos traz o Orçamento do Estado. O Governo exige todos os sacrifícios em nome de uma fé absurda em que das cinzas se renascerá. Irresponsabilidade.
No dia 15 de Outubro milhares saíram à rua para dizer que assim não. Que reclamam o direito a um presente e a um futuro. Que não podem os 99% continuar a ser as vítimas no festim de 1%. Que uma economia refém de agiotas é o caminho do abismo e tem de ser parada já.
Na semana passada foi marcada uma Greve Geral para dia 24 de Novembro. UGT e CGTP unidas na recusa deste Orçamento do Estado e na exigência de justiça social, desenvolvimento, emprego, porque sabem que terão de ser os trabalhadores e as trabalhadoras a salvar a economia.
Do Governo já nada se espera. Um governo mentiroso e irresponsável, que descredibiliza a democracia e mata a economia. Onde está a “ética na austeridade” quando os sacrifícios impostos caem 90% sobre quem vive do seu trabalho e o capital está praticamente isento de qualquer contributo? Onde está a limpeza à “gordura do Estado” quando a factura da luz aumenta 20% e os contratos que garantem rendas milionárias à EDP, à GALP, à Endesa se mantêm inalterados? Onde está o “visto familiar” quando o passe aumenta 25% e os filhos não contam na hora de se pedir o passe social +?
Mentiras, demagogia. O Governo opta por cortar no Estado, não onde ele desbarata recursos, não nos contratos milionários das PPP, mas sim nos serviços públicos essenciais. Estão em causa os direitos à educação, à saúde e às prestações sociais que todos e todas pagam com os seus impostos e os seus descontos.
Estamos a ser roubados. Nos cortes nos salários, nas pensões, nos serviços públicos, mas também nas privatizações; vender a preço de saldo os CTT, a EDP, a RTP é perder dinheiro e retirar ao Estado a capacidade de intervir nos sectores fundamentais para a economia, desenvolvimento, democracia. É entregar o ouro ao bandido.
A austeridade é recessiva porque é burra. Privatizar ao desbarato é retirar a um país a capacidade de se prover a ele próprio. Atacar os serviços públicos é enjeitar a solidariedade e cavar a desigualdade. Condenar ao desemprego é impedir a produtividade, impedir a criação de riqueza, negar a uma economia, a um povo, o direito ao trabalho. Em nome de um lucro de uns poucos, este Orçamento do Estado mata o país e a economia.
A indignação de um povo é a sua arma de defesa. E a luta pelo trabalho e pelo trabalho com direitos é o caminho do desenvolvimento. Mulheres e homens ao longo dos tempos lutaram e morreram pelo direito ao horário de trabalho, às oito horas de trabalho por dia, pelo direito ao salário. Os direitos dos trabalhadores não são privilégios. São conquistas. E são as conquistas do progresso, do desenvolvimento.
Foi a luta das trabalhadoras e dos trabalhadores que permitiu que as crianças tivessem direito à infância, que todos e todas tivessem acesso à instrução e a cuidados de saúde, que o conhecimento, a ciência e a cultura avançassem, que fosse hoje possível produzir tão mais do que se produzia há 200 anos. E são essas conquistas que estão hoje a ser desbaratadas.
Quando os funcionários públicos se levantam na defesa do seu posto de trabalho e da qualidade dos seus serviços estão a defender a Escola Pública, o Serviço Nacional de Saúde, a proteger as cidades, a assegurar saneamento básico, transportes, correio. Quando todos os trabalhadores, no sector público e privado, se levantam, defende-se o país e a economia.
A alternativa existe e exige determinação, coragem e criatividade. Determinação para renegociar a dívida. Coragem para enfrentar os verdadeiros privilégios. Criatividade para promover investimento, acesso ao crédito, criação de emprego.
Dia 24 de Novembro, em nome da democracia, da solidariedade, da responsabilidade e da justiça social, em nome da economia e do emprego, em nome do futuro, o país pára em Greve Geral. Que esta Greve seja a sinal que o Governo precisa para inverter o rumo do desastre. Antes que seja tarde demais. A Grécia é já aqui.

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