Nascemos porque fomos convidados, chamados à
vida. O profeta Jeremias o sabe bem! Deus o conhecia, desde antes das entranhas
maternas (cf. Jr 1,5s). Nosso existir é uma constante peleja: a todo instante
somos desafiados a dar respostas.
Na infância, respondemos às exigências dos
complexos egoístas, da abertura ao novo, dos apelos dos adultos, da necessidade
de se adaptar ao mundo. Na adolescência, descobrimo-nos desafiados a responder
aos chamados do fortalecimento (mesmo que parcial!) da personalidade,
internalização de valores fundamentais e de responder aos insultos dos adultos
que caricaturam a adolescência como aborrescência.
Quando jovens, chegam os tempos das decisões: estudos, relações afetivas,
empregos... Tudo isso tem de ser triturado pela consciência e pela liberdade.
Somos chamados a fazer escolhas que nos acompanharão normalmente
pela vida afora. O mundo adulto, essa exuberância do que deveria ser a
maturidade, obriga-nos a responder aos apelos constantes, seja na vida social,
familiar ou espiritual. Quando da nossa velhice, os leques do chamado vão se
afunilando. Não temos muito tempo para decidir muitas coisas. O idoso e a idosa
são convidados a se focarem no essencial. O entardecer da vida os obriga a
responder àquilo que dá, não àquilo que é urgente, mas ao que é mais
importante. O que não foi possível... ficará para a eternidade.
Ora, vocação é, antes de tudo, chamado. Pelo que
vimos e experimentamos, em todos os momentos da vida estamos sendo chamados:
desde a existência até à padecência; da vida à morte; da infância à eternidade.
Não tem como fugir da dimensão vocacional. Ela está em nós como a beleza da
rosa que não se pode desprender da sua forma material de rosa. Somos, por
natureza, vocacionados, quer dizer, chamados a alguma coisa.
No plano religioso a vocação mais sublime é à
santidade: à união com Deus. Desejamos, como exprime o salmista, contemplar
a face do Deus vivo (cf. Sl 41). Não se trata de santidade ligada aos
santos dos altares (mas também!). Trata-se da santidade enquanto possibilidade
de viver bem, feliz, em comunhão com Deus e com os irmãos. É dessa vocação que
derivam aos outras vocações específicas.
O Concílio Vaticano II já nos alertava para o
fato de que todo(a) batizado(a) é chamado à santidade, a dar testemunho de Deus
no mundo (cf. Lumen Gentium, 40). Nosso seguimento a Jesus comporta a
internalização e vivência de alguns valores. O amor ao próximo (no sentido
literal e metafórico do termo) é o maior dos valores. Ele se exprime de
várias formas. Entre elas, destacam-se a acolhida fraterna e a comunhão de fé e
objetivos (cf. At 4,32-14), o cuidado com os sofredores (cf. Lc 10,25-37) e a
opção pelas bem aventuranças exigentes (cf. Mt 5, 1-10).
Não obstante à prática do amor, nossa fé em Deus
e nossa vocação à santidade colocam-nos, sempre, numa atitude de
questionamento. Estamos a nos perguntar: quem somos? De onde viemos? Qual a
nossa missão? Quais os planos de Deus para nossa vida? O que podemos esperar
para além da vida? Essa posturaperguntante, inquietante, já foi tratada tanto
na filosofia quanto na teologia. Aliás, uma das imagens mais eloquentes da
filosofia é a da interrogação. Ela se pergunta por tudo, pelas realidades
visíveis e invisíveis. Sua missão é descobrir o por quê e a finalidade das
coisas. A teologia, precisamente aquela do século XX e, especialmente, a de
Karl Ranher, entende o ser humano como uma pergunta infinita (cf. Testamento
Espiritual, deste autor) para si mesmo e para o mundo. Em todo caso, moram
em nós muitos questionamentos, evidentes ou inevidentes!
Nossa identidade questionadora, perguntante...
acompanha-nos vida afora. No plano vocacional, batizados, todos: leigos,
consagrados, ministros ordenados... nos fazemos esses questionamentos
fundamentais. Por que? Porque queremos descobrir e vivenciar nossa vocação
universal: a da união com o Mistério, com Deus, com Aquele que é inominável...
Mas que se fez ser humano (cf. Jo 1,14) que armou sua tenda entre nós. Em Jesus
temos o alento e o desafio. Alento porque suas palavras são de conforto e
incentivo. Doces como o mel (cf. Mt 11,28). Desafio porque, ao mesmo tempo, são
duras e incompreensíveis (cf. Lc 12,51-53). Cortante e penetrante como espadas
de dois gumes.
Nossa vocação: é responder aos chamados! Da vida
à morte, do hoje ao amanhã... somos alentados e desafiados a responder, a dizer
sim ou não às demandas das fases de nossa existência.
Ser santo, mais do
que ser perfeito, é colocar-se nesse caminho vocacional, é perguntar-se sobre o
que é fundamental e... agir. Construir aqui na terra, entre as pessoas e a
partir delas, o Reino divino. Lá, no horizonte escatológico, ou aqui, no plano
cosmológico, encontrar-nos-emos com Deus, esse Mistério que não se toca, nem se
vê, mas se intui, se sente... Diante Dele, nossas vocações (sejam elas quais
forem) vertem os olhos, inclinam a fronte, dobram os joelhos e... silenciam
numa contemplação misteriosa. Não se encerram as perguntas, mas se ampliam as
possiblidades de respostas
Ir. José Sival Soares, RCJ
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