4 de dez. de 2013

Maçonaria ou casa da mãe Joana?

Grupo que se manifestou contra as biografias não autorizadas defende posições conservadoras com verniz oitocentista, mas integrantes estão longe do consenso.
por Miguel Martins
Fonte: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/sociedade-banksiana-maconaria-ou-casa-da-mae-joana-6526.html
Na quinta-feira 21, o Supremo Tribunal Federal organizou uma audiência pública para discutir a necessidade de autorização prévia para biografias. Entre os 17 debatedores, 13 se manifestaram a favor da ação da Associação Nacional dos Editores de Livro, cujo objetivo é derrubar a atual legislação que permite a biografados vetarem obras a seu respeito. Do lado dos poucos a apoiar a manutenção do veto, nem sinal da entidade Procure Saber, criada por Paula Lavigne, Caetano Veloso e cia., dissolvida após rixas internas. Na mesma mesa em que José Murilo de Carvalho, biógrafo de Dom Pedro II e autor de livros sobre o fim da escravidão no Brasil, agradecia à família do ex-imperador por não ter erguido obstáculos para a publicação de sua obra, o único grupo a defender limites às biografias era a Antiga e Iluminada Sociedade Banksiana, conhecida por propor, em 2009, uma revisão na Lei Áurea para indenizar descendentes de proprietários de escravos do século XIX.
Representante da associação na audiência, o advogado Ralph Anzolin Lichotti mobilizou diversos argumentos para defender o veto. Comentou que a publicação de uma biografia sobre o envolvimento de Juscelino Kubitschek em casos de corrupção poderia ter impedido a construção do Memorial JK. Lembrou também o caso da boate Kiss, ao traçar um paralelo entre a necessidade de alvarás no comércio e a autorização prévia a obras. Segundo Lichotti, o principal motivo para a associação ter se envolvido na querela seria, porém, a própria polêmica em torno da proposta para alterar a Lei Áurea, cujo texto, apresentado à Comissão de Legislação Participativa e atribuído ao grupo, é rechaçado por três integrantes da associação ouvidos por CartaCapital. “Entramos na discussão pois Banks está sofrendo uma perseguição que abala sua imagem”, afirma o advogado.
Fundada em 2006 pelo carioca Eduardo Banks, de 35 anos, e mais 12 amigos, a sede oficial da associação, na rua Agenor Moreira, no Rio de Janeiro, está fechada após uma infestação de cupins. Os integrantes da Antiga e Iluminada Sociedade Banksiana foram obrigados a procurar outros locais para se reunir, como o bar Amarelinho, no Centro do Rio. Segundo Lichotti, as reuniões são marcadas por conversas informais, sem qualquer liturgia. No entanto, o atual presidente da associação, Geraldo Sias, afirma que o grupo respeita o Rito Escocês Antigo e Aceito, seguido por casas maçônicas europeias. “A nossa intenção é operar no rito illuminati criado pelo Barão Knigge, mas ele deve ser atualizado, o que demanda um profundo estudo de liturgia maçônica e rosa-cruz.” O principal objetivo da associação, segundo seu estatuto, “é difundir as obras de Banks em todos os seus aspectos”.
Banks declara-se como “filósofo, dramaturgo e compositor”. Abandonou a escola na sétima série do ensino fundamental, mas concluiu seus estudos em 2010. Autodidata, é autor da peça Aquiles Ultrajado e compôs uma peça musical chamada XII Sonatas para Instrumentos de Tecla. É o guru da associação, mas não exatamente seu integrante mais ativo. “Trato o grupo como o escritor libanês Khalil Gibran ensinava a tratar os filhos: ‘procedem de vós, mas não pertencem a vós’”, diz.
Como Banks abre mão de coordenar os trabalhos da associação, os projetos propostos, geralmente de teor conservador, pipocam sem muito controle. Nos últimos anos, o grupo fez diversas sugestões legislativas, como o estabelecimento de punição a médicos que realizassem abortos mesmo no caso de vítimas de estupro e a alteração da tipificação do crime de racismo como inafiançável.
O projeto para revisar a Lei Áurea é sintomático dos ruídos de comunicação. Assinada pelo então presidente da associação, Waldemar Annunciação Borges de Medeiros, a proposta de indenizar senhores de escravos era justificada sob o argumento de a escravidão no Brasil imperial ter se estabelecido como um negócio patrocinado pelo Estado e, portanto, legal à época. Interpelado, Banks diz desconhecer o texto. “Não posso me pronunciar se o senhor Borges de Medeiros ‘agiu unilateralmente’ ou se alguém falsificou a assinatura dele”, afirma.
No ofício apresentado à CLP em 2009, Borges de Medeiros explica que “o estatuto da associação confere ao presidente o poder de apresentar sugestões legislativas sem ouvir a Assembleia Geral”. O fato dele assumir agir por conta própria revela como contradições e posições políticas heterodoxas são mais do que comuns.
Um bom exemplo são as divergências dos integrantes a respeito da união civil entre homossexuais. Lichotti é integrante do PT de Itaperuna, mas manifesta-se contra o casamento gay. Por outro lado, o guru-fundador não demonstra tanto incômodo com a questão, apesar de ser monarquista e orgulhar-se de descender do Capitão Eduardo Frederico Banks, supostamente agraciado com o título de cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa por Dom Pedro II. “Outro antes de mim falou: ‘acerca de duas pessoas, nunca refleti profundamente. É o atestado de meu amor por elas.”

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