O governo aposta no aumento da despesa que temos com juros da dívida,
muito mais do que o investimento em qualquer setor da sociedade, apenas
para empurrar o problema para o futuro e o esconder no curto prazo.
O Governo português tem neste momento cerca de 20.000 milhões de euros
colocados no Banco Central Europeu (BCE) com rendimento zero ou muito
perto de zero. Trata-se de dinheiro que resulta de excedentes de
tesouraria provenientes, sobretudo, dos empréstimos da troika sobre os
quais pagamos elevadíssimas taxas de juro e em nome dos quais todos os
sacrifícios foram feitos.
No entanto, é preciso ter em conta que esses depósitos, feitos pelo
IGCP (a Agência para a Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública) no BCE
têm o problema de não oferecerem quase nenhum rendimento. É que a taxa
de juro praticada pelo BCE é de 0% e, em alguns casos, pode mesmo ser
negativa. Trata-se, portanto, de excedentes que não rendem quase nada.
Sendo eles resultantes de várias operações onde foi paga uma taxa de
juro média de 4%, representam, na prática, perda de dinheiro.
Ora, na semana que passou, o Governo decidiu efetuar uma operação de
recompra de títulos de dívida pública. Com esta operação, o Tesouro
português amortizou 1,32 mil milhões de Euros em obrigações do Tesouro
da que teria de para pagar em Outubro deste ano e Outubro de 2015. O
montante amortizado foi este porque apenas 8,5% dos investidores
aceitaram a recompra de dívida, já que o total por amortizar era de 15,3
mil milhões de Euros.
Parece não fazer sentido haver tantos excedentes de tesouraria, mas há
uma lógica. Uma lógica cautelosamente preparada pelo governo para “fazer
flores” em vésperas de eleições. O governo foi acumulando os excedentes
resultantes dos empréstimos da Troika e realizando vários leilões de
dívida pública, contraindo taxas de juro muito elevadas, precisamente
com este objetivo. O governo quer chegar às eleições europeias com a
propaganda de que tudo vai bem e que até já consegue amortizar dívida.
No entanto, esta operação não é outra coisa senão empurrar o problema
com a barriga. Uma economia devastada económica e socialmente não tem
nesta operação nada que signifique recuperação.
Houve uma imagem utilizada por Viriato Soromenho Marques que ilustra
bem este dilema. Se um cidadão estivesse numa situação de ser incapaz de
honrar um crédito pessoal com uma taxa de juro de 3,35%, numa altura em
que esse crédito estava prestes a atingir a maturidade, decidisse
contrair um novo empréstimo a uma taxa de juro de 5,11% para pagar o
primeiro, o mínimo que se lhe poderia dizer era que essa operação seria
pouco recomendável. Pois, mas é mesmo isto que o governo português está a
fazer. Recompra de dívida pública a taxas de juro superiores às que
estavam contratualizadas e prestes a atingir a maturidade. Vamos pagar
mais por cada título de dívida recomprado, mas cria-se a ilusão de que é
uma boa operação porque se amortiza uma parte insignificante da
mesma.Ou seja, o governo aposta no aumento da despesa que temos com
juros da dívida, que neste momento já representam 8 mil milhões de euros
anuais, muito mais do que o investimento em qualquer setor da
sociedade, apenas para empurrar o problema para o futuro e o esconder no
curto prazo. Tudo vale para contar uma estória de encantar. Mas o final
será enfrentar um final infeliz, porque vamos pagá-la muito cara. Neste
momento, este governo não é mais do que uma coordenadora eleitoral.
Artigo publicado no jornal “As Beiras” em 1 de Março de 2014
Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
Fonte: http://www.esquerda.net/opiniao/amortizar-para-pagar-mais/31547
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