Possuímos uma base científica relevante, mas somos
retardatários na produção de tecnologia e, principalmente, na introdução
de inovações. Por Roberto Amaral
David Lankford/Flickr
Possuímos uma base científica
relevante, mas somos retardatários na produção de tecnologia e,
principalmente, na introdução de inovações
Para além dos regimes econômicos, para além das crises do capitalismo
onipotente, para além dos jogos das potências militares, é esta a nova
polaridade, porque determinada pelo desenvolvimento científico de cada
país, porque este é o que determina o desenvolvimento nos seus diversos
níveis e transforma potências econômicas em potências militares,
determinando, por fim, a nova geopolítica e a distribuição do poder em
todo o planeta: novos senhores e novos vassalos, novos alinhamentos e
novos conflitos.
Uma vez mais a humanidade se vê estancada em blocos, antípodas. De
um lado o mundo da ciência, da tecnologia e da inovação, dominante; de
outro, o mundo dos dependentes de tecnologia. De um lado os países ricos
e poderosos; de outro, os novos e irrecuperáveis subdesenvolvidos.
Entre uns e outros, um fosso intransponível no horizonte de nossos
tempos.
A revolução tecnológica é o resultado do acúmulo histórico.
Conquista da humanidade em seu ininterrupto processo civilizatório, ela
produz, porém, em nossos dias, consequências certamente ainda mais
profundas do que aquelas herdadas da revolução industrial, a quem
devemos a arquitetura do mundo moderno e a sociedade de massas, posto
que nos últimos 70 anos o Homem adquiriu mais conhecimentos do que em
toda a sua História pregressa. Como a revolução industrial ao seu
tempo, a tecnológica revolverá conhecimentos e crenças, destruirá
verdades ‘científicas’ solidamente estabelecidas, construirá valores,
conceitos, doutrinas e ideologias. Já alterou nossas vidas individuais e
a vida dos povos e das nações, como já alterou a correlação de forças
internacionais. E está na raiz do fim da polaridade EUA x URSS.
Mas seguirá veloz, dando poucas oportunidades de recuperação àqueles
que não puderem acompanhar seu ritmo. Esse trem não voltará a estações
passadas para resgatar passageiros atrasados.
Nosso país tem pouco tempo para decidir-se pelo mundo em que sua
gente, detestada pela classe dominante, deverá viver. Quem não produz
sua própria tecnologia estará condenado a depender da tecnologia dos
outros, que não está à venda nas gôndolas dos supermercados. E essa
dependência tem o custo econômico que conhecemos – a começar pelo peso
no balanço de pagamentos –, custo com o qual todos somos obrigados a
arcar. Se no plano interno ela dificulta o equilíbrio econômico, no
externo ela reduz a competitividade da economia brasileira e nos faz um
país fundamentalmente primário-exportador.
Possuímos uma base científica relevante, mas somos retardatários na
produção de tecnologia e, principalmente, na introdução de inovações.
A chave, claro está, é a Educação. A afirmação é um truísmo que virou
lugar comum em dissertações, teses, artigos, discursos, programas de
governo e tudo o mais. E, como virou clichê, carimbo de retórica, perdeu
valor, perdeu sentido, perdeu força, enquanto a educação reclamada se
degrada.
Os números depõem contra nós.
Um dos indicadores do desenvolvimento de um país é o número de
artigos científicos publicados em revistas de referência. Em 2011 nossos
cientistas publicaram 49.819 artigos. Colegas nossos nos BRICS, a Índia
publicou 88.136 e a China, 377.630. Estes números nos ajudam a
entender, suponho, porque o Brasil exporta minério de ferro para China e
dela importa trens. A inovação, produto da decantação tecnológica, é
curialmente medida pelo número de pedidos de patentes de invenção junto
ao Escritório Americano de Marcas e Patentes (USPTO, na sigla em
inglês). Ainda os números dos nossos colegas dos BRICS: em 2012 a Índia
registrou 5.663 pedidos; a China 13.273 e o Brasil, 679. Haverá de
residir, aí, a explicação para o fato de o Brasil não ter marcas
internacionais. Há 60 montadoras de veículos automotores no país,
nenhuma nativa. O Brasil é o maior produtor de café (em grão…) do mundo,
mas a Alemanha é a maior exportadora de café solúvel, ao lado da Suíça,
e as máquinas que coam nosso café, na verdade agora o espresso, são italianas. Ora, se não investimos em pesquisa e desenvolvimento, como pensar em inovação tecnológica?
O Brasil necessita de 800 mil engenheiros. Mas em 2010, apenas
5,8% dos graduandos (59.506) eram alunos de engenharia. Também em 2010,
na Rússia, os formandos em engenharia representavam 22% (454.436) do
total. Nas áreas de ciências, matemática e computação, sendo as
engenharias o coração da produção tecnológica, o disparate é igual.
Enquanto em 2010 formamos 55.860 profissionais, a Rússia, em 2009, havia
formado 125.881. A Coreia, com seus 49 milhões de habitantes (o Brasil
já ultrapassou os 200 milhões), forma 80 mil engenheiros por ano.
O próximo governo, além de manter e ampliar o ‘Mais médicos’
(nossa carência atual, Segundo o MS, é de de ter mais 168.424 médicos;
Só na cidade de São Paulo, segundo a Prefeitura, há um déficit de 2,4
mil médicos. ) terá de criar o ‘Mais engenheiros’, ‘Mais matemáticos’ e assim por diante.
Com uma população de quase 200 milhões de habitantes, formamos (2011)
45 mil engenheiros, quando precisamos de 70 a 95 mil engenheiros por
ano, algo como 2,48 engenheiros por 100 mil habitantes. Os EUA formam
9,5 engenheiros por grupo de 100 habitantes, a China 13,8 e o Japão 17.
Formamos pouco, e formamos mal.
O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes-PISA, apura o
desempenho de estudantes de 15 anos de todo o mundo em leitura,
matemática e ciências . Na edição de 2009, o Brasil empacou no 57º
lugar! Na Coreia, 51,8% dos alunos de matematica foram classificados no
nivel 4, no Canadá 43,3% e na China nada menos de 71,2% dos alunos.
Em compensação, nos últimos 20 anos, o número de faculdades de
direito, no Brasil, saltou de 200 para 1.260. Porém… no ‘Exame da Ordem’
deste ano 89,7% dos bacharéis foram reprovados.
Talvez o leitor encontre nesses números a explicação para o fato de,
na segunda década do terceiro milênio, 40% das exportações brasileiras
serem commodities primárias, de baixo ou nenhum valor agregado,
grãos, carnes e minérios. Somente 18% de nossas atuais exportações são
produtos de média e alta intensidade tecnológica.
Claro, nada ocorre por acaso. Muitas devem ser as explicações para um
atraso que pode comprometer nosso futuro. Uma dessas razões certamente
decore de nosso modelo de desenvolvimento vindo dos anos 50, fundado no
tripé empresa privada nacional, empresas multinacionais e empresas
estatais, estas induzindo o crescimento e ‘protegendo’ a empresa
nacional em sua concorrência com as empresas estrangeiras. Naquele então
como agora, no Brasil e no mundo, as multinacionais investem e muito
em tecnologia e inovação, mas em suas matrizes. E quase sempre a
tecnologia aqui empregada, onde mais uma vez a indústria automobilística
(relembremos ‘as carroças’…) é paradigma, era/é atrasada, superada ou
obsoleta. A empresa nacional, cingida em sua grande maioria ao mercado
interno, não tinha estímulo, ou necessidade, ou cultura, ou capital
disponível para o risco, para inovar ou dominar tecnologia. Assim,
preferiu e ainda prefere pagar royalties. A produção tecnológica
ficou ao encargo das estatais, mas essas foram, em sua maioria,
alienadas nos anos do neoliberalismo e da privataria do tucanato.
Assim, ainda hoje o capital privado, no Brasil, qualquer que seja sua
origem, não investe em ciência, tecnologia ou inovação. Por isso mesmo
não necessita de engenheiros, matemáticos e pesquisadores em geral. Se
não há demanda por engenheiros, não há, por óbvio, jovens interessados
nas engenharias.
Nos EUA, 80% dos pesquisadores trabalham em empresas privadas e
apenas 15% em instituições de ensino. Na Coreia e no Japão, são 75% em
empresas privadas. Esse percentual não chega, no Brasil, a 27%. Nos EUA,
60% dos engenheiros com doutorado trabalham na iniciativa privada. No
Brasil, apenas 2%.
Às tentativas de explicação de tanto insucesso, acrescentemos mais
uma: a depredação de nosso ensino, em particular da escola pública, de
primeiro e segundo graus. O ensino universitário, privatizado e
mercantilizado, foge dos cursos de ciências e daquelas cadeiras cujo
magistério requer altos investimentos. Se conhecimento gera
conhecimento, a ignorância nada gera; se a educação gera o conhecimento
científico que gera tecnologia que gera inovação, a não-educação gera o
atraso.
Mas já não somos nenhuma Malásia, nenhuma Bangladesh, onde o
excedente de mão-de-obra desqualificada e barata está à espera da
sobre-exploração. Nosso desafio são as fronteiras tecnológicas. Como
vencê-lo, sem formar nossos técnicos? Como desenvolver um país
capitalista cujos capitalistas evitam o investimento e optam pelo
rentismo? Capitalistas que, avessos ao risco, não querem concorrer, e –
cracas dos bancos oficiais – ficam a depender do financiamento público,
de um Estado que satanizam?
Aonde esperamos chegar com esse modelo?
O Estado brasileiro, porém, nada obstante o fracasso da Educação,
cerne de tudo, tem investido no esforço por produção tecnológica. A
pesquisa cientifica no Brasil, ou bem é produto direto de estatais, ou
decorre de financiamentos sem retorno a universidades privadas ou
empresas e a pesquisadores individuais ou grupos de pesquisadores. O
sucesso do agronegócio e da agricultura brasileira é um dos efeitos da
EMBRAPA; o que temos na indústria aeronáutica (privatizada) é
decorrência do sucesso tecnológico do ITA, como devemos à Marinha a
pesquisa nuclear e ao Exército os avanços em cibernética. A pesquisa no
Brasil depende de uma agência estatal, o CNPq – e a outra agência
estatal, a FINEP, devemos o que tivermos feito em inovação, ainda que
pouco. Não é preciso falar na contribuição da Petrobras, investindo em
praticamete: nte todos os cursos de engenharia do país, financiando
mestrados e doutorados, produzindo ciência e tecnologia em seu CENPES e,
finalmente, incorporando ao país as riquezas do pré-sal.
São êxitos que devemos reconhecer e exaltar. Mas alguém acredita que
esse desenvolvimento induzido pelo Estado, por si só, nos colocará à
altura dos desafios tecnológicos que temos pela frente?
Leis mais em www.ramaral.org
Fonhttp://www.cartacapital.com.br/sociedade/o-brasil-e-os-contrastes-do-novo-milenio-1517.html/view
Nenhum comentário:
Postar um comentário