Fonte: domtotal.com
"A teologia nas mãos das mulheres descobriu Jesus Cristo
como um amigo compassivo, libertador dos fardos, um amigo que consola na
tristeza e um aliado nas lutas das mulheres. Por meio de sua vida e de
seu Espírito, ele traz salvação – dando-lhes de volta a plena dignidade
pessoal diante de Deus. A bênção que elas encontram em sua relação com
Jesus não é apenas uma bênção particular e espiritual, embora seja isso
também", afirma Elizabeth Johnson.
As parábolas que Jesus contou também honram as mulheres apontando para a suas realidades humanas.Além de suas ações, pregação de Jesus é inclusiva para com as mulheres.

Vida, morte e ressurreição de Jesus
Os estudos das relações de Jesus durante sua vida pública revelam a
sua falta de temor às mulheres e um forte interesse no florescimento
delas. Nenhuma palavra de menosprezo ou ridicularização saiu de sua
boca, nem ele viu as mulheres como uma classe inferior de seres humanos.
Tratando-as com graça e respeito, curou, exorcizou, perdoou e
restaurou-as a “shalom”, estando atencioso com as mais necessitadas: a
pequena que tinha acabado de morrer, a viúva cujo filho tinha falecido
recentemente, a viúva pobre que deu tudo o que tinha ao templo, a
adúltera prestes a ser apedrejada.
Jesus teve uma preocupação particular pelas pessoas nas margens da
sociedade, e esta preocupação se estendia por completo às prostitutas a
quem ele acolheu em sua mesa, até mesmo dizendo ao sacerdotes que tais
mulheres entrariam no Reino do Céu antes deles. (Mt:21,31).
Pessoalmente, as mulheres são contadas entre seus amigos; as irmãs Marta
e Maria, por exemplo, o abrigaram em sua casa e receberam seus
ensinamentos. Resumir isto está próximo do impossível, mas o Papa João
Paulo II captou a essência:
“Que este pesar se traduza, para toda a Igreja, num compromisso de
renovada fidelidade à inspiração evangélica que, precisamente no tema da
libertação das mulheres de toda a forma de abuso e de domínio, tem uma
mensagem de perene atualidade, que brota da atitude mesma de Cristo. Ele
(...) teve para com as mulheres uma atitude de abertura, de respeito,
de acolhimento, de ternura. Honrava assim, na mulher, a dignidade que
ela sempre teve no projeto e no amor de Deus. (...) Vem-nos
espontaneamente a pergunta: em que medida a sua mensagem foi recebida e
posta em prática?” (Carta às mulheres, Conferência Mundial sobre a
Mulher, julho de 1995, parágrafo 3.)
Além de suas ações, a pregação de Jesus é inclusiva para com as
mulheres. Ele nunca estabeleceu uma forma de agir para homens e outra
para mulheres. Observemos e ficaremos surpresos pelo fato de que o
Sermão da Montanha é endereçado a todos; tudo o que é certo aos homens
também o é às mulheres. De forma radical, a visão do Reino de Deus que
permeia o seu ensino supera as relações de injustiça: os últimos deverão
ser os primeiros, e os primeiros os últimos, de forma que, no final, um
novo tipo de comunidade possa se formar.
As parábolas que Jesus contou também honram as mulheres apontando
para a suas realidades humanas como símbolos dignos do Deus vivo. Nas
escrituras judaicas, Deus é dito com imagens femininas em formas
comoventes e belas – como uma mulher grávida, mãe lactante, parteira,
cuidadora, ou como Senhora Sabedoria (“Sophia”) governando o mundo com
ternura e poder.
Influenciado por esta sua própria herança bíblica, Jesus também falou
via imagens femininas em sua pregação. O Reino de Deus é como o
fermento que uma mulher pega e mistura com três porções de farinha, até
que tudo fique fermentado; eis aqui o Deus feminino que faz pão,
trabalhando no fermento da nova criação até que tudo esteja
transformado. (Mt:13,33)
Talvez ainda mais surpreendente seja a parábola da mulher que procura
por sua moeda. Ela perdeu uma das suas 10 moedas de prata (economias,
seguro para quando estiver na velhice?), e então vira a casa de cabeça
para baixo até a encontrar. Em seguida, chama suas amigas e vizinhas
para se alegrar com elas, pois tinha encontrado o que havia perdido.
(Lc:15,8-10). Aqui temos uma imagem maravilhosa de Deus, o Redentor,
procurando – de cima a baixo – pelo pecador.
Esta parábola é uma de duas, sendo a outra a do bom pastor que
procura por sua ovelha perdida. Ambas revelam o amor enorme de Deus
pelos que se perdem. Embora o imaginário cristão favoreceu o pastor, a
dona de casa está lá para refletir como a vida diária das mulheres
oferece imagens para se falar de Deus. O mesmo acontece com animais
fêmeas: certa vez Jesus referiu-se a si mesmo usando o imaginário
feminino, ao desejar poder reunir o povo de Jerusalém em de seus braços
como uma mãe galinha reúne seus pintinhos debaixo das asas. (Mt:23,37).
Além de curar as mulheres de suas enfermidades, de desfrutar de suas
amizades e de falar de Deus por meio delas, Jesus as convidou para
fazerem parte de seu círculo de seguidores próximos. Elas deixaram suas
famílias e lares para se juntar a ele na estrada para a Galileia. Elas
absorveram o seu ensinamento e se juntaram a ele em refeições
comunitárias alegres –uma antecipação da vinda do Reino. Os ricos entre
eles financiaram o seu ministério, provendo de seu próprio bolso o que
era necessário à comunidade:
Depois disso, Jesus andava por cidades e povoados, pregando e
anunciando a Boa Notícia do Reino de Deus. Os Doze iam com ele, e também
algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos maus e doenças:
Maria, chamada Madalena, da qual haviam saído sete demônios; Joana,
mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes; Susana e várias outras
mulheres, que ajudavam a Jesus e aos discípulos com os bens que
possuíam. (Lc:8,1-3).
Os nomes destas e de outras mulheres (“várias outras”, “com ele”) são
ditos inúmeras vezes nos evangelhos, mas se tornaram uma parte
esquecida da história.
O discipulado das mulheres durante o ministério de Jesus não cessou
no final de sua vida. Elas o acompanharam até Jerusalém, tornando-se o
ponto em movimento do testemunho para a paixão. Cada um dos quatro
evangelhos narra que, enquanto os discípulos correram e se esconderam
quando Jesus foi preso, as mulheres se mantiveram em vigília com ele na
cruz. Na verdade, a única pessoa nomeada em todos os quatro evangelhos
como tendo permanecido junto à cruz é Maria Madalena. Por terem sido as
mulheres que ficaram, elas sabiam onde estava a sepultura e foram as
primeiras a descobri-la vazia quando foram finalizar a unção de seu
corpo no primeiro dia da semana. Aí, elas encontraram o Cristo
ressuscitado e foram incumbidas de “ir e informar” aos outros.
Maria Madalena, a quem a Igreja mais tarde chamou de “a apóstola aos
apóstolos, e as demais mulheres assim fizeram, embora os homens não
acreditassem nelas, pensando que eram apenas mulheres histéricas. Não
obstante, a Escritura mostra que, tanto em sua vida terrena quanto em
sua vida de ressuscitado, Jesus Cristo incluiu as mulheres em sua
comunidade não como subordinadas aos homens, mas como irmãs de seus
irmãos e, no caso das proclamação da ressureição, mesmo como aquelas em
quem primeiramente confiou.
Através do prisma da experiência feminina, a crucificação de Jesus
constitui uma enorme crítica contra o patriarcado. Eis aqui a própria
carne transformada em Verbo (“E a palavra se fez homem” [Jo,1:14])
trazida à morte por tortura pelo poder estatal, derramando-se no amor
abnegado. Este evento é o exato oposto do exercício do poder dominador
masculino. À luz da cruz, teólogas feministas refletem que,
sociologicamente, seria melhor que a encarnação tivesse ocorrido num ser
humano masculino.
Pois, se uma mulher tivesse pregado a compaixão e tivesse doado a si
mesma até morte, o mundo teria se perguntado: Afinal, não será isso o
que as mulheres devem fazer? Mas para um homem viver e morrer assim num
mundo de privilégios masculinos é desafiar o ideal patriarcal da
dominação masculina em sua raiz. A cruz é a “kenosis”, o
autoesvaziamento, do patriarcado.
Na ressurreição, o Espírito de Deus preenche Jesus com vida nova para
além da morte. Presente de uma forma nova, Jesus Cristo se torna a
pedra angular da nova comunidade que é o seu corpo, a Igreja. Em
Pentecostes, as mulheres bem como os homens estão no andar de cima
quando línguas de fogo sinalizam o derramamento do Espírito: “Todos
ficaram repletos do Espírito Santo e começaram a falar em outras
línguas.” (At,2:4). Os primeiros cristãos adotaram o rito de iniciação
do batismo.
Diferentemente o ritual judeu da circuncisão, desenvolvido apenas com
os homens, o batismo é administrado pela imersão em água, e assim é
feito da mesma forma com pessoas de ambos os gêneros. A carta de Paulo
aos Gálatas contém um hino batismal cristão primitivo que mostra o que
significa esta prática. Assim que o recém-batizado é retirado da água,
trajando vestes brancas, cantam: “Não há mais diferença entre judeu e
grego, entre escravo e homem livre, entre homem e mulher, pois todos
vocês são um só em Jesus Cristo.” (Gl,2:4) Na unicidade do Espírito
santificador, transcendem-se todas as divisões baseadas na raça ou
classe, ou mesmo no gênero. O poder do Cristo ressuscitado se torna
efetivo ao ponto em que esta visão se torna realidade na comunidade.
Nas primeiras décadas da Igreja há uma grande evidência para com um
forte ministério das mulheres divulgando o Evangelho assim como seus
colegas homens. A partir dos Atos dos Apóstolos e das cartas de Paulo,
temos uma imagem das mulheres como missionárias, pregadoras, mestres,
profetas, apóstolas, curadoras, que falam em línguas e líderes das
comunidades. Elas são colegas de trabalho de Paulo e de outros homens,
com todos os dons do carisma que se deu para a edificação da Igreja.
Hoje, estudiosos estão tentando listar quais forças trouxeram este
ministério das mulheres nos primórdios da Igreja para um estado
diminuto. Mas não há dúvida de que Febe, Prisca, Júnia, Pérside e muitas
outras pregaram o evangelho nos primeiros dias da Igreja. (Ver as
cartas de Paulo aos Romanos, capítulo 16).
Conclusão
A teologia nas mãos das mulheres descobriu Jesus Cristo como um amigo
compassivo, libertador dos fardos, um amigo que consola na tristeza e
um aliado nas lutas das mulheres. Por meio de sua vida e de seu
Espírito, ele traz salvação – dando-lhes de volta a plena dignidade
pessoal diante de Deus. A benção que elas encontram em sua relação com
Jesus não é apenas uma benção particular e espiritual, embora seja isso
também.
Esta benção igualmente influencia suas vidas nos domínios públicos e
sociais, inspirando a luta por libertação das estruturas de dominação em
todas as dimensões da vida. Em nome de Cristo, a sociedade e a Igreja
são chamadas à conversão dos corações, das mentes e estruturas, de forma
que o Reino de Deus possa se afirmar neste mundo. Eis aí uma visão de
mundo desafiadora. Porém, as palavras libertadoras já foram ditas:
“Mulher, você está livre de sua doença”. Ponham-se de pé, dêem graças a Deus e sigam com a obra de curar o mundo.
Global Sisters Report
*
Elizabeth A. Johnson, religiosa da Congregação das Irmãs de São José, é
professora de teologia na Universidade de Fordham, em Nova York. Ela
irá receber o Prêmio Liderança de Destaque da LCWR (LCWR Outstanding
Leadership Award) na assembleia anual da organização, a ocorrer
Nashville, Tennessee, em agosto.