Foi o último filho homem de uma família de onze filhos, três homens e
oito mulheres. Seu pai, promotor público, encerrou a carreira como
juiz.
Em
fevereiro de 1973, na Penitenciária de Presidente Venceslau (SP),
misturados a presos comuns, cinco presos políticos – frei Fernando de
Brito, Maurice Politi, Ivo Lesbaupin, Wanderley Caixe e eu – fomos
castigados, com quinze dias de isolamento em celas individuais, por
demonstrar solidariedade ao sexto preso político, Manoel Porfírio, que
sofrera punição injusta.
No domingo,
11 de fevereiro, ao encerrar o período do nosso isolamento, recebemos
inesperadamente a visita dos bispos Tomás Balduino, José Maria Pires,
Waldyr Calheiros e José Gonçalves. Tinham aproveitado o recesso da
assembleia dos bispos do Brasil, em Itaici (SP), para voar até
Presidente Venceslau no teco-teco pilotado por Dom Tomás Balduino.
Relatamos
as torturas a que eram submetidos os presos comuns e as sanções
injustas impostas a nós, presos políticos. Na tarde do mesmo dia, na
reunião de Itaici, os bispos repetiram nossas denúncias em coletiva de
imprensa.
O
diretor da penitenciária ficou irritado e intrigado. Isolados como
estávamos, com que recursos havíamos convocado a comitiva
episcopal? Teríamos um radiotransmissor dentro da cela? Talvez nunca
tenha se convencido de se tratar de mera coincidência.
Nosso
confrade na Ordem Dominicana, dom Tomás Balduino, falecido no último
dia 2 de maio, em Goiânia, em decorrência de embolia pulmonar, visitava
periodicamente os frades encarcerados e não temia denunciar a ditadura e
defender os direitos humanos.
Nascido
em Posse (GO), no último dia de 1922, seu nome de batismo era Paulo
Balduíno de Sousa Décio. Ao ingressar na vida religiosa adotou, como era
costume na época, o prenome de Santo Tomás de Aquino.
Foi
o último filho homem de uma família de onze filhos, três homens e oito
mulheres. Seu pai, promotor público, encerrou a carreira como juiz.
Formado
em filosofia, Dom Tomás fez o mestrado de teologia em Saint Maximin, na
França. Em 1957, nomeado superior da missão dominicana na prelazia de
Conceição do Araguaia (PA), viveu de perto a realidade indígena e
sertaneja. Na época, a pastoral da prelazia acompanhava sete grupos
indígenas. Para aprimorar seu trabalho junto aos índios, fez mestrado em
Antropologia e Linguística, na Universidade de Brasília (UnB),
concluído em 1965. Aprendeu a língua dos índios xicrin, do grupo bacajá,
kayapó.
Para
melhor atender a região da prelazia, que abrangia todo o Vale do
Araguaia paraense e parte do Baixo Araguaia mato-grossense, frei Tomás
aprendeu a pilotar avião. Amigos da Itália o presentearam com um
teco-teco, com o qual prestou inestimável serviço, sobretudo na
articulação de povos indígenas. Também ajudou a salvar pessoas
perseguidas pela ditadura militar.
Em
1965, foi nomeado pelo papa prelado de Conceição do Araguaia. Lá
enfrentou os primeiros conflitos com as grandes empresas agropecuárias
que se estabeleciam na região com incentivos fiscais da extinta Sudam.
Elas invadiam áreas indígenas, expulsavam famílias sertanejas
(posseiros), e traziam trabalhadores braçais de outros estados,
sobretudo do Nordeste brasileiro, submetidos, muitas vezes, a regime
análogo ao trabalho escravo.
Nomeado
bispo diocesano da cidade de Goiás, em 1967, foi ordenado bispo e ali
permaneceu 31 anos, até 1999. Ao completar 75 anos, apresentou sua
renúncia e mudou-se, como simples frade, para o convento dominicano de
Goiânia. Seu ministério episcopal coincidiu, por longo tempo, com a
ditadura militar (1964-1985).
Movimentos
sociais, como o do Custo de Vida, e a Campanha Nacional pela Reforma
Agrária, contaram com todo o apoio de Dom Tomás, que participou
ativamente da criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em
1972, e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975. Presidiu o CIMI,
de 1980 a 1984, e a CPT, de 1999 a 2005. A Assembleia Geral da CPT, em
2005, o nomeou conselheiro permanente.
Agora,
seu corpo está enterrado na catedral de Goiás. E seu exemplo de vida
perdura na memória de todos que conheceram um homem fiel à proposta do
Evangelho de Jesus.
Fonte: http://www.brasildefato.com.br/node/28436
Frei Betto é escritor, autor de “Fome de Deus” (Paralela), entre outros
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