Plano do governo federal naufraga por
questões de mercado. Seca castiga agricultores do semiárido, que
dependem da Petrobras Biocombustível
Carlos Juliano Barros
Fonte:http://reporterbrasil.org.br/2014/06/preco-do-oleo-de-mamona-no-semiarido-ate-sobe-devido-ao-biodiesel-mas-nenhuma-gota-vira-combustivel/
Itaetê, Morro do Chapéu e Salvador, na Bahia - Depois
de muitos percalços, o Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel
(PNPB), lançado em dezembro de 2004 como salvação da lavoura para o
semiárido brasileiro, atravessa um momento de reformulação. Já não se
percebe a euforia das projeções exageradas e dos discursos ufanistas dos
primórdios do programa, que prometiam inundar os postos de combustível
com biodiesel feito a partir de mamona cultivada por camponeses. A nova
agenda se concentra no incremento da produtividade e no ganho de escala
na produção agrícola, levando em conta as dificuldades de se produzir em
áreas castigadas pela seca.
Se do ponto de vista agrícola o PNPB no semiárido ensejou uma produção incipiente
– a participação do óleo da mamona, de girassol e de dendê no total de
biodiesel fabricado no país é nula, segundo dados da Agência Nacional
de Petróleo, Gás e Biocombustível (ANP) -, no plano agroindustrial os
resultados não são muito mais animadores. Além das três usinas de
biodiesel da Petrobras Biocombustível (PBio), localizadas em Candeias
(BA), em Quixadá (CE) e Montes Claros (MG), atualmente existe apenas uma
única empresa produtora do combustível: a V-Biodiesel, em Iraquara
(BA), na região da Chapada Diamantina, que opera de forma embrionária.
Nos últimos anos, só na Bahia, dificuldades operacionais fizeram três
usinas encerrarem suas atividades – a Comanche, a BioBrax e a Brasil
Ecodiesel. A maioria das 63 plantas industriais produtoras de biodiesel
em atividade no país se concentra em grandes regiões produtoras de soja
(como os estados do Mato Grosso e do Rio Grande do Sul) e no entorno de
importantes polos da indústria frigorífica, como se percebe no interior
de São Paulo.
Não se pode negar, contudo, que o PNPB tenha trazido benefícios para a
atividade agrícola da região, sobretudo para a cadeia produtiva da
mamona. O legado mais evidente do programa é o substancial incremento no
preço da saca de 60 quilos – aumento que se consolidou com a forte
atuação da PBio na compra da produção.
A valorização da mamona é notada sobretudo na Bahia (historicamente, o
maior produtor do país), onde o preço da saca mais do que triplicou,
desde a implementação do programa. Na primeira semana de fevereiro de
2014, por exemplo, a saca foi negociada por até R$ 130 em Irecê.
Em abril de 2009, pouco tempo após o início das atividades da PBio na
região, a saca era negociada a R$ 62. Em 2006, esse valor ficava na casa
dos R$ 40.
Semanalmente, o preço da mamona é atualizado e a informação é
disponibilizada no site da Conab na internet. Além de tornar público o
valor de mercado da saca, a Conab também é responsável por estipular um
preço mínimo que norteia os contratos firmados entre a PBio e os
produtores rurais. Essas medidas têm servido não só para estreitar o
laço entre a empresa e os agricultores, mas sobretudo para afastar os
atravessadores.
“A
partir do PNPB, o preço subiu muito. Os atravessadores já não têm mais a
facilidade que tinham para comprar mamona como antigamente”, explica
Vitor Azevedo, presidente da Cooperativa de Apoio à Agricultura Familiar
(Copagril), do município de Morro do Chapéu (BA), maior produtor do
estado.
O próprio diretor de Suprimentos da PBio admite que, no passado
recente, havia problemas de “fidelidade” dos agricultores à empresa
justamente por conta da ausência de uma política de preços sólida. Isso
quer dizer que era comum que produtores de mamona desrespeitassem o
contrato firmado com a PBio e vendessem a mamona a terceiros, por
conseguir remuneração mais vantajosa ou por receber o pagamento mais
rapidamente de atravessadores e da indústria ricinoquímica.
“Hoje esse problema está totalmente resolvido”, afirma João Augusto
Araújo Paiva, diretor de suprimentos da PBio. “A Conab criou soluções de
acompanhamento de preço que dá respaldo aos contratos. Por questão de
preço, não acontece mais [quebra de contrato]. Já transcorreu no passado”, admite.
Bioóleo e controle
Outra importante medida tomada pela PBio para tentar alavancar a
produção no semiárido foi a compra de 50% do capital da Bioóleo,
empresa de processamento de óleo vegetal localizada em Feira de Santana,
portal de entrada para o sertão baiano. Toda a mamona comprada pela
PBio dos agricultores familiares é esmagada nessa unidade. O óleo é
depois revendido à indústria ricinoquímica, já que não faz sentido
econômico usá-lo na produção de biodiesel. “A Bioóleo tem feito um
trabalho importante na parte da logística, no armazenamento e no
processamento desse grão. É uma empresa localizada no semiárido que
fortalece a estratégia da companhia nessa região”, analisa o diretor da
PBio.
Além de garantir uma estrutura para estocar, escoar e processar a
mamona (e também de outras oleaginosas, como o girassol e o algodão)
comprada dos agricultores familiares, a aquisição da Bioóleo também é
estratégica para a estruturação do programa de assistência técnica, que
tem sua operação articulada justamente a partir de Feira de Santana.
Somente na Bahia, a PBio – através da Bioóleo – disponibiliza oito
técnicos que atendem diretamente cerca de 900 agricultores. Cada técnico
é responsável por pouco mais de uma centena de produtores. Com carros e
uniformes estampando o logotipo da coligada da PBio, os técnicos rodam o
semiárido baiano não apenas com o intuito de orientar os agricultores
sobre as melhores formas de cultivo da mamona, mas também com a missão
de ampliar o controle da empresa sobre a produção dos agricultores com
os quais a PBio mantém contratos diretos, responsabilizando-se inclusive
pela compra da produção.
Para a safra 2013/2014, os agricultores, descapitalizados por conta
da estiagem que inviabilizou a produção no semiárido nos últimos anos,
tiveram suas terras aradas e gradeadas por tratores contratados e
bancados pela PBio. As sementes da mamona (a um custo de R$ 8 por
quilo), assim como de feijão e de milho, também foram doadas pela
estatal.
No entanto, em algumas comunidades – casos de Icó e de Olhos D’Água,
ambas localizadas no município de Morro do Chapéu (BA) – produtores que
descumpriram o contrato firmado com a PBio em safras passadas, vendendo a
produção a terceiros, não foram contemplados com esses benefícios. “A
própria comunidade, quando percebe que determinado agricultor não vendeu
a mamona pra PBio, fala que o produtor que descumpriu o contrato tem
que ficar de fora dos projetos que realizamos”, afirma Vitor Azevedo,
presidente do Copagril.
* Esta é a segunda reportagem da série especial sobre o Programa
Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB), que faz parte das
iniciativas da Repórter Brasil para promover o debate
sobre os resultados e perspectivas após uma década de investimentos
públicos no projeto. Na segunda-feira, dia 2, o Centro de Monitoramento
de Agrocombustíveis da organização realizou o seminário “PNPB, 10 anos: inclusão social ou inclusão produtiva?”.